segunda-feira, 19 de março de 2018

"Soluções cariocas", por Zelito Viana

O Globo


Quando eu era estudante de Engenharia no final da década de 50, assisti a palestra de um ilustre urbanista americano cujo nome esqueci, mas cujo pensamento me persegue até hoje. “Vocês (ele se referia aos engenheiros, arquitetos e urbanistas) aqui no Rio estão cometendo um grave equívoco que trará terríveis consequências no futuro. Vocês encaram a favela como um problema. Isto é um erro grave. A favela não é problema, a favela é uma solução encontrada pelas pessoas de baixa renda para morarem perto do trabalho e economizarem com a condução”.


Decorridos 60 anos, nós continuamos a cometer o mesmo equívoco e as consequências não são apenas terríveis. Elas são trágicas.

Encarando a favela como uma solução, venho modestamente tentar acender alguma luz no final deste obscuro túnel em que nos encontramos, sugerindo algumas medidas a serem tomadas pelos governos federal, estadual e municipal.

1. Levantar, mapear com o uso de drones, nomear ruas e praças e em seguida titular todos os imóveis existentes nas favelas do Rio. De posse deste documento, a prefeitura esta apta a fornecer títulos de propriedade a cada um dos moradores. Este documento vai possibilitar, por um lado, o pagamento de um IPTU; por outro lado, proporcionar ao morador todas as vantagens de um atestado de residência.

2. Desapropriar, conforme manda a lei, áreas que possibilitem a mobilidade no interior da comunidade para ambulâncias, carros de lixo, vans de transporte público, carros de polícia etc.

3. Descriminalizar o uso e o comércio de drogas no país, promovendo ao mesmo tempo uma anistia ampla geral e irrestrita para todos os que quiserem depor suas armas, sobretudo aquelas de guerra.

4.Fornecer condições de trabalho dignas para a polícia, não apenas com aumento de salário, mas com garantia de pensão vitalícia para sua família, caso ele seja assassinado no exercício da profissão ou não.

5. Repressão em todos os níveis aos que, após todas estas medidas, permaneçam em estado de guerra.

Para financiar um programa como este, tenho certeza que nós, os “barões” que moram no Rio de Janeiro, contribuiríamos substancialmente, além de utilizarmos a verba hoje jogada pela janela com a “guerra contra o tráfico”, que se mostrou ineficaz em todos os lugares em que foi aplicada, sobretudo nos EUA, onde foi inventada.

O consumo de drogas aumenta sem parar. O que tem que parar urgentemente não é o consumo das drogas, mas sim a violência gerada pela proibição. Quem era fã de filmes policiais como eu se lembra bem de Chicago na década de 30. Chamar o crime no Brasil de “organizado” é uma piada de mau gosto. O crime é organizado no Canadá, na França ou na Espanha. Aqui é uma esculhambação que mistura diferentes facções de marginais com outras tantas de policiais civis, militares, federais e rodoviários.

Acabar com a prohibition é, sem nenhuma dúvida, o primeiro passo para melhorarmos a qualidade de vida dos que moram no Brasil e, em particular, daqueles que amam esta fantástica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Zelito Viana é cineasta