Carlos Lima afirma que 'irmãos Batista eram e não eram líderes
de organização criminosa'; dentro da empresa ocupavam topo do
esquema, mas no 'mapa completo, eles eram tributários, pagavam
propinas para as organizações criminosas da política, seja a do PT
ou a do PMDB'
Um dos precursos dos acordos de delação premiada no Brasil, o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou que “interesses políticos” banalizaram as discussões sobre como funcionam organizações criminosas e sobre a polêmica maior do momento na fantástica Operação Lava Jato: os acordos de colaboração.
“Há diversos líderes de organizações criminosas, podendo encontrar-se subordinação entre um líder de uma organização à outra maior”, afirmou Carlos Lima, em um artigo publicado em sua página do Facebook, nesta sexta-feira, 30.
Ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF) enterrou tentativa de abrir brechas para que os acordos de colaboração premiada feitos entre réus e o Ministério Público possam ser alterados pelo juízo. A polêmica foi suscitada na delação do apocalipse político, fechada pelos donos do Grupo J&F, os irmãos Joesley e Wesley Batista.
“Usando um exemplo atual, os irmãos Batista eram e não eram líderes de organização criminosa”, afirma Carlos Fernando, que desde o início dos anos 2000 estudo e aplica na prática acordos – o primeiro deles foi com o doleiro Alberto Youssef, na Operação Farol da Colina, no escândalo do Banestado.
“Se restringirmos o olhar para a J&F, realmente eles eram líderes. Se olharmos para o mapa completo, eles eram tributários, pagavam propinas para as organizações criminosas da política, seja a do PT ou a do PMDB a nível federal, mas com certeza a organizações menores que existem em governos estaduais, municipais e em órgãos públicos diversos.”
A discussão sobre a validade da delação premiada dos executivos da J&F com base na informação de que os irmãos Batista seriam “líderes da organização”, não podendo, assim, ter o direito do benefício do perdão no acordo, foi suscitada por advogados de defesa dos investigados e insuflada por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial o ministro Gilmar Mendes.
Para Carlos Fernando, uma organização criminosa pode ser imaginada, em teoria, “como um triângulo em que no vértice superior encontra-se o líder e na medida que a estrutura desloca-se para a base, maior é a quantidade de subordinados e menor o poder dentro da organização”.
“Entretanto, no mundo real, como na Operação Lava Jato, há um conjunto enorme de organizações criminosas, parcialmente autônomas entre si.”
Ele cita o exemplo da máfia italiana, com suas várias organizações: “a máfia calabresa, a Ndrangheta, a napolitana Camorra, ou a Cosa Nostra siciliana”. “Essas organizações não são as únicas, pois coexistem com elas diversas outras organizações criminosas menores, normalmente prestadoras de serviço, tercerizadas, por assim dizer.”
Com quase 150 acordos de delação premiada fechados em pouco mais de três anos de Lava Jato, Carlços Fernando defende que a realidade “é muito mais complexa que o pensamento simplista da lei”.
“Somente no âmbito da corrupção atual, conforme a própria distribuição dos inquéritos no STF revela, há diversas organizações criminosas em convivência no Brasil. Podemos identificar a organização criminosa que tem como base o PT, assim como as organizações criminosas com suporte no PMDB da Câmara dos Deputados, no PMDB do Senado Federal, e assim por diante.
Youssef. O procurador cita o caso do doleiro Alberto Youssef, uma das figuras mais emblemáticas do escândalo Petrobrás. Preso no início dos anos 2000 no caso Banestado, o doleiro foi solto após fechar um dos primeiros acordos de delação premiada – Carlos Fernando, foi um dos procuradores do Paraná que construiram o termo, ainda sem a lei de organizações criminosas de 2013.
Nas ruas, ele voltou a atuar no mercado negro e virou braço direito do ex-deputado federal José Janene (PP-PR), morto em 2010. Youssef virou o lavador de dinheiro oficial e lobista do deputado.
“Há diversos líderes, portanto, de organizações criminosas, podendo encontrar-se subordinação entre um líder de uma organização à outra maior. Assim, por exemplo, Alberto Youssef tinha sua própria organização criminosa, com objetivos, permanência e pessoal. Entretanto, essa organização prestava serviço de lavagem de dinheiro àquela do Partido Progressista essencialmente, mas também eventual serviço para as organizações criminosas das empreiteiras”, explicou Carlos Lima.
“Assim, Alberto Youssef era sob um aspecto líder, mas sob outro, subordinado.”
Lula. O procurador afirma que o ápice do esquema envolvendo partidos e políticos era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Lava Jato comprovou que posto estratégicos da Petrobrás – e de outras estatais – eram loteados pelo governo entre partidos da base, em especial PT, PMDB e PP.
O objetivo era indicar agentes públicos comprometidos com o esquema de arrecadação de propinas, que variam de 1% a 3% do valor dos grandes contratos, em conluio com um cartel de empreiteiras. O dinheiro, mais de R$ 10 bilhões, bancou partidos e campanhas eleitorais desde 2004.
“A própria organização criminosa dentro do Partido Progressista era subordinada a outra maior, dentro do governo do PT, cujo ápice estava o ex-presidente Lula.”
Mais experiente dos 13 procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, berço do escândalo Petrobrás, Carlos Lima diz que entender essa complexa divisão de estruturas e de organizações dentro de um organização criminosa, foi uma estratégia de investigação e que permitiu, até aqui, “seu relativo sucesso”.
“Ao invés de iniciar a investigação contra as grandes organizações criminosas, foi ela desarticulando as organizações criminosas menores. Ao solapar as bases, as estruturas superiores foram desmoronando.”
Para o procurador, “o uso das colaborações premiadas com expoentes dessas estruturas menores foi fundamental para a implosão do sistema”.
“O acordo com Joesley Batista foi um mal necessário para atingir um interesse público maior, que é o de destruir duas das maiores e mais nefastas organizações criminosas que já existiram no Brasil, aquela existente no PT e aquela existente no PMDB.”