sábado, 31 de março de 2018

De perfil técnico, Eduardo Guardia, novo ministro da Fazenda, é negociador duro conhecido por dizer 'não'

Novo ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, participação de reunião do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação

Novo ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, participação de reunião do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação - Beto Barata/PR

Mariana Carneiro e Bernardo Caram, Folha de São Paulo

Em meio à longa negociação para a aprovação do Refis (programa de refinanciamento de dívidas tributárias), no ano passado, um parlamentar da base aliada do governo saiu de uma reunião no Palácio do Planalto insatisfeito com a resistência do Ministério da Fazenda em fazer concessões.
O deputado defendia que um programa menos rígido poderia ajudar os devedores maltratados pela recessão, além de facilitar a aprovação da proposta no Congresso. O ministro Henrique Meirelles (Fazenda), segundo o interlocutor, não respondeu com a negativa. Disse apenas que teria que consultar o Guardia.
Eduardo Guardia, 52, hoje secretário-executivo da Fazenda, foi alçado a ministro por indicação de Meirelles. De perfil técnico, ficou conhecido no meio político como o homem que diz não.
No caso do Refis, a oposição da Fazenda estendeu a negociação por 11 meses no ano passado. A primeira versão foi apresentada em fevereiro, mas o programa só foi aprovado em dezembro. O principal argumento de resistência, além do efeito negativo sobre a arrecadação, era evitar condições excessivamente favoráveis no programa.
Falar não é a principal tarefa dos que ocupam o posto de secretário-executivo do Ministério da Fazenda, disseram dois ex-funcionários que passaram pela pasta. E talvez seja essa a origem da fama de pouco traquejo político mencionada por parlamentares que torciam contra a indicação de Guardia.
Um alto funcionário da área econômica, em defesa de Guardia, diz que ele fala não olho no olho, “é um negociador duro, mas ético”, além de competente e sério.
Ainda assim, ele prevê que o novo ministro terá dificuldades em negociar com o Congresso. O problema está na falta de abertura para diálogo com os parlamentares. Embora acostumado a lidar com políticos, Guardia é conhecido pelo pouco apreço a conversas que não sejam técnicas.
Dentro da Fazenda, o clima é diferente. O novo ministro é considerado de fácil interação e trabalha bem em equipe.
Costuma se juntar à mesa com os secretários do ministério às segundas-feiras, quando fazem um balanço das atividades e traçam panoramas de trabalho.
Com frequência, Guardia acorda às 5h e vai remar no Lago Paranoá. O exercício dura entre 30 e 40 minutos. Depois, segue para o ministério, onde costuma permanecer até 22h. A rotina de trabalho gira em torno de 13 horas por dia, não tão longa quanto a de Meirelles, cujas mensagens de celular apitam nos telefones dos secretários das 6h da manhã à meia noite.
Os dois se conheciam dos tempos em que Guardia estava na BM&FBovespa (hoje B3), onde o futuro ministro trabalhou até chegar ao governo Temer, em junho de 2016.
Lá, ele também manteve contato com o ex-presidente do Banco Central de FHC Arminio Fraga —ex-presidente do conselho de administração da BM&FBovespa (2009 a 2013).
Foi com o PSDB a primeira passagem de Guardia pelo governo federal. Em 2002, após galgar funções no Ministério da Fazenda, assumiu a Secretaria do Tesouro Nacional nos meses finais do governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2003, assumiu o posto de secretário da Fazenda de Geraldo Alckmin (PSDB), recém-eleito governador de São Paulo.
Vem desse histórico a fama de “agente infiltrado tucano”, que críticos lançam contra ele e que ganhou relevância neste ano eleitoral. Não à toa: Alckmin concorrerá à Presidência e pode competir contra o presidente Michel Temer ou o próprio Meirelles em uma eventual candidatura do MDB. 
Contra esse argumento, seus colegas rebatem com a fama profissional que Guardia conquistou. 
O presidente do Banco do Brasil, Paulo Rogério Caffarelli, lembra que, na presidência do conselho de administração do banco, em 2016, Guardia ajudou a viabilizar o difícil programa de aposentadoria incentivada, que afastou cerca de 10 mil servidores que já estavam aposentados. Isso contribuiu para enxugar a folha de pagamentos e melhorar a rentabilidade do BB.
“É um profissional altamente capacitado e preparado, que fez um excepcional trabalho na retomada de relevância do Banco do Brasil”, disse. 
No Ministério da Fazenda, a expectativa é que ele dê fôlego a assuntos que já vem acompanhando, como a solução do impasse com a Petrobras sobre a cessão onerosa no pré-sal, a privatização da Eletrobrás e a simplificação do PIS/Cofins. 
Nos dias livres, Guardia costuma se refugiar na fazenda da família, em Lins (SP), onde cria gado. Casado com a pedagoga Maria Lúcia, não tem filhos.
A vida no campo, porém, nem sempre foi tranquila. No ano passado, Guardia foi à Justiça para processar uma empresa que, segundo ele, usava as propriedades de sua família para escoar a safra de cana-de-açúcar sem autorização.
Na ação, ele argumentava que as cercas que dividiam o terreno com o vizinho foram derrubadas pela companhia. Uma liminar chegou a ser concedida para proibir que representantes da empresa circulassem na fazenda. No final, houve acordo.

RAIO-X DYOGO OLIVEIRA
42 anos
Formação: Economista, mestre em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília
Atuação: Funcionário público de carreira. Foi secretário-executivo interino de Guido Mantega no Ministério da Fazenda (2014). Em 2015, foi nomeado secretário-executivo do Ministério do Planejamento, sob o comando de Nelson Barbosa. Em maio de 2016, com a saída de Romero Jucá do cargo, já no governo de Michel Temer, tornou-se ministro interino e, em março de 2017, foi efetivado titular do Ministério do Planejamento
RAIO-X EDUARDO REFINETTI GUARDIA
52 anos
Formação: Economista, doutor em economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP
Atuação: Antes de chegar ao governo, foi diretor executivo de produtos e financeiro da BM&FBovespa (atual B3), onde trabalhou de 2010 a 2013. Foi secretário de Fazenda do Estado de São Paulo (2003-06), no primeiro mandato de Geraldo Alckmin (PSDB). Em 2002, foi secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda, nos últimos meses da gestão FHC