Matilde Campodonico/AP Photo | |
Ed Rosenthal, que planta maconha na Califórnia, visita o Museu da Cannabis de Montevidéu |
SYLVIA COLOMBO - Folha de São Paulo
Até agora, 3.500 usuários individuais já se registraram. O Uruguai tem 3,4 milhões de habitantes.
"Estou esperando que nos informem quais são as farmácias que não vão vender marijuana, porque serão estas as que irei frequentar. Não quero me misturar com delinquentes", dizia, em tom inconformado, Giordana Soares, 68, na manhã do último sábado (24), no bairro de Pocitos, em Montevidéu.
A secretária aposentada não é uma voz solitária.
Segundo pesquisa recente, mais de 60% dos uruguaios são contra a venda de cigarros de maconha nas farmácias do país. Ainda assim, esta, que é a última etapa da chamada Lei da Maconha para que ela seja implementada por completo, entra em vigor neste sábado, 1º de julho.
Aprovada pelo Congresso em 2013, impulsionada pela Presidência de José "Pepe" Mujica (2010-15), a lei já tem seus demais pontos em vigor.
Além de descriminalizar a posse, a lei permitiu o cultivo para consumo pessoal (cada usuário pode ter até seis plantas em casa) e criou os clubes de cultivo coletivos, onde até 45 membros se associam para plantar e se beneficiar da colheita, com direito ao consumo de até 40 gramas mensais per capita.
Ambas as atividades são reguladas e fiscalizadas pelo Estado. Hoje já existem cerca de 7.000 cultivadores individuais ativos no país.
A venda da maconha em farmácias, porém, foi a parte mais difícil de por em vigor.
Houve resistência dos estabelecimentos, que exigiram reforço do aparato de segurança para evitar roubos e eventuais ataques de quadrilhas de narcotraficantes.
A pedido da Associação das Farmácias do Uruguai, foram instalados botões antipânico conectados diretamente às delegacias mais próximas, para que a polícia seja acionada assim que surgir o risco de uma tentativa de roubo do estoque das lojas.
Pela norma que entra em vigor neste sábado (1), cada usuário registrado terá direito a comprar, no máximo, 10 gramas por semana, a US$ 1,30 (R$ 4,30) o grama. É preciso ser uruguaio ou residente legal no país e preencher um formulário nos Correios.
As farmácias não guardarão dados pessoais dos usuários, que serão reconhecidos apenas por suas digitais. O banco de dados de quem é usuário será mantido sob sigilo no Ministério da Saúde.
Até agora, 3.500 usuários individuais já se registraram. O Uruguai tem 3,4 milhões de habitantes.
MACONHA ESTATAL
Outra dificuldade, já superada, foi a entrega de concessões a empresas para o cultivo da "maconha estatal" no interior do país. Antes, mais de 90% do produto consumido no Uruguai vinha do Paraguai e de outros países produtores. Com a lei, passa a existir a maconha uruguaia, cultivada pelo governo.
A última barreira foi a resistência do presidente atual. Apesar de pertencer à mesma aliança política de Mujica, a Frente Ampla, Tabaré Vázquez, que é médico oncologista, se opôs à lei.
Durante a campanha eleitoral, porém, prometeu que ela seria posta em vigor, uma vez que havia sido aprovada pelo Parlamento e que seu perfil político sempre havia sido o de um legalista.
Vázquez, porém, tomou precauções extras. A maconha vendida nas farmácias será embalada em pacotes com informações sobre os malefícios à saúde, como ocorre com os cigarros comuns, e haverá ampla campanha publicitária para desestimular o consumo.