Ex-Pink Floyd levou um sustinho ao ser vaiado; está acostumado a ser aplaudido quando xinga Trump e mostra porco inflável com bandeira de Israel
Vivemos tempos interessantes e não adianta reclamar quando cantoras de shortinho se consideram influenciadoras políticas. É um fato da vida movida a redes sociais e hashtags.
Em favor de Roger Waters é preciso reconhecer que ele antecede em muito tempo o fenômeno atual de mobilização em massa no mundo do show business.
A militância sistemática do ex-Pink Floyd contra Israel – repetindo, contra o país, não suas políticas – vem de vários anos. Foi oficializada em 2011, quando ele aderiu ao movimento de boicote de artistas e intelectuais a apresentações em Israel.
Pronto, não há nada mais de bom a ser dito sobre o veterano roqueiro. Em shows através do mundo, ele costuma usar um porco inflável com a bandeira de Israel.
Imaginem o que aconteceria se o protesto suíno fosse dirigido contra algum grupo fundamentalista muçulmano. Perderia rapidamente a graça ou a cabeça (o porco é proibido e estigmatizado pelo Islã e pelo judaísmo).
Transformar a oposição a atos do Estado de Israel, recriado em 1949 em circunstâncias de altíssima complexidade, em antissemitismo sem disfarces é uma característica de uma grande parte da esquerda, em especial na Grã-Bretanha.
O líder trabalhista Jeremy Corbyn é atualmente a face mais visível dessa deturpação, agravada por atos antigos e recentes de solidariedade a mentores e autores de atentados terroristas contra israelenses.
O traço em comum dessa atitude está nas comparações, disfarçadas ou abertas, entre Israel e a Alemanha nazista. Waters é um reincidente sem pudores.
É claro que, por isso, ganhou prestígio entre o público que compartilha suas ideias, não de defesa dos palestinos ou de uma solução pacífica para um problema infernal, mas de negação ao direito de Israel a existir.
Até na ONU ele já foi convidado a falar. Especificamente, no pouco conhecido Comitê da ONU sobre o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino, o Unispal.
No pronunciamento de 2012, fez as acusações de praxe: Israel pratica políticas de apartheid, limpeza étnica e punição coletiva, em especial em Gaza. “Já posso até ouvir as línguas estalando em reprovação com o conhecido mantra ‘Mas foi o Hamas que começou, com os ataques com foguetes; Israel só está se defendendo’.”
O “jogo da culpa” é um dos argumentos mais permanentes nesse tipo de discussão. Muitos israelenses de esquerda e judeus de outros países são extremamente críticos a políticas de sucessivos governos.
Uma pequena parcela até discorda do próprio Estado de Israel tal como existe. Isso não chancela de forma alguma o antissemitismo sem disfarces, os porcos com a Estrela de David, os “bombardeios” com símbolos israelenses e as intermináveis comparações com o nazismo que se tornaram prática comum de Roger Waters.
DECAPITAÇÃO E FIBROMIALGIA
A eleição de Donald Trump e a ascensão de partidos populistas na Europa acrescentaram novos inimigos à lista do roqueiro. É curioso que, entre os nomes condenáveis que ele apresentou em seu show em São Paulo, adicionando o candidato brasileiro, o de Vladimir Putin vem acompanhado de um ponto de interrogação.
Por que a dúvida? Waters é da corrente da esquerda que continua a admirar Putin e a apoiar a intervenção russa na Síria. Num show em Barcelona, ele acusou os Capacetes Brancos como “organização falsa” criada por “jihadistas e terroristas”.
Os socorristas voluntários, recentemente retirados da Síria numa operação feita por países europeus, tinham realmente um lado propagandista. Mas Waters acrescentou um comentário significativo: “Dar ouvidos a eles nos levaria a encorajar nossos governos a ir bombardear o povo da Síria”.
Nada surpreendentemente, nenhuma menção ao povo da Síria bombardeado pelos russos.
Argumentos toscos, julgamentos a jato, fatos imaginários e outras distorções fazem parte das tiradas feitas durante shows e, claro, do universo dominado pelas redes sociais.
Os artistas que entram na onda, com sincero engajamento ou interesse publicitário, não podem ser diferentes.
O tom de violência se tornou um lugar comum nos Estados Unidos, agravado nas últimas semanas pelo ambiente histérico dos protestos contra a nomeação do juiz Brett Kavanaugh para a Suprema Corte.
Lena Dunham disse que depois de ouvir o depoimento da mulher que acusou o juiz de tentativa de estupro na juventude, sem corroboração do FBI, sua fibromialgia foi reativada.
Parece até inocente diante do que fez outra comediante, Kathy Griffin, nas fotos com uma ensanguentada cabeça cenográfica, como se Donald Trump tivesse sido degolado pelo Estado Islâmico. Ela sumiu um pouco do mapa diante das reações negativas, mas reapareceu com tudo no caso Kavanaugh.
Pela posição de influência que exercem, decorrente do espaço profundamente emocional que ocupam na psique dos fãs, seria recomendável que artistas e outras celebridades falassem sobre temas políticos com responsabilidade e, se não respeito, alguma consideração pela diversidade de opiniões.
É claro que isso se tornou praticamente impossível no zeitgeist atual. Em contrapartida, o fã que paga para curtir Another Brick in Wall pode reagir com tijoladas sonoras quando Roger Waters fala o que quer e ouve o que nunca ouviu antes.
Com toda certeza, vai adicionar um novo porco à sua coleção.
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