sábado, 1 de julho de 2017

"A guerra ‘das estrelas’ brasileira", por Érica Gorga

O Globo
Na saga de George Lucas, a popular “Guerra nas estrelas”, Darth Sidious, o primeiro imperador, incorpora o mal maior do lado negro da força. Sidious é responsável pela corrupção de Anakin Skywalker, originalmente o cavaleiro Jedi do bem, que se torna Darth Vader, propagador do mal, que passa a cometer crimes em nome do imperador./
Dizem que o cinema imita a realidade. No Brasil, é a realidade que imita os filmes.
Ao deixar de oferecer denúncia contra Joesley e Wesley Batista, a Procuradoria-Geral da República não os considerou líderes da organização criminosa (Orcrim) em torno da JBS, levando a crer que seria gerida por líder externo à companhia, pertencente à classe política.
Guardadas as proporções, tal líder da Orcrim seria espécie de Darth Sidious, responsável exclusivo por todos os crimes perpetrados por meio da JBS, e os irmãos Batista meros cavaleiros Jedi corrompidos pelo lado negro da força. História persuasiva somente no universo criado por Lucas.
Identificar os líderes de organizações criminosas não é irrelevante para o futuro da Lava-Jato. Ao contrário, é o maior objetivo do sistema de delação premiada criado pela Lei 12.850/2013, que visa a revelar a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas da Orcrim, além de identificar os demais criminosos coautores e partícipes.
Tal escopo é evidenciado por uma proibição legal: o maior benefício em forma de prêmio, que consiste em deixar de oferecer a denúncia criminal, não pode ser ofertado ao colaborador que se configure líder da Orcrim. O intuito da lei é que, com as delações premiadas, seja enfim revelada a cúpula da Orcrim, a fim de desmantelá-la, com a punição mais severa dos seus líderes.
Num esquema de corrupção que envolve as esferas política e empresarial como o existente em torno da JBS ou no petrolão, a realidade impõe a existência de mais de um líder da Orcrim. Bilhões do caixa de uma sociedade anônima não podem ser destinados a beneficiários finais de esquemas criminosos sem autorização dos administradores da companhia.
A liberação dos líderes empresariais da Orcrim fez surgir quebra-cabeça de impossível solução. Normas do sistema jurídico nacional sobre o poder de decisão nas sociedades anônimas (Lei 6.404/76) foram desconsideradas.
O poder de controle acionário do grupo JBS é concentrado nas mãos dos Batista. Joesley era o presidente do conselho de administração da JBS, e Wesley persiste como seu presidente. Enquanto acionistas controladores e administradores-presidentes, ambos estão mais para Sidious do que para Jedis.
Joesley acusou o presidente Temer de liderar “a maior e mais perigosa Orcrim” do país. Querer elevar Temer à categoria de líder isolado de Orcrim só faz sentido no mundo alienígena, ou melhor, alienado, da guerra “das estrelas” em versão brasileira. Um político não pode ser o único responsável pelos crimes cometidos no microcosmo da JBS. Aliás, no âmbito estatal, devem ser considerados líderes os responsáveis comprovadamente envolvidos em corrupção em cada órgão governamental.
Uma política criminal consistente pressupõe a correta identificação dos líderes das organizações criminosas para puni-los com maior rigor, como requer a lei, sinalizando à sociedade e aos demais membros da organização que o crime não compensou, desestimulando novas lideranças. O perigo de não se denunciar líderes criminosos da esfera empresarial em razão de delações premiadas é ficar ad eternum procurando outro líder quiçá inexistente — o suposto Darth Sidious da Lava-Jato.
Joesley Batista e Wesley Batista, donos da JBS (Foto: Claudio Belli / Valor Econômico / Agência O Globo)Joesley Batista e Wesley Batista, donos da JBS (Foto: Claudio Belli / Valor Econômico / Agência O Globo)
Érica Gorga é advogada