sábado, 31 de março de 2018

'Deixe a Luz do Sol Entrar' tem Juliette Binoche em busca do amor

Luiz Carlos Merten, O Estado de S. Paulo

Tem havido reclamação de cinéfilos descontentes com O Amante de Um Dia. O longa de Philippe Garrel, em cartaz na cidade, estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes do ano passado. Foi aplaudido de pé – o repórter estava lá e aplaudiu junto. Mas, agora, tudo é motivo de crítica. O preto e branco, o excesso de francesismo, o amor. Só isso? Estreou agora outro filme francês que também estava na Quinzena. Deixe a Luz do Sol Entrar. Também tem gente reclamando – da diretora Claire Denis. Para alguns, ela já era.
No original, chama-se Un Beau Soleil Intérieur, Um Belo Sol Interior. Virou Deixe a Luz do Sol Entrar. É o que tenta fazer a personagem de Juliette Binoche. Isabelle (seu nome) é divorciada, de meia idade. Sonha com o amor, que busca em diversos homens, mas não encontra.
Juliette Binoche
Juliette Binoche no Festival de Cinema de Cannes, em maio de 2017
Foto: REUTERS/Jean-Paul Pelissier
Claire Denis e sua roteirista, Christine Angot – autora do livro Porquoi le Brésil?, Por Que o Brasil? – , devem ter se divertido traçando esses perfis de homem para tentar desvendar o mistério de uma mulher. Isabelle relaciona-se com homens poderosos, frágeis, da idade dela, mais jovens. Sai até do seu extrato social em busca dessa combinação de sexo, e afeto, mas nada dá certo. A insatisfação corrói sua alma, consome sua alegria. E, a todas essas, o filme avança confrontando o estilo de interpretação da Binoche, sua forte presença cênica, sua sensualidade madura, com atores de diferentes gerações do cinema francês – Xavier Beauvois (também diretor), Alexs Descas, Paul Blain, Nicolas Duvauchelle.
É um pouco esse o desafio do filme. Já que não há uma história forte, esses momentos – fragmentos, como no discurso amoroso de Roland Barthes em que se basearam, vagamente, a cineasta e sua roteirista – serão suficientes para compor alguma coisa coerente (um relato, talvez?) e manter o espectador ligado? Talvez seja essa a surpresa que Deixe a Luz do Sol Entrar propõe. Um exercício de leveza, humor. Para a autora é algo novo. Para a atriz, também não deixa de ser. Juliette admite que, com a idade, vem uma maturidade que lhe permite interpretar Isabelle de um jeito que elas não terias conseguido antes.
Na entrevista ao Estado, Philippe Garrel disse que O Amante de Um Dia não era um filme de amor, mas de psicanálise. A mesma definição pode-se muito bem aplicar a Deixe a Luz do Sol Entrar, e à parceria entre Claire e Christine. E não é só porque entra em cena um psiquiatra, interpretado por Gérard Depardieu. Como pensador, Barthes usou a análise semiótica em revistas e propagandas, para destacar seu conteúdo político. E ele dividia o processo de significação em dois momentos – denotativo e conotativo, sendo que o segundo aborda as mitologias. Como os sistemas de códigos operam no inconsciente das pessoas, levando-as a fazer escolhas com base em padrões, ou valores, transmitidos pela cultura.
O que o personagem de Depardieu faz no filme é entrar para subverter esse discurso dominante. Mais importante do que buscar, incansavelmente, o outro, um outro, é desenvolver a auto-estima. Parece banal, mas não do jeito que está na tela. A ideia, olha o spoiler, é que o amor tem de ser livre desses pré-supostos. Daí a proposta final, que você vai ter de conferir. Claire Denis já fez coisas melhores, mas só o fato de deixar a luz do sol entrar para iluminar Juliette, maravilhosa, já garante a adesão.