Para o antropólogo Flávio Gordon e o analista político Flavio Morgenstern, o jornalismo tradicional está a serviço dos partidos de esquerda
Recentemente, a TV Jovem Pan News entrou na mira dos militantes esquerdistas disfarçados de jornalistas. A Folha de S.Paulo e a revista Piauí, por exemplo, dedicaram parte importante de sua cobertura à tradicional emissora paulista. Não para reconhecer sua crescente audiência, mas para silenciá-la.
Por isso, a reportagem de capa da Edição 131 da Revista Oeste mostra em detalhes os motivos que fizeram esses veículos de imprensa adotar práticas comuns a ditadores de terceiro mundo. As verbas publicitárias, pomposas em governos anteriores, deixaram de irrigar as emissoras de televisão, os jornais e as revistas do país. Mas ainda há outras razões, segundo o antropólogo Flávio Gordon e o analista político Flavio Morgenstern.
Em entrevista a Oeste, Gordon e Morgenstern explicam como a ideologia esquerdista permeia o jornalismo e como a profissão está sendo instrumentalizada para fins políticos.
A seguir, os principais trechos das entrevistas.
— Gordon, como o senhor avalia o fato de jornalistas do Grupo Folha comemorarem a censura do YouTube ao canal da Jovem Pan?
Confesso que não esperava outra coisa de um veículo que, há muito, trocou o jornalismo por uma descarada militância de esquerda. Quando a redação se torna uma bolha de pensamento único, na qual o radicalismo ideológico de uns retroalimenta o dos colegas, o senso de cumprimento de uma missão política em vista de um mundo melhor sobrepuja qualquer preocupação com a prática jornalística tradicional, que, nessas condições, passa a ser vista até mesmo como reacionária. A situação brasileira sob a hegemonia cultural da esquerda chega, por vezes, a lembrar os piores momentos da tragédia cultural soviética, como descrita, entre outros, por Alain Besançon no livro A Infelicidade do Século: “Todo um corpo especializado no falso produz falsos jornalistas, falsos historiadores, uma falsa literatura, uma falsa arte que finge refletir fotograficamente uma realidade fictícia”. E falsos jornalistas é tudo o que há, hoje, nesse ex-jornal de que vamos tratando.
— Quais seriam as razões para esse tipo de perseguição?
Para mim, são principalmente duas: uma de ordem político-ideológica; outra, de ordem oportunista, mercadológica. Quanto ao primeiro aspecto, noto que a esquerda brasileira sempre foi bastante autoritária e antidemocrática. Sua aura de baluarte da democracia advém da mitologia heroica e autolisonjeira construída durante o período de oposição ao regime militar, momento em que, tendo a direita civil sido aniquilada pelo regime, a esquerda – que, ao menos no aspecto cultural, foi extremamente favorecida pelos governos militares – restou única e hegemônica no mercado das ideias e opiniões. Acostumada durante décadas a essa hegemonia, quando podia falar sozinha e travar debates e divergências exclusivamente internos ao campo, a esquerda ficou verdadeiramente escandalizada (e absolutamente indignada) com o surgimento recente de um movimento conservador no país. Daí que um veículo como a Jovem Pan, que abre espaço para a manifestação de ideias e opiniões de direita, afigure-se como intolerável para a província de extrema-esquerda que é a redação do jornal paulistano. Quanto ao segundo aspecto, a Folha, com sua queda vertiginosa no número de assinaturas, sente-se obviamente ameaçada pelo sucesso de público da Jovem Pan, que, pioneira no manejo das novas mídias surgidas com a internet, tem muito mais alcance e engajamento do que o moribundo ex-jornal. Valendo-se da presente aliança antibolsonarista com representantes do poder Judiciário, a Folha faz como aquele menino fracote e covarde que, para resolver a briga com o coleguinha, chama o irmão mais velho. A tabelinha vem funcionando, e os alvos apontados pela patota radical da redação têm, não raro, virado alvo dos inquéritos ilegais e das arbitrariedades perpetradas pelo STF, TSE etc.
— Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) mostra que mais de 80% dos jornalistas são de esquerda. Quais são os motivos para essa prevalência dos “progressistas” na atividade jornalística?
Isso vem de longa data, desde o momento de consolidação do jornalismo profissional no Brasil, ali por volta dos anos 1950, quando os profissionais ligados ao PCB estiveram à frente desse processo, ocupando a maior parte das posições nas recém fundadas empresas de comunicação. De acordo com um trabalho publicado em 2007 por dois pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), intitulado “Preparados, leais e disciplinados: os jornalistas comunistas e a adaptação do modelo de jornalismo americano no Brasil”, houve entre as décadas de 1950 e 1970 algo como um “casamento de conveniência” entre jornalistas ligados ao PCB e os donos dos grandes jornais. Os comunistas desempenharam papel importante na modernização do jornalismo brasileiro, que na década de 1950 começou a trocar um modelo de inspiração francesa, ensaístico e diletante, pelo modelo americano do chamado “jornalismo independente”, mais objetivo e profissional. Por um lado, interessava aos empresários das comunicações a disciplina, o profissionalismo e a experiência jornalística adquiridas pelos comunistas em sua atuação partidária. Por outro, os jornalistas do PCB per- seguiam seus próprios objetivos, desejando ocupar as redações para, de maneira tão discreta quanto possível (já segundo um modelo gramsciano de “longa marcha sobre as instituições”), influenciar a opinião pública em favor de seu projeto político-ideológico. “É geralmente aceito que os jornalistas tendem a ser mais esquerdistas que os jornais para os quais eles trabalham”, escrevem Afonso de Albuquerque e Marco Antonio Roxo da Silva, autores do referido estudo, “mas o nosso caso fornece a evidência de algo além disso: a forte presença, nas salas de redação, de uma organização política. Isto sugere que o PCB pôs em prática uma estratégia bem-sucedida de infiltração nos jornais”. Essa organização comandava o recrutamento dos profissionais, determinando também o sistema de promoções, o sucesso ou fracasso na carreira. É óbvio que, nas últimas décadas, o PCB e o comunismo ortodoxo se fragmentaram e passaram por várias metamorfoses, mas a cultura política “progressista” permaneceu hegemônica nas redações e nos estúdios, cujo pessoal continuou sendo recrutado, em grande parte, segundo uma lógica de afinidades político-ideológicas.
— Como o senhor avalia o jornalismo tradicional?
Não cheguei a ver os dados mais recentes, mas lembro que, em 2018, o Ibope Inteligência divulgou uma pesquisa que media o Índice de Confiança Social (ICS) do brasileiro nas instituições do país. Digna de nota era a queda vertiginosa de credibilidade da imprensa, que despencara nada menos que 20 pontos na série histórica, passando de 71 a 51. Quando se fala, portanto, numa “crise de representatividade” em vigor no país, usualmente em referência ao mundo político, seria honesto incluir aí os próprios meios de comunicação. Durante um debate como uma representante desse velho jornalismo, o comentarista da Jovem Pan, Paulo Figueiredo Filho, cunhou uma frase lapidar que acabou viralizando: “O jornalismo profissional morreu”. Eu, mesmo ausente no velório, tendo a concordar com ele. E a morte deu-se por duas razões: primeiro, pela preguiça e a lentidão (provável herança do comodismo dos áureos tempos de hegemonia) de se adaptar às novas formas de comunicação surgidas com a internet. Até hoje, por exemplo, vemos alguns desses fósseis profissionais manifestando total ignorância e espanto quanto ao funcionamento do algoritmo do YouTube. Segundo: pela desonestidade oriunda da pulsão de militar e desinformar em nome da causa. Se, antes, pela falta de termo de comparação, o grande público talvez não percebesse os truques sujos e as manipulações perpetrados diariamente pela imprensa autoproclamada “profissional”, hoje ele percebe. E não apenas percebe como interpela o manipulador diretamente nas redes sociais. Outrora monopolistas no poder quase demiúrgico de construir e destruir reputações a partir de simples escolhas editoriais, os jornalistas sentem-se “atacados” por esse contato direto com o leitor, não raro confundindo, com suscetibilidade histriônica, críticas à sua atuação individual com um atentado generalizado à liberdade de imprensa. Com efeito, no lugar de uma salutar autocrítica, a reação padrão dos militantes de redação tem sido o refúgio num corporativismo elitista, auto-bajulatório e quase psicótico, que os alheia ainda não apenas do público como da própria realidade. Que, por exemplo, a professora universitária de jornalismo Sylvia Moretzsohn descreva a profissão como a arte de “pensar contra os fatos” e “promover um novo senso comum” é revelador desse estado de coisas.
Morgenstern, como o senhor avalia o fato de jornalistas do Grupo Folha comemorarem a censura do YouTube ao canal da Jovem Pan?
O jornalismo hoje quer ser fonte do Direito. Não se vigia mais os políticos, mas age-se com os políticos para vigiar a sociedade. O objetivo da Folha vai além de uma tentativa do monopólio de narrativas: quer-se criar uma versão “oficial” dos fatos — e isto só pode ocorrer censurando-se desabridamente quem não siga a cartilha. Não se trata apenas de concorrência: a Folha busca ser a “versão oficial” da narrativa que estará nos tribunais, ainda que sua credibilidade tenha descido aos ínferos. O jornalista hoje quer demonizar seus concorrentes ideológicos para que então sejam perseguidos pelo estamento judicial. É a chamada lawfare. As críticas da Folha querem ter peso de lei, e seus jornalistas agem como esbirros a apontarem quem deve ser constrangido pela lei.
— Quais seriam as razões para esse tipo de perseguição?
O que acontece no jornalismo brasileiro vai além da guerra de narrativas, já estudada pelo Pentágono desde pelo menos a década de 80: as relações do jornalismo com o poder do Estado, principalmente o repressivo, são amplamente estudadas. Se a internet, num primeiro momento, deu voz às visões “não-oficiais”, em pouco tempo esta horizontalização passou a ser acossada. Hoje só se fala em censurar a internet, ainda que com eufemismos como “denunciar fake news” ou manipular algoritmos. A ascensão das ditas agências de suposto “fact-checking”, auto-proclamadas arautas da Verdade, é um passo que funde de vez a narrativa ideológica do jornalismo com o poder coercitivo de um Estado policial.
— Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) mostra que mais de 80% dos jornalistas são de esquerda. Quais são os motivos para essa prevalência dos “progressistas” na atividade jornalística?
O jornalismo é a principal atividade do movimento de esquerda desde antes de Karl Marx — cujo jornal, Neue Rheinische Zeitung, tinha um subtítulo bem parecido com o da Folha: Organ der Demokratie (“órgão da democracia”). O jornalismo panfletário foi o que agitou as massas para a revolução. No entanto, principalmente a chamada “esquerda Ballantine” dos jantares chiques sempre teve certo nojinho das atividades do submundo. Esses “radical chics” preferiram ter voz nos órgãos oficiais. A esquerda hoje não é nem 1% Che Guevara, mas é quase sempre jornalista. Notemos que “jornalismo”, aqui, não significa investigação, conhecimento de lei, informação para o público. Trata-se apenas de uma narrativa a ser imposta e repetida por um órgão oficial. É fácil notar por que os jovens entram para o jornalismo sem buscarem aprender a fazer uma mísera apuração, mas todos querem ter sua opinião estampada sob um nome de autoridade.
— Como o senhor avalia o jornalismo tradicional?
O jornalismo tradicional hoje vive quase exclusivamente de glórias passadas. Trata-se mais de destruir reputações em público — quase como o “walk of shame” de Game of Thrones — do que de se averiguar fatos, investigar ligações longe do escrutínio público, criar um bom texto. Nos 4 anos de gestão Trump, por exemplo, o ex-presidente foi tratado como o pior dos seres humanos em 90% do tempo no jornalismo. Tudo o que se “averiguou” contra ele, entretanto, foi uma suposta “interferência russa”, que se mostrou mentirosa. Nunca usaram o termo “fake news” para a historieta do complô russo, nunca soltaram um “erramos” na página 83. A mídia tradicional como fonte do Direito para perseguir políticos também é autoritária por dar a sentença e mudar a sociedade.
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