sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

'O líder dos cucarachos', por Sílvio Navarro

 

O presidente Lula, ao lado de imagem de Che Guevara durante visita oficial a Cuba, em 2008 | Foto: Ricardo Stuckert/Agência Brasil


Lula reabre os cofres do BNDES para países de esquerda falidos e reassume o papel de comandante do Foro de São Paulo


Vinte dias depois de reassumir o poder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que vai cumprir sua primeira ameaça de campanha: os cofres do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vão financiar países falidos na América Latina, tomada pelos companheiros de esquerda — em alguns casos, ditadores.

A afirmação foi feita na Argentina, sua primeira viagem internacional no ano, escolhida a dedo para tentar socorrer a desastrosa gestão de Alberto Fernández. Ele pretende disputar a reeleição, mas o país enfrenta sua pior crise econômica desde a virada do século, com inflação de 95%, o valor da moeda em frangalhos e sem crédito internacional. Desesperado, Fernández bateu à porta de Lula no dia seguinte à vitória do petista. Lula atendeu.

“Se há interesse dos empresários e do governo, e nós temos um banco de desenvolvimento para isso, quero dizer que nós vamos criar as condições para fazer o financiamento que a gente puder fazer para ajudar o gasoduto argentino”, disse Lula.

O problema do gasoduto argentino já começa no nome: o campo fica na região de Vaca Muerta (Vaca Morta), na Patagônia, mas trata-se da continuação do gasoduto Néstor Kirchner, referência ao marido da vice-presidente, Cristina, enrolada até o pescoço com a Justiça. Néstor Kirchner era amigo de Lula e governou o país vizinho nos mesmos moldes do peronismo populista de esquerda. Morreu em 2010, e Cristina continuou seu projeto de eternidade no poder — como o PT tentou instituir há duas décadas, o chavismo venezuelano e o grupo de Evo Morales na Bolívia.

“O BNDES vai voltar a financiar as relações comerciais do Brasil. São projetos de engenharia para ajudar empresas brasileiras no exterior e para ajudar os países vizinhos, para que possam crescer e vender o resultado desse enriquecimento para países como o Brasil” (Lula, em visita à Argentina)

A ideia é que o Brasil financie US$ 820 milhões para construir dutos que vão escoar o gás da Bacia de Neuquén até o Rio Grande do Sul. A exemplo dos contratos obscuros do passado, não há nenhuma cláusula pública sobre garantias, prazos ou juros — nesse caso, sabe-se que são os menores juros do mercado.

Se o financiamento sair, será feita a substituição do gás boliviano pelo argentino. Para isso, empresas brasileiras terão de oferecer preços melhores do que concorrentes chineses. Há, ainda, sérios entraves ambientais e com os indígenas mapuche — mas, como o problema é no vizinho, Lula não demonstrou preocupação com os povos originários nem com a contaminação da água nos poços utilizados por eles.

Veias abertas da América Latina

O gasoduto argentino é a polêmica da vez, mas os problemas com os dutos do BNDES nas mãos do PT são antigos. O banco financiou 90 obras no exterior de 1998 a 2016. Foram 140 contratos com 15 países — a maioria teve início depois da chegada de Lula à Presidência, em 2003. O valor total é de US$ 11 bilhões.

Dessa lista de beneficiados, três países deram calote: Cuba, Venezuela e Moçambique. Três pagaram o que deviam em dia: Uruguai, Paraguai e Angola. E outros ainda têm dívidas em execução: Argentina, Equador, Gana, Guatemala, República Dominicana, Honduras e Costa Rica. Houve empréstimos para México e Peru, mas os dados não são públicos, porque as linhas de crédito envolvem partes privadas.

O BNDES chegou a ser apelidado de “caixa-preta” durante os governos do PT. Os contratos foram investigados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O cofre do banco também não escapou da Operação Lava Jato. De 2015 a 2019, apareceu de tudo.

Em 2016, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou uma ação de improbidade pedindo a suspensão de 25 financiamentos do BNDES, no valor de US$ 7 bilhões. As obras estavam sob a responsabilidade do cartel de empreiteiras da Lava Jato. Quando firmou acordo de delação com a Justiça, o ex-ministro Antônio Palocci revelou que essas empresas pagaram R$ 480 milhões em propina para o PT. O cheque no maior valor — R$ 360 milhões — foi da Odebrecht, segundo revelou a revista Veja na época. Anos depois, tudo o que Palocci detalhou foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte entendeu que o então juiz Sergio Moro foi imparcial no caso.

Apesar da forte blindagem de partidos e parlamentares atingidos pela Lava Jato, a CPI produziu alguns resultados. No relatório final, com base na denúncia do Ministério Público, consta uma relação de viagens de Lula a países latinos e a contratação de obras com dinheiro do BNDES. Foram 107 viagens, metade de todas as que fez em seus mandatos — para a África, voou 34 vezes.

“Já pagamos um preço muito alto. Se vamos fazer empréstimos, que seja feito de outra forma” (Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente do BNDES, em entrevista ao jornal Valor)

O parecer da CPI diz que, depois das visitas de Lula, governos da América Latina e da África “passaram a oferecer oportunidades em série para grandes obras de engenharia a empreiteiras brasileiras — obras essas que viriam a ser financiadas pelo BNDES”.

Outra denúncia, oferecida pelo Ministério Público Federal, em outubro de 2016, a partir dos indícios colhidos na Operação Janus, mostra que a atuação de Lula nesses países — alegadamente para dar palestras — era, na verdade, “no intuito de beneficiar a construtora Odebrecht”.

Um episódio deixa claras as digitais do petista. Depois de uma reunião do Config, sigla para Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações, que integra a Câmara de Comércio Exterior, a área política do governo brasileiro insistiu na aprovação de dois financiamentos à República Dominicana. Os pedidos contrariavam as negativas dos pareceres técnicos. “Havia naquele período a orientação para priorizar os pleitos dos países latino-americanos nos programas oficiais de incentivo às exportações de bens e serviços de engenharia, mesmo que questões técnicas indicassem o contrário”, diz o relatório da CPI.

Eram empréstimos com condições extremamente favoráveis aos países estrangeiros e às empreiteiras: os contratantes não precisavam dar garantia de pagamento, havia um fundo garantidor brasileiro (FGE) e os juros eram os mais baixos do mercado, de 3% a 4% ao ano.

A CPI pediu o indiciamento de dezenas de autoridades, incluindo Lula, Dilma Rousseff, os ex-ministros Guido Mantega e Palocci, a cúpula do BNDES e donos das construtoras. Os pedidos de indiciamento não foram aprovados na Câmara. A CPI não deu em nada.

Presidente Dilma Rousseff e o presidente de Cuba, Raúl Castro, durante inauguração do Porto de Mariel em 28 de janeiro de 2014, Cuba | Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência da República

Charutos e calote

Roteiro romântico de dez em dez militantes de esquerda, Cuba deu um calote de mais de R$ 1 bilhão no BNDES. Dos US$ 656 milhões emprestados, a ditadura dos irmãos Castro não pagou nem 5% das dívidas vencidas. Restam mais US$ 406 milhões a vencer.

A grande obra em Cuba é o Porto de Mariel, a 60 quilômetros de Havana. A imagem da inauguração, com Dilma Rousseff e Raúl Castro, lado a lado, é lembrada até hoje como cartão de visitas da Odebrecht. Os juros cobrados eram de 4% a 7% ao ano. Um detalhe nessa papelada permaneceu uma década escondido: Lula permitiu que a garantia fosse lastreada em charutos. “Garantias: fluxos internos de recebíveis gerados pela indústria de tabaco”, diz o documento da Câmara de Comércio Exterior. Quando o assunto foi revelado, no ano passado, Lula disse que isso era “bobagem”.

“A lógica desses empréstimos é torta: o Brasil empresta dinheiro e, se o país não paga, tudo bem, o Brasil paga. Não tem lógica.  Essa condição usada nesses financiamentos internacionais é de pai para filho” (Gustavo Segré, analista internacional)

O calote não foi diferente com a ditadura de Nicolás Maduro. A Venezuela tem a segunda maior dívida: do total de US$ 1,5 bilhão emprestado, US$ 682 milhões não foram quitados, e US$ 122 milhões ainda vão vencer. Foram quatro financiamentos para a ampliação do metrô de Caracas, todos via Odebrecht, embora capitais pelo país, como Belo Horizonte, não conseguiram linhas de crédito similares. Também houve captação para a construção da Usina Siderúrgica Nacional no Estado de Bolívar, quando Hugo Chávez ainda comandava o país.

Moçambique tem uma dívida vencida de US$ 122 milhões e US$ 45 milhões a vencer. O dinheiro foi destinado ao Aeroporto Internacional de Nacala e para uma barragem — a primeira obra é da Odebrecht, e a segunda, da Andrade Gutierrez.

Diante do histórico de pagamentos suspeitos, indícios de que o caixa do banco brasileiro foi usado para desviar dinheiro para o PT e seus aliados latinos, uma pergunta sempre pode piorar a situação: esse montante saiu do bolso de quem, afinal? A resposta oficial é: do Fundo Garantidor de Exportações, o que corresponde ao Tesouro Nacional. Traduzindo: foi bancada pelos pagadores de impostos brasileiros.

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Revista Oeste