sexta-feira, 7 de agosto de 2020

"A esquerda quer a volta do terrorismo no Reino Unido", por Brendan O'Neill, da Spiked

O identitarismo cegou as pessoas a questões morais e filosóficas e as tornou capazes apenas de repetir o mesmo texto para grupos oprimidos, “vítimas das hierarquias”


A terrorista Shamima Begum está voltando ao Reino Unido. Ou melhor, o Tribunal de Apelação decidiu que ela tem o direito de voltar.

Em uma decisão explosiva que deixou ultrajado o governo e emocionou os estranhos simpatizantes de classe média de Shamima em igual medida, o tribunal decidiu que a mais notória “aliciada do Estado Islâmico” da Grã-Bretanha tem o direito de retornar ao país para montar uma batalha jurídica contra o governo por tirar sua cidadania britânica. “Equidade e justiça devem, nos fatos deste caso, superar as preocupações com a segurança nacional”, disse o lorde inglês Justice Flaux. E, assim, a mulher que fugiu para se juntar a um culto de morte neofascista e assassino, que cometeu atos de barbárie no próprio Reino Unido, em algum momento voltará para buscar justiça do governo do próprio Reino Unido.

Compreensivelmente, a decisão do Tribunal de Apelação irritou muitas pessoas. E não, não porque sejam islamofóbicas, como muitos dos formadores de opinião nos fazem acreditar, mas porque levam a sério o crime que Shamima Begum cometeu quando deixou Londres com dois amigos em 2015 para se juntar aos inimigos jurados do Ocidente: o califado supremacista, racista e misógino do Estado Islâmico. Aquele crime era traição. Shamima é uma traidora do Reino Unido. E, se ela voltar, deve ser julgada por isso — um dos piores crimes que um indivíduo pode cometer contra sua nação e seus concidadãos.

É claro que haverá longos debates públicos e jurídicos sobre os direitos e os erros do Tribunal de Apelação, que substituiu uma decisão tomada por um governo eleito democraticamente — foi o então secretário do Interior Sajid Javid quem decidiu, em fevereiro de 2019, depois que Shamima foi encontrada em um campo de refugiados curdos no norte da Síria, que sua cidadania britânica seria anulada. E, é claro, haverá muita discussão sobre se é certo cancelar a cidadania de uma pessoa. Alguns de nós acreditamos que Shamima cancelou sua própria cidadania — rasgou-a de fato — quando se juntou aos inimigos do Reino Unido que decapitaram cidadãos britânicos na Síria, mataram crianças britânicas em Manchester e amigos nossos na França, na Espanha, na Alemanha e em outros lugares. Mas essa discussão continuará.

O caso expôs a que ponto chegou a podridão moral da esquerda


Por enquanto, porém, devemos dizer que, se Shamima voltar, ela precisará ser tratada como traidora. Toda a conversa agora é sobre Shamima obter justiça. “Shamima nunca teve uma oportunidade justa”, diz hoje seu advogado. Talvez agora ela consiga “justiça”, disse o pai. Mas a ação de Shamima contra o governo é, ou melhor, deveria ser, apenas uma pequena parte do próximo estágio nessa história. Muito mais importante é o julgamento de Shamima Begum pelo apoio moral, político e físico que ela parece ter dado a um inimigo implacável do Reino Unido e por seu projeto demente de instalar um califado atrasado e de assassinatos em massa em parte da Síria.

Entre os comentaristas e em algumas seções do establishment político, há um dó inquietante e moralmente distorcido por Shamima desde que um jornalista a encontrou num campo de refugiados. Ela foi citada como vítima de “aliciamento”. Supostamente, sofreu uma lavagem cerebral on-line aos 15 anos de idade por líderes do radicalismo islâmico. Shamima era uma “vítima aliciada”, informou uma manchete do Daily Mirror.

O mais impressionante sobre esse roteiro é que grande parte dele foi promovida por pessoas que durante muito tempo não mostraram um mínimo de preocupação acerca da verdadeira preparação de meninas da classe trabalhadora branca por gangues paquistanesas no norte da Inglaterra. Embora a parlamentar trabalhista Diane Abbott tenha revelado até que ponto a podridão moral da esquerda chegou ao comparar Shamima às vítimas de aliciamento em Rotherham — caso em que um chefe de polícia da cidade foi obrigado a renunciar após um escândalo sexual envolvendo 1,4 mil crianças. Shamima fugiu para se juntar a um culto islâmico fanático que estava decapitando cristãos e crucificando homossexuais, enquanto as meninas de Rotherham não fizeram nada de errado, o que não pareceu importar para Abbott ou qualquer um dos outros determinados a descrevê-la como vítima.

Apenas “uma adolescente normal que pisou na bola”?

x

Em outros fóruns de discussão, comentaristas insistiram que Shamima deveria receber um julgamento justo — tudo bem, mas esses eram frequentemente os mesmos que riram diante de conceitos como presunção de inocência e processo adequado quando se tratava de celebridades masculinas acusadas de agressão sexual durante o pânico moral do #MeToo.

A colunista do The Times Caitlin Moran descreveu Shamima como uma adolescente bastante normal que havia “pisado enormemente na bola”. Alguém deveria dizer a Moran que os adolescentes normalmente pisam na bola com drogas ou brigando, não viajando 5 mil quilômetros para se juntar a terroristas que atravessam o deserto em caminhões carregados com cabeças de “infiéis”. A comentarista de esquerda Ash Sarkar chegou a dizer que sentia vontade de chorar por Shamima — não se sabe se ela se sentiu tocada pela situação das mulheres iazidis massacradas ou escravizadas pelo movimento de Shamima.

A bizarra simpatia por Shamima na classe média britânica confirmou exatamente o impacto da política de identidade na bússola moral de muitas pessoas. Elas teriam escrito colunas lacrimejantes se um jovem homem branco britânico tivesse fugido para se juntar a um movimento neofascista que massacrava milhares e milhares de pessoas de raças e grupos “malvados”? Claro que não. Mas, como Shamima é muçulmana — e, portanto, oprimida —, ela deve ser defendida, ser digna de pena e choro. O identitarismo cegou as pessoas a questões morais e filosóficas mais profundas e as deixou capazes apenas de repetir o mesmo texto para grupos oprimidos, “vítimas das hierarquias”, e assim por diante.

A simpatia por Shamima também minimizou a gravidade do que ela fez. O crime dela não era “normal”. Ela cometeu traição e não devemos ter medo de dizer isso. Não é roubo, assalto nem mesmo assassinato — é de uma ordem maior. A maioria dos crimes é contra o indivíduo; o dela foi contra a nação. Se Shamima está voltando, vamos começar já a recolher as provas contra ela.

Foi relatado que ela era parte da polícia moral do Estado Islâmico e que ajudou homens-bomba suicidas. Vamos investigar. Vamos entrevistar mulheres iazidis, combatentes curdos, residentes de Raqqa e apresentar um caso do povo britânico contra Shamima Begum. Precisamos deixar claro que levamos a traição muito a sério e não toleraremos a repressão grotesca e o assassinato de povos no exterior, do tipo horrível levado a efeito pelo movimento pelo qual Shamima fugiu para se juntar.


Brendan O’Neill é editor da Spiked e apresentador do podcast The Brendan O’Neill Show. No Instagram: @burntoakboy


Revista Oeste