quinta-feira, 29 de março de 2018

Casseta & Planeta: Pau-Brasil que nasce torto morre torto

Eliane Lobato, IstoE


Seus problemas acabaram: foi lançado o livro “Brasil do Casseta — Nossa História Como Você Nunca Riu” (Sextante), escrito pelos seis autores e atores do programa “Casseta & Planeta”, apresentado na Rede Globo de 1988 a 2012.
Trata-se de uma revisão histórica do País que tenta explicar, pela via do humor, “como fomos metidos nessa encruzilhada”.
Os textos são assinados por Beto Silva, Claudio Manoel, Helio de La Peña, Hubert Aranha e Marcelo Madureira. As ilustrações são de Reinaldo Figueiredo.
A obra é dedicada a Bussunda, que integrava a trupe até falecer, em 2006, e reconta a história do Brasil desde o descobrimento até os dias atuais, misturando fatos do passado com gírias de hoje, mas sem fake news.
“A gente não passaria no Enem, mas está tudo certo lá, as datas, os nomes, os acontecimentos. Só mudamos a maneira de contar”, diz Beto.
Nesta entrevista, eles fazem um alerta para as próximas eleições:
“Na política o vice sempre assume!”
Vocês lançaram um livro sobre a história do Brasil em um ano de eleições…
Claudio Não é culpa nossa!
Reinaldo No momento, estou completamente de saco cheio com toda essa situação, altamente grotesca e desesperadora…
Hubert Qual é o projeto de país dos candidatos? O “Bolsonazi” (Jair Bolsonaro) todo mundo sabe, é a volta da ditadura. O PSOL quer a volta do comunismo. O Alckmim é o seguinte: “fui governo de São Paulo por 25 anos, agora quero o Brasil.” O Ciro Gomes quer fazer o que a Dilma fez, só que bem feito. A Marina Silva não está em maracutaias, mas não ser ladrão não é qualidade, é obrigação. O PMDB, o Partido do Movimento Dinheirista Brasileiro, quer ser ele mesmo. O que falta é um candidato cujo projeto diga: ‘Eu vou mexer no… Mecanismo’. Por isso eu acho que o Selton Mello (ator da série “O Mecanismo”, da Netflix) deveria ser presidente.
Beto Não dá para entender o que ele fala. Ele só sussurra.
Helio A série tem outros problemas também: o cara que faz o Lula tem 10 dedos, o outro, que faz o Sérgio Moro, parece que nem peida para não poluir o ambiente.
Beto E o advogado do Lula é o Capitão Furacão (o ator Pietro Mário), não dá!
Fazer o quê, então?
Helio A gente fez um livro engraçado com a história toda.
Beto Para as pessoas rirem bastante e, a partir daí, procurem ler um livro sério… Brincadeira, nosso livro faz rir provocando o pensamento.
Hubert Apesar de achar que a história do Brasil é marcada por transações espúrias por baixo dos panos, acho que a maioria não quer tacar fogo no país. As pessoas querem coisas muito simples. Deixem a galera trabalhar, dêem infraestrutura e não acordos com corruptos.
Helio Somos parciais, colocamos os nossos pontos de vista.
Beto Tem gente que admira o D. Pedro II, tem gente que acha ele um idiota.
Hubert Meu caso.
Marcelo O Brasil não tem um projeto nacional, o único era a Copa do Mundo e já não tem mais. O brasileiro não sabe quem joga no seu time de futebol, mas sabe os nomes dos onze ministros do STF. Sou o antibrazuca, não torço pelo país, torço pelo futebol bacana. Quero que esse Neymar quebre a perna, não fará falta. Gosto dos grandes jogadores.
Reinaldo Eu sou um otimista incorrigível, e sempre acho que alguma coisa ainda pode dar certo.
Marcelo A esperança é um barco perdido e sem remo no meio do oceano.
Acredito na organização da sociedade. Se houver renovação de 20% do Congresso este ano já acho suficiente para começar um movimento positivo de recuperação das instituições brasileiras. E se nada der errado, poderemos colher alguma coisa daqui a 15 anos.
Claudio Esperança tem que ter, mas o quadro não é alentador, os coronéis e caciques políticos continuam, o aparelhamento da máquina pública também. As castas, os senhores de escravos, hoje é o setor público — com privilégios e diretos de consumir a maior concentração de renda. Para a galera, chicote. Assim é tratado quem depende de saúde pública, transporte público. Continua uma casta de escravocratas sugando. Só muda o nome.
Beto Nós fomos o último país a abandonar a escravatura.
Helio E só aboliu porque não tinha outro jeito. Mas tentou.
Hubert O tráfico dos escravos era o maior negócio do Brasil. Quando veio a abolição, jogaram os escravos na rua. Por outro lado, nós somos o único país da América Latina que teve miscigenação. Nenhuma história é perfeita.
Beto Entre as histórias imperfeitas, a nossa é a mais perfeita.
Helio Essa coisa da miscigenação é discutível. Ela começou com o estupro de escravas.
Vocês conseguiram entender por que estamos hoje na “encruzilhada em que nos metemos (ou nos meteram)”?
Marcelo Por preguiça, ignorância, irresponsabilidade. Deus não é brasileiro. Ele não existe e, se fosse brasileiro, pior ainda: seria responsável por uma obra inacabada e superfaturada.
Hubert Pau Brasil que nasce torto, morre torto. O fundamento da nossa desorganização, da desigualdade, está tudo lá no passado. A elite nunca ligou para o povo, a corte queria explorar ao máximo o Brasil.
Beto A gente consegue entender que esse país é uma bagunça desde sempre, ninguém teve ou tem interesse em trabalhar para o bem comum, vem desde a colonização assim. Continua o “cada um por si”.
Helio Vivemos hoje o passado. A coisa de o vice assumir, as acusações de golpes, negociatas entre políticos.
Cláudio Veja bem quem é o vice! Só no futebol é que podemos sacanear o vice, na política, o vice assume. A história dá ótimas pistas. Em 1891, Floriano Peixoto entrou no lugar de Deodoro da Fonseca; Café Filho foi servido depois do suicídio de Getúlio Vargas; Jango assumiu a vassoura de Jânio; Sarney subiu a rampa por Tancredo; Itamar usou a faixa deixada por Collor; e Michel Temer empurrou Dilma rampa abaixo e assumiu a chave do cofre.
Reinaldo Eu não estava me propondo a entender ou explicar nada, porque já sabia que isso seria impossível. Tentei simplesmente complicar um pouco mais a coisa toda…
Está no livro: “os portugueses que habitavam o Brasil naquele tempo eram tão baixo nível” que só podiam ser comparados ao Congresso Nacional. Essa é a imagem dos nobres deputados e senadores?
Helio Não podemos esquecer que a gente é que vota neles, né? E eles votam nos interesses deles e dos amigos deles. Algo pode ser muito bom quando você está atacando seu opositor. Mas quando a coisa começa a chegar em você, aí é capaz de defender seu opositor para manter seu interesse.
Hubert Veja a reforma da Previdência, em que se propõe gastar trilhões com 1 milhão de pessoas e deixar 30 milhões de cidadãos na merda. Estão pensando na maioria? Não, né?
Beto E essa história da segunda instância? De uns cinco anos para cá, inventaram isso para proteger os amigos. Isso perpassa a história toda do Brasil. Um cara é contra o outro, mas ambos se juntam lá na frente por um interesse comum.
Ainda acham Supremo Tribunal Federal (STF) pop, como está no livro?
Beto Se fosse atualizar, não seria mais. A única coisa pop, agora, é a capa de super-heroi que eles continuam usando. Fora isso, é “pitadas de atraso com psicopatia”, como disse muito bem o ministro Luís Roberto Barroso.
Hubert A Lava Jato deu esperança. Afinal, um dos caras mais ricos do País (Marcelo Odebrecht) ficou preso dois anos. Inclusive, deu esperança de as cadeias melhorarem: fizeram reformas, botaram água quente lá.
Helio A de Benfica, no Rio, melhorou pra caramba, tem motelzinho com coraçãozinho na parede. Em outros países há cela especial para quem tem curso superior?
Beto Isso eu sou a favor, tá? Sou formado na faculdade! É desse jeito que funciona e sempre funcionou, desde a colononização: você é contra um monte de coisas até que chega em você e, aí, fica a favor.
Hubert A Lava Jato deu bom exemplo: ricos e influentes sendo presos, justiça igual para todos, mas agora estão dando para trás.
Claudio STF significa Supremo Tribunal do Frango.
Marcelo As instituições foram sendo desmoralizadas até chegar ao STF. Não sobrou nada.
É verdade que depois que vocês saíram da TV Globo ficaram na pindaíba, vivendo de Bolsa Humorista, como disse o Eduardo Bueno na apresentação?
Helio Temos a série “Procurando Casseta e Planeta”, que volta em nova temporada no Multisohw, em que a gente conta essa situação de penúria (risos). Na verdade, estamos tocando projetos juntos e alguns separados.
Beto Estou escrevendo um romance policial que chama “Estão matando os humoristas”…
Hubert É autobiográfico, penúria total…(risos)
Marcelo Virei empresário, minha empresa tem um canal no YouTube que chama Flocks, que significa nome chulo de vagina em polonês. Para ser o outro lado do Casseta.
Hubert Continuo escrevendo a coluna do Agamenon com o Marcelo, agora no site “O Antagonista”, faço charge na Folha de S. Paulo, como o Reinaldo também faz. Temos outros projetos que não posso falar, são ultra-secretos. Do que podemos falar, tem um canal no YouTube e Facebook com os plantões “Casseta e Planeta Urgente”, que entrou no ar semana passada, e vamos lançar “Parece Que Foi Antes”. Fazemos coisas na Flocks do Marcelo também, no bom sentido.
Helio Houve um tempo em que a TV Globo era a única alternativa, mas hoje tem outros caminhos, como a internet. Eu vou lançar o filme “Correndo atrás” em junho, no qual fiz o roteiro, faço participação e sou um dos produtores. E faço o stand-up com música chamado “Crise no Show Bizzi”. E este livro é um projeto audiovisual também, uma série.
Existe renovação no humor brasileiro?
Beto O principal, depois do “descobrimento brasileiro” do stand-up, foi a internet — e aí veio o Porta dos Fundos, o que mais se deu bem. A gente tem gostado muito dos meninos do TV Quase, mas eles ainda são menores.
Helio Surgiram os talentos anônimos, criadores de memes. Isso é uma grande novidade no humor. Evidentemente, tem muita gente talentosa por aí. A atenção está muito fragmentada, diferentemente de quando fazíamos o “Casseta & Planeta” na TV aberta, e era só o que existia de diferente.
Beto O Marcelo Adnet é o novo na televisão, mas ele não é um movimento forte.