segunda-feira, 19 de março de 2018

"Falta de visão", editorial de O Globo

Tema inescapável, com alta capacidade de mobilizar as pessoas, porque se refere ao sustento futuro da população, a reforma previdenciária, por mais difícil que seja abordá-la, precisa ser encarada de forma equilibrada, sem emoções que distorçam a lógica. A primeira reação típica diante de assuntos desagradáveis é a negação. Há vários exemplos no caso do irrefutável desequilíbrio estrutural da Previdência brasileira, seja no chamado “regime geral”, dos assalariados do setor privado (INSS), seja no “regime próprio”, dos servidores públicos.


Já houve argumentos, para justificar manter tudo na mesma, do tipo de que “a previdência urbana” é superavitária. Já foi. Em 2016 apresentou o primeiro déficit. No ano passado, o rombo foi de R$ 46,3 bilhões, e continuará subindo em alta velocidade, enquanto não for aprovada uma reforma consistente. O fato é que os resultados negativos do INSS se aproximam dos R$ 200 bilhões — R$ 182,4 bilhões, em 2017. Subiu de 2,4% do PIB em 2016 para 2,8% no ano passado.

É equivocado, puro ilusionismo estatístico, refazer contas para tentar provar que a Previdência é superavitária. Na verdade, usam-se, nesta mágica, receitas que estão alocadas para bancar outras despesas. Importa saber que as contas públicas, que já vinham numa trajetória preocupante, foram de vez desestruturadas pela política econômica da “nova matriz”, adotada a partir do final do segundo governo Lula e aprofundada por Dilma, até jogar o país na maior recessão da sua história (mais de 7% no biênio 2015/16), em meio a déficits fiscais profundos. E ainda causou o impeachment da presidente.

O Brasil continua a conviver com déficits primários (sem considerar os juros da dívida), embora pouco abaixo dos 2% do PIB, e nominais (incluindo o gasto financeiro) acima de 7% do PIB. Se a Previdência fosse de fato superavitária, o quadro não seria este.

Também não se discute que os privilégios nos benefícios previdenciários do funcionalismo são inaceitáveis, a partir de um senso mínimo de justiça social e também com base nas técnicas atuariais. No caso do funcionalismo federal, é impossível, por exemplo, sustentar aposentadorias acima dos R$ 28 mil, como as dos servidores do Congresso.

É por isso que o déficit no regime do INSS é de 182,4 bilhões atendendo 30 milhões de beneficiários, e o do servidor federal chega a R$ 86,3 bilhões, para apenas um milhão de aposentados. Além de corroer as finanças públicas, estas discrepâncias funcionam como eficiente usina geradora de desigualdades sociais. Basta registrar que o funcionalismo público aposentado está na parcela dos 2% mais ricos da população.

Quanto mais não fosse, inexiste qualquer sentido no fato de um país ainda jovem como o Brasil ter uma despesa total com previdência de 10% do PIB, equivalente à do Japão, país conhecido pela longevidade de sua população. Não faltam nonagenários japoneses.