“Há que dizer-se das coisas/ O somenos que elas são/ Se for um prato é um prato/ Se for um cão é um cão”, palavras de Ary dos Santos. Como a arte imita a vida, os versos bem se poderiam referir à qualidade dos textos na internet. Se são textos sérios, são sérios. E, quando não, paciência. Melhor esquecer. Como agora.
Certo cidadão, que se intitula Presidente da OIB, no afã de agradar operadores de blogs partidários, publica na internet o texto “Jurista e jornalista produzem fake news sobre a presunção de inocência” (“Consultor Jurídico”). O jurista é este pobre coitado que vos fala. E, jornalista, o respeitado Merval Pereira – de O Globo e da Academia Brasileira de Letras. Preferia não voltar ao tema. Caso ofendesse apenas a mim, nem perderia tempo nisso. Pôr ser o ofensor quem é. Mas, ao incluir terceiros nas ofensas, não dá para calar.
O que discuti, no texto referenciado por Merval, não foi a Presunção de Inocência. Como pensa, se é que pensa, o tal Presidente. Nisso, estamos todos de acordo com o resumo que fez sobre o assunto, cópia de um bom texto que também circula na internet (de Emílio Peluso Meyer). Trata-se de algo bom, para a democracia. Só que o tema tratado, na coluna que escrevi, foi outro. O do Cumprimento antecipado da pena. Algo compatível com todo o nosso sistema jurídico. Inclusive pelo fato de que os recursos especial e extraordinário, contra decisões de segunda instância perante STJ e Supremo, têm apenas o efeito devolutivo (e, já não, também o suspensivo).
A tese, de resto, é compatível com as súmulas 279 (do Supremo) e 7 (do STJ), que proíbem o reexame das provas. E, por fim, também compatível com o princípio da Presunção de Inocência. Nenhum tratado internacional (ou sua jurisprudência) indica ser necessário mais que isso para o início do cumprimento da pena. Assim está, por exemplo, nas regras da Convenção Americana de Direitos Humanos, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (seguindo Aury Lopes Jr. e Gustavo Badaró). Sem contar que, na maioria das democracias maduras, condenados começam a cumprir suas penas em decisões já de primeira instância. Como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha, França, Espanha. E ninguém, por lá, jamais considerou ser isso ilegal ou antidemocrático.
Pior é que o tal Presidente diz ser fake a informação de que “Em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando o referendo de Corte Suprema”. Sem atentar para o fato de que o jornalista citado nenhuma culpa tem, no reproduzir a citação que fiz. Nem, verdade seja dita, sou eu o autor dessa frase. Que cabe à eminente ex-ministra do Supremo Ellen Gracie. No Habeas Corpus 85.866, de 28.10.2005. Quisesse reclamar da frase, deveria tê-lo feito 13 anos atrás. 13 anos. 13. E não agora. Chegou atrasado. Está fora de tempo. Tudo só para alegrar blogs partidários que ficam reproduzindo tolices.
“Há que dizer-se” pois, como nos versos portugueses, que essa matéria do fake é fake. Tanto estardalhaço sem sequer o cuidado em conferir, antes, quem seja o autor real da citação. Penso que o dito Presidente deve, agora, desculpas à ex-ministra Ellen Gracie. Ou, se preferir, assentar contra ela suas baterias. Deixando de fora jornalistas que cumprem apenas seu dever, profissional e ético, de bem informar. Fique à vontade, Presidente. E divirta-se. Que, afinal, quem nasceu para “prato”, nunca vai chegar a “cão”.