sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

'Quem é Saul Alinsky, mentor de Barack Obama', Ana Paula Henkel esclarece

 

Saul Alinsky | Foto: Wikimedia Commons


Para conhecer muito do cenário político no mundo, é preciso entender como suas lições conduzem boa parte da esquerda e pautam a mídia


Há um ano, morria Olavo de Carvalho. A esquerda brasileira festejou. Até aí, nenhuma surpresa. A turma da tolerância e do amor sempre festeja a morte de seus oponentes políticos ou ideológicos. Mas Olavo não era apenas um oponente ideológico, isso colocaria o professor em uma camada muito superficial no campo das ideias. Olavo estava bem acima das etiquetas, caixinhas ideológicas ou frases de efeito político. Esse Olavo provocador, desbocado e que irritava os militontos era o Olavo das redes sociais que muitos teimavam em retratar como o único Olavo. No entanto, o Professor Olavo só era conhecido por aqueles que viveram — vejam que eu não disse “leram”, mas viveram — sua obra. Seja através de seus livros, artigos, palestras, cursos de filosofia e riquíssimos vídeos espalhados pela internet, a obra de Olavo de Carvalho não é para ser lida ou assistida, mas vivida. E o poder dessa obra sempre foi a razão pela qual muitos tentaram destruir sua reputação. Olavo não era apenas um caçador de hipócritas, mas um revelador de verdades.

Olavo de Carvalho | Foto: Reprodução redes sociais/Josias Teófilo

Há exato um ano, eu publicava aqui em Oeste minha homenagem àquele que me tirou da zona de conforto, que me fez pensar e me deu mais perguntas do que respostas em muitas ocasiões. Olavo me apresentou um mundo — e seus personagens e seus disfarces — através de páginas da história que eu jamais poderia pensar em entrar sozinha. Mas, como eu mencionei naquele artigo, eu não estou aqui para convencer as pessoas a gostarem de Olavo de Carvalho e, por isso, em 28 de janeiro de 2022, escrevi: O mergulho em sua obra, e não no personagem politicamente incorreto das redes sociais, é um mergulho que faz parte de uma decisão pessoal. O que eu posso dizer é que quem leu uma obra do escritor entende que ele foi um homem à frente do nosso tempo. Muito além do barulho vazio das discussões supérfluas das tóxicas plataformas sociais. Mas, como disse, não estou aqui para te convencer nem sequer a ler um artigo ou um livro do professor. Essa é uma viagem individual com passagem só de ida. É uma decisão extremamente particular exatamente por ser uma viagem sem volta.

“O primeiro e verdadeiro radical conhecido pelo homem, que se rebelou contra a ordem estabelecida e fez isso com sucesso o bastante para ter seu próprio reino, foi Lúcifer” (Saul Alinsky)

No texto de um ano atrás, conto em detalhes como fui fisgada — sem volta — pela sabedoria e pelas perspectivas do professor sobre a vida como um todo. Em uma passagem pela sua obra, fui “obrigada” por Olavo, e confesso que de uma maneira bem incômoda, a encarar a mentira fofa que é Barack Obama. Lembro-me muito bem do meu choque com a realidade e pensei: “Como assim? Obama pode ser do partido democrata, mas é moderado, um social-democrata…”. Ledo engano. Lendo um texto em que ele desnudava o queridinho do mundo moderno, não foi fácil conceber em sua totalidade a farsa que Barack Obama foi e é. No entanto, tudo, absolutamente tudo começou a fazer sentido (Olavo nunca te dá todas as peças do quebra-cabeça de uma só vez!) depois que fui apresentada ao mentor de Barack Obama: Saul Alinsky. Mas quem é o homem por trás do homem mais querido e hipócrita da atual América? Para entender muito do cenário político nos Estados Unidos — e também no mundo —, é preciso entender quem foi Saul Alinsky e como suas lições e legado ainda conduzem boa parte da atual esquerda norte-americana, pauta a mídia e cria tentáculos tão perigosos que alcançam nossas crianças.

Para conhecer o mentor não apenas de Barack Obama, mas também de Hillary Clinton, é preciso voltar um pouco no tempo. Em 1892, a Universidade de Chicago havia lançado seu programa de Sociologia, e que tinha como foco o estudo das comunidades mais pobres de Chicago, onde abundavam organizações criminosas. Sua doutrina baseava-se na afirmação de que “a verdade e o significado eram conceitos construídos”, que podiam ser coletados, compreendidos e manipulados pelos sociólogos para “reconstruir a ordem social” com base no controle das forças sociais por meio de agentes de mudança.

O ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama | Foto: Pete Souza/White House

Influenciado por isso, em 1926, um jovem de família judia, Saul David Alinsky, ingressou na faculdade de sociologia da Universidade de Chicago. O jovem Alinsky dedicou-se a pesquisar os fatores sociais que levavam ao alcoolismo, à prostituição, à pobreza e à delinquência, campo conhecido como “patologia social”. Em uma época conturbada nos EUA — durante o famoso período da Lei Seca e das gangues, como a de Al Capone, tão visitado e imortalizado em dezenas de filmes de séries de TV —, Alinsky viu o crime como uma das raízes da patologia social estudada na Universidade de Chicago. Em 1972, em uma entrevista a uma importante revista, declarou que sua tese de doutorado tinha como objeto a quadrilha de Al Capone: “(…) Atualmente, através de diversos contatos políticos, encontro-me em condição de observar os problemas do crime como o tráfico de bebidas, apostas, prostituição etc.; bem como a corrupção implementada e aceita pela cidade para permitir a operação desses crimes”.

Nessa entrevista, o próprio Alinsky declararia que, para desenvolver sua “pesquisa”, ele convenceu integrantes da máfia de Al Capone de que poderia ser uma espécie de “intérprete” dos métodos da gangue para o mundo exterior, sendo apresentado a ninguém menos do que Frank Nitti, então o número dois da organização criminosa e conhecido como “O Executor”, por usar métodos bárbaros de tortura e morte contra seus inimigos. Na mesma entrevista, Alinsky disse: “Nitti me pôs sob sua proteção. Eu o chamava de professor e me tornei seu aluno. Os rapazes de Nitti me levavam para todos os lugares”. Tutti buona gente.

Os “rapazes de Nitti” eram os mais sanguinários executores de Chicago da época, e até as forças policiais tinham medo de qualquer confronto com a “famiglia” de Al Capone. Pois era exatamente com eles que andava Saul Alinsky. E foi com eles, e especialmente com seu “professor” Frank Nitti, o braço direito de Al Capone, que Alinsky desenvolveu as ideias de sua “revolução social” que seriam condensadas e apresentadas em um livro intitulado Regras Para Radicais: Uma Cartilha Pragmática Para Radicais Realistas. Nas primeiras páginas, o autor dedica sua obra a Lúcifer: “O primeiro e verdadeiro radical conhecido pelo homem, que se rebelou contra a ordem estabelecida e fez isso com sucesso o bastante para ter seu próprio reino, foi Lúcifer.”

Saul Alinsky | Foto: Reprodução

O documentário “A Wolf in Sheep’s Clothing”, sobre a vida de Alinsky, mostra até que ponto seus tentáculos se espalharam no funcionamento filosófico dos Estados Unidos, infiltrando-se também na Igreja Católica e semeando as sementes da polarização política que vemos tão difundidas agora. O produtor do documentário, Richard Payne, que estudou a vida de Alinsky profundamente, afirma que o mentor de Obama foi realmente central para as profundas convulsões dentro da Igreja: “Toda a sua visão da realidade quebra os princípios fundamentais do ensinamento moral católico, de que o fim não justifica os meios. A Igreja em Chicago comprou e apoiou seu trabalho, e isso teve um impacto profundo na década de 1960 nos projetos de cuidado com os pobres. Ele desenvolveu afiliados e organizadores comunitários em todo o país, teve grande influência nas organizações, e muitos movimentos modernos são financiados por indivíduos treinados em Alinsky, pessoas que alimentam as chamas da violência para a obtenção do controle social”.

Outro ponto bastante interessante nesse documentário é que ele mostra de maneira muito clara a mudança de tática da extrema esquerda. Em 1919, Lenin desenvolveu o instituto marxista, que se afastou das formas brutais do marxismo dos soviéticos para um movimento mais “clandestino”, menos “óbvio”, porém devastadoramente eficaz. E a Escola de Frankfurt, outra rica fonte de Saul Alinsky, desempenhou um papel essencial nessa revolução, trazendo elementos como a rebeldia e a liberdade sexual, baseadas no pansexualismo de Freud, que no fim dos anos 1930 e 1940 foram fundidas com movimentos que mais tarde criariam exatamente a revolução de gênero. Tudo isso influenciou profundamente Alinsky, que por sua vez desenvolveu mecanismos modernos que moldam os movimentos sociais e as ideologias de hoje.

Embora a Escola de Frankfurt fosse neomarxista, muitos de seus adeptos estavam menos interessados em economia e redistribuição de riqueza do que em refazer e transformar a sociedade por meio de mudanças culturais e de atitude. Eles incorporaram a teoria de classe marxista à sociologia e à psicologia, ao mesmo tempo em que assimilaram as teorias de Freud sobre a sexualidade. Assim, a teoria de Marx da dialética do conflito perpétuo foi unida às ideias neuróticas de Freud, criando uma espécie de movimento “freudiano-marxista”. O objetivo declarado era uma transformação total da sociedade, quebrando as normas e as instituições tradicionais, como as relações monogâmicas e a família tradicional. Isso deveria ser conseguido promovendo e legitimando a permissividade sexual desequilibrada sem restrições culturais ou religiosas.

Seria praticamente impossível falar de Saul Alinsky, da Escola de Frankfurt e de sua péssima, porém profunda influência na atual sociedade em um artigo apenas. Por isso, neste primeiro aniversário de morte do Professor Olavo de Carvalho, recomendo vivamente seus vídeos sobre o tema, para entendermos o que está acontecendo com o Brasil e o mundo, e que vai muito, mas muito além da política, para que possamos encontrar as armas corretas nessa guerra.

Olavo conseguiu nos tirar da inércia política em um país que era ignorante, sem cultura e sem o verdadeiro aprofundamento no que — de fato — molda sociedades. O professor conseguiu nos tirar da inércia política em um país que era ignorante e sem cultura. Despertar esse caminho nas pessoas é um dom que poucos têm. Por isso, ele era rejeitado e difamado por seus detratores. Uma vez aberta a porta para as obras do escritor, essa porta daria entrada para um vasto mundo de independência intelectual. Olavo não era um professor, Olavo era um mestre. Continuaremos, professor. Sabe quando vamos parar? Nunca. Seu legado vive!

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Revista Oeste