sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Turista pode escolher caminho pop ou trilha raiz na Grande Muralha da China

PEQUIM
Uma das primeiras coisas que você aprende quando decide visitar a Grande Muralha da China é que há várias muralhas da China. Mas não se preocupe: não são cópias baratas, e sim todas originais.
Dá para passear pela Muralha da China selvagem, onde o mato alto quase engole sua arquitetura. Também existe a muralha turística, restaurada. E há ainda a muralha com buracos de bala, resquícios de seu passado bélico.
Oficialmente, foram mais de 20 mil quilômetros de fortificações levantadas ao norte do país, durante séculos, quantidade suficiente para Donald Trump cobrir seis vezes a fronteira entre Estados Unidos e México. Mas essas construções “made in China” não foram realizadas numa linha contínua. Algumas são circulares, outras correm paralelas ou são isoladas. 
Pouco restou do complexo construído entre 220 e 206 a.C. pelo primeiro imperador chinês, que unificou o país, e também inúmeros muros que continuaram sendo ampliados nas dinastias seguintes.
A última a trabalhar na sua extensão foi a dinastia Ming (1368-1644), cujos trechos existentes são os maiores, mais conhecidos e fotografados hoje, com 6.000 quilômetros de extensão. 
O jeito mais fácil de realizar o sonho de caminhar pela Grande Muralha da China é em Badaling, com transporte fácil desde a capital Pequim, a 70 quilômetros de distância. 
Badaling foi o primeiro trecho a ser restaurado e aberto ao público, em 1957, nove anos antes da Revolução Cultural, quando várias partes da muralha tiveram suas pedras pilhadas para a construção de outros edifícios. 
Não à toa, atrai também dezenas de milhares de turistas anualmente, causando um trânsito de gente de todas as partes do mundo, um espetáculo à parte. Mas há quem se sinta numa roubada, evitando sair em selfies alheios e longe de conseguir aquela foto romântica de cartão-postal.
A paisagem, no entanto, não decepciona, e é possível ver a muralha serpenteando montanhas ao longe e desaparecendo nos vales. Duas horas de passeio são suficientes para chegar até a uma quarta torre, cujas escadarias íngremes possuem corrimãos. 
Ainda sobra tempo para lojinhas de souvenires e restaurantes. Para os aventureiros e pacientes com filas, há um teleférico e um escorregador.
Mao Tse-tung (1893-1976) já dizia, num poema emoldurado em Badaling, que um homem que nunca esteve na Grande Muralha não é um homem de verdade. Pois há opções para quem quiser fugir das massas e embarcar numa experiência mais raiz.
É possível visitar a muralha quando ela toca o mar, em Laolongtou, e em diversos trechos sem nenhuma restauração, como em Gubeikou, a 146 quilômetros de Pequim, palco de mais de cem batalhas.
Operadoras de turismo online realizam tours em inglês para chegar ao “lado selvagem” da muralha. A Beijing Hikers (beijinghikers.com), por exemplo, tem dezenas de opções, incluindo alguns passeios leves e outros pesados que levam o dia todo. Há também opção de acampar, embora não no inverno.
A reportagem fez o roteiro que leva ao trecho de Jiankou (420 yuans, R$ 226), a duas horas de carro de Pequim e oficialmente não aberto a turistas. Não há guichê nem cartazes. A van com o grupo de oito pessoas e dois guias estacionou numa vila e seguimos por uma trilha. 
Foi uma caminhada pesada de uma hora, subindo sem parar por dentro de uma floresta até chegar ao pé da muralha. Este trecho é conhecido pelas fortificações levantadas em grandes picos de montanha, uma escalada perigosa que só observamos de longe. 
Dentro da muralha, abandonada desde 1644, uma pequena floresta tomou conta. É preciso andar pelos cantos e com muito cuidado com o chão de pedras destruído. Paramos para comer um lanche que nós mesmos levamos, numa das dez torres que atravessamos, cercados por montanhas e silêncio, a 900 metros do nível do mar. 
Dos 6 quilômetros de caminhada, apenas 2 deles passam entre muros. Não cruzamos com mais ninguém. Somos apenas nós, dez pessoas, a explorar a Grande Muralha da China.

Fernanda Ezabella, Folha de São Paulo