A Polícia Federal coletou um extenso acervo de textos trocados pelo grupo de hackers que invadiu celulares de autoridades durante o período em que eles teriam cometido crimes, que vão de fraudes bancárias a ações contra a segurança nacional. Nas mensagens, há ironias sobre o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, informações sobre transferências de valores e demonstração de autoconfiança sobre ficar à margem da lei. “Hacker aqui não deixa rastros”, escreveu Walter Delgatti Neto, conhecido como “Vermelho”.
As mensagens trocadas pelo grupo foram recuperadas pela polícia por meio das perícias realizadas no material apreendido nas buscas feitas na primeira fase da Operação Spoofing.
Em grande parte dos diálogos, Delgatti aparece reclamando de dificuldade financeira. “Cadê o meu dinheiro?”, questiona ele ao também investigado e preso Danilo Cristiano Marques, por meio de aplicativo de mensagens, em 29 de abril de 2019. Em 14 de maio de 2019, mais uma vez, ele reclama: “E aí mano? Tô pobre ‘f…..'”.
Nas mensagens, os hackers também trocavam impressões sobre o cenário político nacional e manifestavam especial preocupação com a repercussão do caso “Vaza Jato”. Em uma sequência de mensagens entre Walter Delgatti Neto e outro membro do grupo, não identificado, em 22 de julho de 2019, por volta da 1h da manhã, o hacker se queixa de que Sergio Moro estava demorando para voltar das férias de cinco dias.
A licença não remunerada para “tratar de assuntos particulares” foi publicada no Diário Oficial da União do dia 8 de julho e noticiada pela imprensa. Ela valeria entre os dias 15 e 19 de julho, mas, no dia 22, Delgatti Neto estava preocupado com o fato de o ministro ainda não ter retornado. “Viu que Moro ia ficar quatro dias e não voltou até hoje?”.
Procurada, a defesa de Delgatti informou que aguarda a conclusão das investigações. As conversas constam em relatórios anexados ao inquérito sigiloso da segunda fase da Operação Spoofing. Segundo a PF, as mensagens, além de demonstrar que o hacker não agia sozinho, ajudam a desvendar o modus operandi do grupo.
Receio
O membro do grupo não identificado no relatório demonstra receio com a ausência do ministro: “(Moro) descobriu algo será”? Delgatti Neto, em tom de ironia, o tranquiliza: “Ele (Moro) tá com medo, isso sim. Hacker aqui não deixa rastros”, diz, completando: “Hacker de hacker. Você não entendeu ainda. Quem nasceu para ser crash-overlong nunca vai ser hacker aqui”.
Após a quebra de sigilos bancários, autorizados pela Justiça Federal, os investigadores conseguiram rastrear catorze transferências bancárias de Delgatti Neto para o programador Thiago Eliezer Martins Santos, que foi preso na segunda fase da operação, no dia 19.
Nas mensagens, o grupo trata de valores que tiveram origem, segundo a PF, em fraudes bancárias. No dia 7 de maio, Delgatti Neto disse a Marques que havia pago valores a Thiago Eliezer: “Juro que paguei a parte dele, cheia ainda”. Na mesma mensagem, o hacker encaminhou três comprovantes que comprovam transferências nos valores de 12.500 reais, 4.000 reais e 4.500 reais.
Segunda fase
Na segunda fase da Operação Spoofing, também foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão em imóveis ligados ao grupo em São Paulo e em Brasília. Além de Eliezer, foi preso o estudante Luiz Molição, que estava em Sertãozinho, no interior de São Paulo.
No endereço ligado a Molição, os policiais aprenderam um bilhete escrito à mão, com os dizeres: “Tá tudo bem, blindados com as pitadas, tá junto com os presos políticos”.
A PF investiga a origem do bilhete, mas já sabe que se trata de um recado tranquilizando o membro do grupo no período em que ele ainda estava solto e Walter Delgatti Neto já estava na cadeia. Isso porque Delgatti está detido no Complexo da Papuda, em Brasília, numa ala junto com presos como Geddel Vieira Lima. Daí a expressão “presos políticos”, no bilhete.
Ao formular o pedido de busca e apreensão da segunda fase da operação, a Polícia Federal diz que Delgatti Neto não atuava sozinho nas invasões das contas de Telegram de suas vítimas. Em depoimento à PF, ele afirmou que foi responsável pelo desenvolvimento da técnica utilizada para realizar os ataques cibernéticos. Os investigadores do caso, no entanto, não acreditam mais nessa versão.
Após a análise dos arquivos armazenados nos dispositivos telemáticos apreendidos com Delgatti Neto, a Polícia Federal afirma no relatório do inquérito que Thiago Eliezer Martins atuou no desenvolvimento de técnicas voltadas à invasão de redes de computadores e comunicação e teria conhecimento dos crimes cibernéticos praticados por Delgatti Neto.
Ainda de acordo com a PF, Danilo Marques também tinha conhecimento das práticas de Delgatti no caso das clonagens do aplicativo Telegram de autoridades, além de ser parceiro em práticas de crimes envolvendo fraudes bancárias.
No relatório do inquérito obtido pela reportagem, os investigadores ainda sustentam que “Molição atuou diretamente nas invasões de dispositivos informáticos e na interceptação e divulgação de comunicações realizadas pelas vítimas através do aplicativo Telegram”.
Com Estadão Conteúdo