sexta-feira, 27 de setembro de 2019

"A Fama", por Miranda Sá

A fama dos grandes homens devia ser sempre julgada pelos meios que usaram para obtê-la” (La Rochefoucauld)
Quem disse que em Nova Iorque a televisão não traz reprises de filmes? Para relaxar, encontrei uma noite dessas “Um Lugar Chamado Notting Hill”, comédia romântica anglo-americana dirigida por Roger Michell com Julia Roberts e Hugh Grant.
Assistir mais de uma vez um bom filme tem certas vantagens para quem gosta de cinema, a gente sempre encontra algo de novo que chama a atenção.
Da minha parte, neste pensar, achei um tesouro no diálogo de recusa de Will Thacker (Hugh Grant), dono de uma modesta livraria londrina, quando Anna Scott (Julia Roberts), famosa atriz americana, lhe oferece amor. Numa determinada deixa, ela diz: “A fama não é real”.
Essa pérola encontrada dá em que pensar: Uns idiotas se rasgam para conquistar 15 minutos de fama sob os holofotes da mídia; os realmente famosos são aqueles que agem desprendidos por autossatisfação, e são reconhecidos pelos que se satisfizeram também nos seus trabalhos escritos ou interpretados.
Muitas pessoas pagam o preço do ridículo pela fama transitória. É um fato que se repete continuamente nos meios sociais e, grotescamente, entre os profissionais da política. Os novos ricos e os politiqueiros que exibem a fama nas colunas sociais nunca esperam que a sua aquisição seja avaliada pelos meios usados para isto.
No Brasil, os figurantes que perpassam nas novelas do Projac se escondem em nichos, do mesmo jeito como fazem alguns políticos querendo engavetar as denúncias das delações premiadas na Lava Jato ou nos malfeitos encontrados pelo Coaf…
Não sei se o raciocínio é correto, mas creio que tem muito na nossa herança neolatina esta ânsia por aparecer… São tantos casos que os cariocas usam a expressão “pendurar uma melancia no pescoço” referindo-se a pessoas que tatuam o corpo inteiro, multicolorem os cabelos e põem pegador de roupa no nariz…
Em Nova Iorque também transitam esses maluquetes, mas em contraponto me lembra o Rio antigo, da minha adolescência, quando a gente via atrizes e atores nos ônibus da Light, caminhando na Rua do Ouvidor, indo para o Cassino da Urca de bonde e lanchando nas confeitarias Cavé e a Colombo.
Eu queria que vocês vissem o consagrado ator, cineasta, escritor e músico, Woody Allen, andando pelas ruas do Queens…. Cruzei com ele e me deu vontade de voltar aos 12 anos para pedir-lhe um autógrafo…. Pensei cá comigo que anos atrás eu teria encontrado um dos meus ídolos, Louis Armstrong…
Para os narcisistas, a fama encanta e extasia. Dicionarizada, a palavra Fama é um substantivo de dois gêneros oriundo do latim, fama.ae , reconhecimento favorável, pelo talento, habilidade ou saber de alguém ou desfavorável (má fama).
Nietzsche diz que a fama se cria “quando o reconhecimento de muitos por um único afasta qualquer pudor”; e o sábio dos Pampas, Mario Quintana, completa:  “quem pretende apenas a gloria não a merece”.
Mesmo sendo inútil lembrar as lições daqueles que conquistaram a fama pela vocação, esforço ou sapiência, no Hemisfério Sul surgiu uma moda repugnante: jornalistas, humoristas e blogueiros invadem a privacidade das pessoas para aparecer, e a mídia escrita imprevista e decadente lhes cede espaços, e a presença de 15 minutos na TV.
Esses penduricalhos usados por maus profissionais são, infelizmente, alimentados pelas personalidades boquirrotas das novelas, da magistratura de nomeação e dos políticos picaretas.
Com isto, acreditam conquistar fama, que na realidade é uma má fama, lembrada pelo grande Miguel Unamuno: “A má chaga cura-se, a má fama mata”.