O apresentador do Jornal Hoje, Dony de Nuccio, 35, pediu demissão do Grupo Globo nesta quinta-feira (1°) após reportagem do site Notícias da TV revelar que o jornalista havia recebido mais de R$ 7 milhões, em dois anos, para produzir conteúdo para o Banco Bradesco.
"Nas últimas semanas me vi mergulhado em uma infindável onda de ataques, com a vida dentro e fora da Globo vasculhada e revirada, sigilos fiscais violados, endereços expostos, trabalhos de exclusiva veiculação interna publicados, e até emails privados hackeados", disse Nuccio, em carta enviada ao diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel.
"Quanto mais perto estamos do topo da montanha, mais forte é o vento. E é esperado que seja assim. Mas essa contínua campanha para me destruir e sangrar a qualquer custo não pode prosperar. Não faz bem nem a mim, nem à minha família e nem à emissora. Não é justo com nenhum de nós. Por esse motivo, embora com aperto no coração, solicito meu afastamento do telejornalismo", completa.
De acordo com o site Notícias da TV, Nuccio participava de eventos institucionais por meio de vídeos, road shows telepresenciais, cartilhas e palestras para a instituição financeira. O site mostrou ainda troca de e-mails entre o jornalista e o Bradesco no qual o âncora negociava valores com a instituição financeira, como um novo contrato que geraria uma receita de mais de R$ 60 milhões, em três anos, para o âncora.
A reportagem do site de notícias mostra ainda cópia de 25 notas fiscais, emitidas entre 12 de julho de 2017 e 17 de junho deste ano, pela empresa da qual Nuccio é sócio. Desse total, oito notas foram canceladas e as demais foram faturadas, somando um total de R$ 7.239.692.
As notas, segundo Notícias da TV, foram emitidas pela Prime Talk Produções e Assessoria Ltda para Banco Bradesco e, apenas uma, para Bradesco Seguros. A empresa Prime Talk foi aberta em 15 de março de 2017 por Adonay de Nuccio, nome verdadeiro do âncora do JH, e pelo economista Samy Dana, que participava de vários programas do Grupo Globo e que foi dispensado na semana passada.
"Como afirmei anteriormente, não tinha conhecimento de que os tipos de serviços prestados pela empresa à qual estava ligado contrariavam normas da Globo. Reitero que minha função não era negociar valores com clientes, mas sim trabalhar na concepção dos projetos e em seu conteúdo", disse o jornalista.
Na mesma carta, Nuccio diz ainda que entende que o "escopo dos serviços prestados ultrapassa os limites do que a Globo espera de seus jornalistas". "E lamento que, mesmo sem dolo, não tenha percebido isso antes. Não quero mais –por qualquer que seja o artigo ou vazamento na contínua tentativa de destruir minha reputação– constranger você, a Globo ou a minha família."
De acordo com a reportagem do Notícias da TV, a empresa de Nuccio ficava próxima aos Estúdios da Globo, na região da Berrini, e ao menos 30 profissionais trabalhavam nela para produção de conteúdo para o Bradesco –vários deles, segundo o site, eram funcionários da Globo.
Na carta, Nuccio afirma que pede seu desligamento da emissora com o espírito leve e com a consciência tranquila, porque "jamais ajo de má-fé". "Jamais tive o intuito de burlar regras ou obter benefício que julgasse incompatível com as funções que ocupava na emissora (isso sim, seria incompatível com a minha história pessoal). Trabalhei, duro e dobrado, para complementar a renda, fora do horário da Globo, e dentro dos limites que ao meu ver eram compatíveis e aceitáveis. Se errei, não foi com dolo, e humildemente peço desculpas."
"Entendo que é absolutamente sincero quando afirma que não agiu com dolo, e esta carta é uma prova eloquente disto. Nossa longa conversa de hoje cedo permitiu que eu entendesse as suas motivações e você entendesse as razões da Globo", disse Ali Kamel, diretor de Jornalismo da Globo.
Procurado pela reportagem, o Bradesco informou que, "por uma questão de ética e respeito profissional, o banco não comentará contratos firmados com seus fornecedores."
NOVO WILLIAM BONNER
Estrela ascendente do jornalismo da Globo, Dony de Nuccio era cotado para ser o substituto de William Bonner na apresentação do Jornal Nacional. Com a saída de Evaristo Costa da Globo em 2017, Nuccio ganhou projeção ao deixar o Jornal das Dez, da GloboNews, para apresentar o Jornal Hoje ao lado de Sandra Annenberg em rede aberta.
Em janeiro deste ano, Nuccio entrou para o rodízio de apresentadores na bancada do Jornal Nacional. O jornalista entrou na emissora em 2011 como repórter do Jornal da Globo, e passou por vários telejornais, como Bom dia São Paulo e SPTV. Além disso, o jornalista também foi comentarista de economia do Hora 1 (Globo) e apresentador do programa Conta Corrente, da GloboNews.
Sandra Annenberg apresentou o Jornal Hoje sozinha na edição desta quinta-feira (1°). Ela não proferiu nenhum comentário sobre a demissão do agora ex-colega de bancada.
TROCA DE EMAILS ENTRE DONY E ALI KAMEL
Caro Ali,
Como afirmei anteriormente, não tinha conhecimento de que os tipos de serviços prestados pela empresa à qual estava ligado contrariavam normas da Globo. Reitero que minha função não era negociar valores com clientes, mas sim trabalhar na concepção dos projetos e em seu conteúdo.
Frente à recente onda de ataques que venho sofrendo, e com indícios de criminosa invasão de computadores, arquivos e mensagens, procurei vasculhar o histórico de dois anos de emails enviados por mim enquanto cumpria função na empresa. De fato, na esmagadora maioria das vezes, eu não tratava de valores com contratantes. Mas, em algumas circunstâncias pontuais, e das quais eu sinceramente não me recordava, há sim menção a cifras e projetos. Nos poucos casos em que isso aconteceu, a proposta geralmente não prosperou e a contratação não foi efetivada. De qualquer forma, fui traído pela memória. E me penitencio por isso.
Quero acrescentar também que depois de nossa longa conversa e do relato mais pormenorizado que lhe fiz sobre as atividades já desempenhadas pela PrimeTalk, há um serviço pontual que incluiu o que pode ser interpretado como assessoria de imprensa. Entendo com os olhos de hoje que o escopo dos serviços prestados ultrapassa os limites do que a Globo espera de seus jornalistas. E lamento que, mesmo sem dolo, não tenha percebido isso antes. Não quero mais -por qualquer que seja o artigo ou vazamento na contínua tentativa de destruir minha reputação- constranger você, a Globo ou a minha família.
Frente à recente onda de ataques que venho sofrendo, e com indícios de criminosa invasão de computadores, arquivos e mensagens, procurei vasculhar o histórico de dois anos de emails enviados por mim enquanto cumpria função na empresa. De fato, na esmagadora maioria das vezes, eu não tratava de valores com contratantes. Mas, em algumas circunstâncias pontuais, e das quais eu sinceramente não me recordava, há sim menção a cifras e projetos. Nos poucos casos em que isso aconteceu, a proposta geralmente não prosperou e a contratação não foi efetivada. De qualquer forma, fui traído pela memória. E me penitencio por isso.
Quero acrescentar também que depois de nossa longa conversa e do relato mais pormenorizado que lhe fiz sobre as atividades já desempenhadas pela PrimeTalk, há um serviço pontual que incluiu o que pode ser interpretado como assessoria de imprensa. Entendo com os olhos de hoje que o escopo dos serviços prestados ultrapassa os limites do que a Globo espera de seus jornalistas. E lamento que, mesmo sem dolo, não tenha percebido isso antes. Não quero mais -por qualquer que seja o artigo ou vazamento na contínua tentativa de destruir minha reputação- constranger você, a Globo ou a minha família.
Desde muito cedo na vida sonhei em trabalhar com televisão, e procurei ao longo de toda minha trajetória me preparar para poder, algum dia, agregar muito valor aos quadros da Globo. Foi pensando nisso que procurei a formação acadêmica mais sólida possível, com jornalismo, economia, extensão internacional e mestrado em economia e finanças.
Em 2011 abri mão de uma promissora carreira no mercado financeiro, para me tornar repórter nos quadros da Globo. Parecia uma decisão difícil, mas não foi: representava o começo de uma nova caminhada, com a qual eu sonhava desde tempos remotos.
Dentro da emissora tive a possibilidade de trabalhar nos mais diversos telejornais e funções, e participar de algumas das coberturas mais marcantes da história do nosso país. Fui repórter do Jornal da Globo, do BDSP, SPTV1 e SPTV2. Fui editor de economia e comentarista do Jornal das 10 e do Hora 1. Ajudei a criar e depois apresentar programas como o Conta Corrente e GloboNews Internacional, além de ancorar o próprio J10, participando de análises políticas e econômicas com algumas das maiores referências do ramo no jornalismo brasileiro. Nos últimos dois anos, tive a imensa alegria e desafio de comandar o Jornal Hoje, dividindo bancada com a talentosa, inspiradora e hoje amiga pessoal, Sandra Annenberg. E ainda pude apresentar o Fantástico e o Jornal Nacional em diversas ocasiões.
Olho no retrovisor com alegria e satisfação por toda essa caminhada, e sou muito grato a você e à Globo pela oportunidade que me deram de bater asas, trabalhar duro e voar alto, ocupando alguns dos mais importantes postos do telejornalismo brasileiro. Fico orgulhoso e feliz com o que pudemos construir e criar juntos.
Mas, assim como é preciso persistência e suor para crescer, é preciso sabedoria para parar. Nas últimas semanas me vi mergulhado em uma infindável onda de ataques, com a vida dentro e fora da Globo vasculhada e revirada, sigilos fiscais violados, endereços expostos, trabalhos de exclusiva veiculação interna publicados, e até e-mails privados hackeados.
Quanto mais perto estamos do topo da montanha, mais forte é o vento. E é esperado que seja assim. Mas essa contínua campanha para me destruir e sangrar a qualquer custo não pode prosperar. Não faz bem nem a mim, nem à minha família e nem à emissora. Não é justo com nenhum de nós. Por esse motivo, embora com aperto no coração, solicito meu afastamento do telejornalismo.
E o faço com o espírito leve e a consciência tranquila, porque jamais ajo de má fé. Jamais tive o intuito de burlar regras ou obter benefício que julgasse incompatível com as funções que ocupava na emissora (isso sim, seria incompatível com a minha história pessoal). Trabalhei, duro e dobrado, para complementar a renda, fora do horário da Globo, e dentro dos limites que ao meu ver eram compatíveis e aceitáveis. Se errei, não foi com dolo, e humildemente peço desculpas.
Estou convicto de que em cada um dos dias em que aqui estive tratei com respeito e lealdade a todos com quem interagi, independentemente da função ou hierarquia. E sempre enxerguei a todos não como colegas de trabalho, mas como amigos.
Saio, neste momento, certo também de que em cada um dos dias e anos em que aqui trabalhei, sempre atuei com absoluta paixão e dedicação para levar ao público a notícia da forma mais atraente, correta, completa e interessante possível.
Mais uma vez, muito obrigado pela parceria, pelas oportunidades e pela confiança. Construímos uma história incrível.
Dony De Nuccio
Dony De Nuccio
Caro Dony,
Agradeço sua carta honesta e transparente. Aceito o seu pedido de demissão com pesar mas, assim como você e pelas razões que você aponta, com a certeza de que é o melhor caminho a seguir. Entendo que é absolutamente sincero quando afirma que não agiu com dolo, e esta carta é uma prova eloquente disto. Nossa longa conversa de hoje cedo permitiu que eu entendesse as suas motivações e você entendesse as razões da Globo. Agradeço os anos em que trabalhou na Globo, que você descreveu tão bem. E o seu empenho e a sua dedicação. Um abraço e sorte na sua nova trajetória,
Ali Kamel
Ali Kamel
Folha de São Paulo