domingo, 29 de setembro de 2019

"O teto dos gastos e o ajuste fiscal. Somos uma sociedade em que o setor público arrecada menos do que gasta", por Samuel Pessôa

A ciência política não tem um bom diagnóstico, mas é fato que o sistema político brasileiro apresenta hipersensibilidade à lógica da ação coletiva. Isto é, grupos organizados conseguem com facilidade pressionar o Congresso a aprovar medidas que os beneficiam em detrimento do bem comum.
Adicionalmente, é natural em sociedades democráticas e muito desiguais que o eleitor escolha elevada carga tributária e muitas transferências. Fato que chamei no longínquo 2006 de contrato social da redemocratização: a prioridade da sociedade é equidade e não crescimento econômico.
A associação de hipersensibilidade de nosso sistema político à lógica da ação coletiva com o contrato social da redemocratização produziu trajetória crescente da carga tributária e do gasto primário.
Para que a inflação não saísse do controle, o Banco Central foi obrigado a praticar juros reais elevados.
 
Desde 2015 estamos tentando reconstruir a estabilidade fiscal. Um item importante foi a aprovação da emenda constitucional 95 que estabeleceu um teto ao crescimento do gasto primário da União.
O teto do gasto público representa muleta que os políticos instituíram para facilitar a gestão do conflito distributivo, antes que este, mal gerido, nos jogue no abismo inflacionário.
A muleta deflagra uma série de medidas corretivas quando o teto é ultrapassado e, quando ele não é ultrapassado, há forte compressão do gasto discricionário. A compressão do gasto discricionário produz problemas em todos os setores, incentivando solução política para a fonte do problema: o crescimento continuado do gasto obrigatório à taxa superior ao crescimento da economia. Ou seja, a restrição de recursos se impõe antes que a inflação apareça.
Estamos próximos de aprovar a reforma da Previdência no Senado Federal.
No entanto, o problema fiscal persiste. Continuamos a ser uma sociedade em que o setor público estruturalmente arrecada menos do que gasta.
Penso que fica claro o acerto do governo Temer em priorizar a emenda constitucional. Após a aprovação da reforma da Previdência, ainda temos outras medidas para lidar com o desajuste do gasto obrigatório.
Bom que tenhamos a emenda constitucional 95 para nos ajudar a buscar outras soluções.
Será necessário incluir os estados e municípios na nova Previdência, bem como avançarmos com medidas que deem aos governadores e prefeitos instrumentos de gestão para lidar com situação de  desequilíbrio fiscal estrutural.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP

Folha de São Paulo