Mariana Carneiro e Bernardo Caram, Folha de São Paulo
Em meio à longa negociação para a aprovação do Refis (programa de refinanciamento de dívidas tributárias), no ano passado, um parlamentar da base aliada do governo saiu de uma reunião no Palácio do Planalto insatisfeito com a resistência do Ministério da Fazenda em fazer concessões.
O deputado defendia que um programa menos rígido poderia ajudar os devedores maltratados pela recessão, além de facilitar a aprovação da proposta no Congresso. O ministro Henrique Meirelles (Fazenda), segundo o interlocutor, não respondeu com a negativa. Disse apenas que teria que consultar o Guardia.
Eduardo Guardia, 52, hoje secretário-executivo da Fazenda, foi alçado a ministro por indicação de Meirelles. De perfil técnico, ficou conhecido no meio político como o homem que diz não.
No caso do Refis, a oposição da Fazenda estendeu a negociação por 11 meses no ano passado. A primeira versão foi apresentada em fevereiro, mas o programa só foi aprovado em dezembro. O principal argumento de resistência, além do efeito negativo sobre a arrecadação, era evitar condições excessivamente favoráveis no programa.
Falar não é a principal tarefa dos que ocupam o posto de secretário-executivo do Ministério da Fazenda, disseram dois ex-funcionários que passaram pela pasta. E talvez seja essa a origem da fama de pouco traquejo político mencionada por parlamentares que torciam contra a indicação de Guardia.
Um alto funcionário da área econômica, em defesa de Guardia, diz que ele fala não olho no olho, “é um negociador duro, mas ético”, além de competente e sério.
Ainda assim, ele prevê que o novo ministro terá dificuldades em negociar com o Congresso. O problema está na falta de abertura para diálogo com os parlamentares. Embora acostumado a lidar com políticos, Guardia é conhecido pelo pouco apreço a conversas que não sejam técnicas.
Dentro da Fazenda, o clima é diferente. O novo ministro é considerado de fácil interação e trabalha bem em equipe.
Costuma se juntar à mesa com os secretários do ministério às segundas-feiras, quando fazem um balanço das atividades e traçam panoramas de trabalho.
Com frequência, Guardia acorda às 5h e vai remar no Lago Paranoá. O exercício dura entre 30 e 40 minutos. Depois, segue para o ministério, onde costuma permanecer até 22h. A rotina de trabalho gira em torno de 13 horas por dia, não tão longa quanto a de Meirelles, cujas mensagens de celular apitam nos telefones dos secretários das 6h da manhã à meia noite.
Os dois se conheciam dos tempos em que Guardia estava na BM&FBovespa (hoje B3), onde o futuro ministro trabalhou até chegar ao governo Temer, em junho de 2016.
Lá, ele também manteve contato com o ex-presidente do Banco Central de FHC Arminio Fraga —ex-presidente do conselho de administração da BM&FBovespa (2009 a 2013).
Foi com o PSDB a primeira passagem de Guardia pelo governo federal. Em 2002, após galgar funções no Ministério da Fazenda, assumiu a Secretaria do Tesouro Nacional nos meses finais do governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2003, assumiu o posto de secretário da Fazenda de Geraldo Alckmin (PSDB), recém-eleito governador de São Paulo.
Vem desse histórico a fama de “agente infiltrado tucano”, que críticos lançam contra ele e que ganhou relevância neste ano eleitoral. Não à toa: Alckmin concorrerá à Presidência e pode competir contra o presidente Michel Temer ou o próprio Meirelles em uma eventual candidatura do MDB.
Contra esse argumento, seus colegas rebatem com a fama profissional que Guardia conquistou.
O presidente do Banco do Brasil, Paulo Rogério Caffarelli, lembra que, na presidência do conselho de administração do banco, em 2016, Guardia ajudou a viabilizar o difícil programa de aposentadoria incentivada, que afastou cerca de 10 mil servidores que já estavam aposentados. Isso contribuiu para enxugar a folha de pagamentos e melhorar a rentabilidade do BB.
“É um profissional altamente capacitado e preparado, que fez um excepcional trabalho na retomada de relevância do Banco do Brasil”, disse.
No Ministério da Fazenda, a expectativa é que ele dê fôlego a assuntos que já vem acompanhando, como a solução do impasse com a Petrobras sobre a cessão onerosa no pré-sal, a privatização da Eletrobrás e a simplificação do PIS/Cofins.
Nos dias livres, Guardia costuma se refugiar na fazenda da família, em Lins (SP), onde cria gado. Casado com a pedagoga Maria Lúcia, não tem filhos.
A vida no campo, porém, nem sempre foi tranquila. No ano passado, Guardia foi à Justiça para processar uma empresa que, segundo ele, usava as propriedades de sua família para escoar a safra de cana-de-açúcar sem autorização.
Na ação, ele argumentava que as cercas que dividiam o terreno com o vizinho foram derrubadas pela companhia. Uma liminar chegou a ser concedida para proibir que representantes da empresa circulassem na fazenda. No final, houve acordo.
RAIO-X DYOGO OLIVEIRA
42 anos
Formação: Economista, mestre em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília
Atuação: Funcionário público de carreira. Foi secretário-executivo interino de Guido Mantega no Ministério da Fazenda (2014). Em 2015, foi nomeado secretário-executivo do Ministério do Planejamento, sob o comando de Nelson Barbosa. Em maio de 2016, com a saída de Romero Jucá do cargo, já no governo de Michel Temer, tornou-se ministro interino e, em março de 2017, foi efetivado titular do Ministério do Planejamento
RAIO-X EDUARDO REFINETTI GUARDIA
52 anos
Formação: Economista, doutor em economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP
Atuação: Antes de chegar ao governo, foi diretor executivo de produtos e financeiro da BM&FBovespa (atual B3), onde trabalhou de 2010 a 2013. Foi secretário de Fazenda do Estado de São Paulo (2003-06), no primeiro mandato de Geraldo Alckmin (PSDB). Em 2002, foi secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda, nos últimos meses da gestão FHC