Era começo de 2010, último ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Sentando na cabeceira da mesa grande da biblioteca do Palácio da Alvarada, o então presidente da República reuniu sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, e o deputado federal e seu ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci.
“Esta foi a primeira reunião realizada por Luiz Inácio Lula da Silva em que explicitamente tratou da arrecadação de valores a partir de grandes contratos da Petrobrás”, registra o Termo 01 da delação premiada de Palocci, tornado público nesta segunda-feira, 1, pela Justiça Federal, em Curitiba.
Documento
“Havia um interesse social e um interesse corrupto com a nacionalização e desenvolvimento do projeto do pré-sal”, contou Palocci. O termo – são dezenas ainda sob sigilo – foi anexado ao processo penal contra Lula aberto pelo juiz federal Sérgio Moro, de propinas da Odebrecht na compra de um terreno para o Instituto Lula, em São Paulo, e do apartamento usado por ele em São Bernardo do Campo.
Na delação, o ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma atribui ao ex-presidente envolvimento no amplo esquema de loteamento de cargos estratégicos na Petrobrás acatando interesses de partidos políticos e distribuição de propinas
“O então presidente da República foi expresso ao solicitar do então presidente da Petrobrás que encomendasse a construção de 40 sondas para garantir o futuro político do país e do Partido dos Trabalhadores com a eleição de Dilma Rousseff, produzindo-se os navios para exploração do pré-sal e recursos para a campanha que se aproximava”, registra o Termo 01.
Preso e condenado a 12 anos e um mês de pena na Operação Lava Jato, Lula teria cobrado que Palocci fosse o responsável pelo gerenciamento dos recursos. “Na mesma reunião, afirmou que caberia ao colaborador (Palocci) gerenciar os recursos ilícitos que seriam gerados e o seu devido emprego na campanha de Dilma Rousseff para
a Presidência da República.”
a Presidência da República.”
Dilma. A delação premiada de Palocci destrincha como os governos do PT uniram o cartel de empreiteiras, que fatiou as obras de refinarias durante o primeiro ciclo de investimentos na Petrobrás nas gestões de Lula (2003-2006 e 2007-2010), com multinacionais do setor de exploração de petróleo nos bilionários negócios gerados pelo pré-sal e como os acertos bancaram as campanhas de Dilma em 2010 e 2014 – e também campanhas municipais do PT em 2012.
Dilma foi eleita em 2010 com o apoio de Lula e depois reeleita em 2014. Palocci diz que as duas últimas campanhas presidenciais do PT custaram R$ 600 mil e R$ 800 mil, respectivamente, valores muito superiores aos oficialmente declarados pela campanha da petista ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em outros capítulos ainda não tornados públicos, a delação premiada homologada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), a segunda instância da Lava Jato de Curitiba, esclarece como se financiou e se criou a empresa Sete Brasil, em 2010, para ser a intermediária privada da Petrobrás para a contratação de estaleiros para construção e operação dos navios-sonda para exploração do petróleo da camada de pré-sal.
Um negócio de US$ 22 bilhões, que envolveu propina de 1% para o PT e demais envolvidos dirigido aos grupos cartelizados denunciados pela Lava Jato.
Seguindo a mesma política de nacionalização da industria nas construções e reformas de refinarias – lançada no primeiro governo Lula (2003-2006), a produção naval voltada ao petróleo com conteúdo nacional reservou 70% dos negócios para empreiteiras, que se associaram às multinacionais como Mitsui, Kepell Fels, que detinham a expertise industrial.
Segundo o delator, Lula teria exigido que os recursos para o PT fossem pagos pelas empresas nacionais. Os estaleiros contratos pela Sete Brasil foram o Estaleiro Atlântico Sul (EAS), o Brasfels, o Estaleiro Rio Grande, o Enseada Paraguaçu e o Jurong Aracruz.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE LULA
A defesa do ex-presidente Lula reagiu enfaticamente à delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci. Segundo o criminalista Cristiano Zanin Martins, defensor de Lula, Palocci não apresentou nenhuma prova contra o ex-presidente, ‘para obter generosos benefícios’.
“A conduta adotada hoje pelo juiz Sérgio Moro na Ação Penal nº 5063130-17.2016.4.04.7000 apenas reforça o caráter político dos processos e da condenação injusta imposta ao ex-presidente Lula”, afirma Zanin.
Segundo o advogado, Moro juntou ao processo, ‘por iniciativa própria (‘de ofício’), depoimento prestado pelo sr. Antônio Palocci na condição de delator com o nítido objetivo de tentar causar efeitos políticos para Lula e seus aliados, até porque o próprio juiz reconhece que não poderá levar tal depoimento em consideração no julgamento da ação penal’.
“Soma-se a isso o fato de que a delação foi recusada pelo Ministério Público. Além disso, a hipótese acusatória foi destruída pelas provas constituídas nos autos, inclusive por laudos periciais”, assinala Zanin.
Segundo o advogado de Lula, o delator almeja ‘generosos benefícios que vão da redução substancial de sua pena – 2/3 com a possibilidade de perdão judicial e da manutenção de parte substancial dos valores encontrados em suas contas bancárias’.
COM A PALAVRA, DILMA ROUSSEFF
As velhas mentiras de Palocci e o novo factoide eleitoral
Dilma rechaça vazamento da “delação implorada” e diz que só ex-ministro pode dizer onde estão R$ 1 bilhão
1. Embora tenham sido feitas há quase sete meses, e rejeitadas pelo Ministério Público Federal da Operação Lava a Jato, as delações sem provas do senhor Antônio Palocci foram surpreendentemente acolhidas pelo juiz federal da 13ª Vara de Curitiba, nesta segunda, e amplamente divulgadas pela mídia, há exatos seis dias da eleição presidencial.
2. Dadas em abril deste ano, as declarações do senhor Palocci tentam incriminar Lula, Dilma e outros dirigentes do PT, para obter o prêmio da liberdade, da redução da pena e da posse de recursos os quais é acusado de ter acumulado ilegalmente.
3. O desembargador João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, já havia sentenciado, em 21 de junho deste ano, que “não cabe neste momento inicial o exame detido do conteúdo das declarações prestadas” por Palocci. “Tampouco o momento da homologação é adequado para aferir a idoneidade dos depoimentos dos colaboradores”.
3. Com isso, o desembargador suspendeu a tramitação do termo de colaboração por três meses, para que Palocci apresentasse “à autoridade policial elementos probatórios minimos de suas alegações”. O que ele não fez.
4. É estarrecedor, portanto, que uma delação não aceita pelo Ministério Público, e suspensa por um juiz de segunda instância, seja acolhida e tenha tido seu sigilo quebrado por um juiz de primeira instância. Sobretudo, neste momento em que o povo brasileiro se prepara para eleger o presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais.
5. Em sua terceira tentativa de delação “implorada”, o senhor Palocci inventa que as duas campanhas de Dilma à Presidência teriam arrecadado R$ 1,4 bilhão. Trata-se de um valor absolutamente falso. Apenas a hipótese de recursos tão vultosos não terem sido detectados evidencia o desespero de quem quer salvar a própria pele.
6. Tal afirmação, pela leviandade e oportunismo delirantes, só permite uma conclusão: que o senhor Palocci saiba onde se encontra R$ 1 bilhão, já que o valor declarado e aprovado pelo TSE, é cerca de um terço disso.
7. O que fica evidente é que a negociação feita por essa delação implica que o senhor Palocci, depois de pagar R$ 37,5 milhões, poderá “requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial”, tenha reduzida “em até 2/3 (dois terços) da pena privativa de liberdade e/ou sua substituição por restritiva de direitos” ou, ainda, “a suspensão do processo e do prazo prescricional”.
Ricardo Brandt, Julia Affonso, Fausto Macedo e Luiz Vassallo, O Estado de São Paulo