“Após o atentado houve um fortalecimento da candidatura de Jair Bolsonaro e um aumento nas intenções de voto nele. A campanha de Jair Bolsonaro começou bem antes do ano eleitoral nas redes sociais, ele tem uma militância espontânea entre seus eleitores. E isso faz com que o seu voto seja consolidado, uma vez que ele é o candidato que apresenta a menor diferença entre a pergunta espontânea, sem apresentação dos nomes dos candidatos, e a pergunta estimulada, em que os candidatos são apresentados ao eleitor” disse Márcia Cavallari Nunes, CEO do Ibope Inteligência. Na série Nêumanne Entrevista, a especialista constatou uma contradição na série de levantamentos feitos pelo instituto na eleição a ser disputada neste domingo, 7 de outubro. De modo geral, observou ela, “a política brasileira está muito desacreditada, 79% concordam com a frase de que os políticos trabalham mais em seu próprio benefício do que para a sociedade. Outros 64% acreditam que a política brasileira impede que apareça um líder honesto e comprometido com mudanças para o povo”. Mas esta constatação contradiz outra conclusão que ela permite definir na entrevista: “Aparentemente, também não teremos uma grande renovação no Congresso, de acordo com nossas pesquisas de intenção de voto para senador e deputado, os eleitores estão escolhendo, novamente, parlamentares já conhecidos, muitos deles no poder.”
Márcia Cavallari Nunes, atual CEO (chief executive officer) do Ibope Inteligência, é responsável pela direção-geral da empresa, além de se envolver diretamente na coordenação de projetos específicos/especiais. Formada em Estatística pela USP, tem mestrado em Ciências Políticas com ênfase em Pesquisa de Opinião Pública pela Universidade de Connecticut. No Ibope desde 1982, já ocupou, entre outros cargos, o de diretora executiva e de gerente nas áreas de opinião pública e de estatística. Tem 36 anos de experiência em pesquisa de mercado e opinião, com atuação em projetos qualitativos e quantitativos. É vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (Abep) e faz parte do Conselho do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp. Além disso, lecionou no curso de Pesquisa de Mercado, Mídia e Opinião com ênfase na Gestão da Informação da ESPM e no Curso de Extensão de Opinião Pública, Mídia e Estratégias de Comunicação Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). E coautora de diversos livros sobre pesquisa eleitoral.
Nêumanne entrevista Márcia Cavallari Nunes
Nêumanne – Com sua experiência fazendo levantamentos de preferência de votos em todas as eleições desde 1982, a senhora sente-se em condições de comparar esta campanha com alguma outra de que tenha participado, ou ela é inédita?
Márcia Cavallari – O histórico de eleições presidenciais no Brasil ainda é pequeno: esta é a oitava eleição após a redemocratização do País. E cada uma foi diferente da outra! O contexto político no qual esta eleição se insere é o pior deles. Esse contexto iniciou-se em 2013, com as jornadas de junho, que levaram milhares de brasileiros às ruas. De lá para cá, o País entrou numa longa crise econômica, política e social. Numa escala de 0 a 100, o Índice de Confiança Social medido pelo Ibope Inteligência desde 2009 atinge o seu menor patamar, 48 pontos. Cerca de oito em cada dez brasileiros dizem que não se sentem representados por nenhum político. Os brasileiros entraram no ano eleitoral com um alto índice de desemprego, uma percepção de perda de qualidade de vida, uma sensação grande de insegurança. As grandes preocupações do eleitor são as áreas da saúde, segurança pública, educação, geração de empregos e combate à corrupção. Além dessa agenda, esta eleição trouxe situações inusitadas, como a prisão do Lula e a indefinição, até meados de setembro, sobre se ele seria ou não candidato, o atentado contra o Bolsonaro. Pela primeira vez, também, o financiamento das campanhas não tem doação de empresas, o tempo da propaganda eleitoral está mais curto, o papel mais intenso das redes sociais nas campanhas. Enfim, é uma eleição inédita, no sentido de que estamos quase chegando no fim, e ela ainda está totalmente aberta.
N – Este ano começou com a sensação generalizada de que, enfim, eleger um chefe legitimado pelo voto para o Executivo, uma nova Câmara dos Deputados e dois terços do total do Senado seria uma oportunidade inédita e imperdível de acertar os ponteiros da cidadania com o Estado e, depois, restaurar os princípios constitucionais pétreos do poder que emana do povo e da igualdade de todos perante a lei, mas o próprio processo político da escolha dos candidatos foi dissolvendo isso. A frustração popular por essa perda foi registrada nas pesquisas que têm sido feitas pelo Ibope?
M – Antes do início da campanha eleitoral havia um desânimo grande, um desinteresse pelas eleições que se traduzia em número elevado de votos em branco ou nulos. Assim como havia o desejo de votar em alguém novo, de fora da política. No entanto, a minirreforma política não favorece as candidaturas de fora da política, em função do curto tempo de campanha, principalmente as que não são conhecidas do grande público. Com a campanha no ar, entretanto, verifica-se que eleitores foram se envolvendo mais, mas mesmo assim é baixo. Metade dos eleitores declara que tem muito ou algum interesse nas eleições, 25% declaram-se com pouco interesse e outros 23%, sem interesse algum. Só que nas perguntas de intenção de voto já se verifica uma diminuição do número de votos em branco e nulos, mas, ainda assim, maior do que a média histórica de 10% de eleições presidenciais anteriores. A política brasileira está muito desacreditada, 79% concordam com a frase de que os políticos trabalham mais em seu próprio benefício do que para a sociedade. Outros 64% acreditam que a política brasileira impede que apareça um líder honesto e comprometido com mudanças para o povo. Aparentemente, também não teremos uma grande renovação no Congresso, de acordo com nossas pesquisas de intenção de voto para senador e deputado, os eleitores estão escolhendo, novamente, parlamentares já conhecidos, muitos deles no poder.
N – O processo eleitoral começou com a opção da maioria dos entrevistados em seus levantamentos por Lula, preso, cumprindo pena e impossibilitado de concorrer por ser ficha-suja e, portanto, inelegível. Como o Ibope lidou com essa complicação em seus métodos de aferir a intenção impossível do sufrágio inviável e como se está dando a adaptação da escolha do eleitor ao novo cenário, com a exclusão do até então favorito? Isso exigiu e está exigindo um esforço extra, tanto no planejamento quanto na prática da coleta dos dados?
M – Tivemos de trabalhar com dois cenários até que a decisão do TSE sobre a candidatura do ex-presidente Lula fosse julgada. Na primeira pesquisa de intenção de voto para presidente realizada pelo Ibope Inteligência após o registro das candidaturas, recebemos muitas reclamações, críticas e dúvidas sobre a inclusão do nome do Lula num dos cenários da pesquisa. No entanto, apenas seguimos a legislação eleitoral, que obriga, a partir das publicações dos editais de registro das candidaturas, a incluir na lista apresentada aos entrevistados durante a realização das pesquisas os nomes de todos os candidatos cujo registro tenha sido requerido. Como, naquele momento, o candidato à Presidência registrado pelo PT era o Lula, mesmo que a candidatura ainda não estivesse deferida, todo instituto de pesquisa que realizasse pesquisa de intenção de voto para presidente no Brasil, com fins de divulgação, deveria obrigatoriamente incluir o nome dele na pergunta estimulada. Para não perdermos a série histórica, e entender a possível transferência de votos que poderia ocorrer na mudança de candidato do PT, incluímos também um cenário com Fernando Haddad.
N – Esta certamente é a primeira campanha na qual a senhora teve de lidar com o fato inusitado de um candidato, e um candidato forte, como é o caso de Jair Bolsonaro, do PSL, que já não dispunha de tempo na partilha do horário de propaganda no rádio e da televisão, subitamente ser impedido de participar de quaisquer atos de rua, debates ou sabatinas depois de ser esfaqueado no momento em que era transportado nos ombros por seus adeptos. O atentado provocou alguma mudança nos questionários distribuídos entre seus entrevistadores? Já é possível se ter uma ideia do que explica o avanço da opção pelo nome do hospitalizado após o ato?
M – Não, o atentado não mudou nada em nossos questionários, ao contrário do que aconteceu em 2014, quando o candidato Eduardo Campos morreu num acidente de avião e tivemos de suspender todas as pesquisas e, depois, substituir o nome dele pelo da Marina Silva, que entrou em seu lugar. Mas se observa que após o atentado houve um fortalecimento da candidatura de Jair Bolsonaro e um aumento nas intenções de voto nele. A campanha de Jair Bolsonaro começou bem antes do ano eleitoral nas redes sociais, ele tem uma militância espontânea entre seus eleitores. E isso faz com que o seu voto seja consolidado, uma vez que ele é o candidato que apresenta a menor diferença entre a pergunta espontânea, sem apresentação dos nomes dos candidatos, e a pergunta estimulada, em que os candidatos são apresentados ao eleitor. À medida que se aproxima a data da votação, a tendência é que haja uma aproximação entre os resultados das duas perguntas. Assim, mesmo estando hospitalizado ele não perdeu votos, porque a sua campanha mais forte está nas redes sociais.
N – A realidade da disputa nesta eleição leva à possibilidade de o eleitor recorrer ao voto útil ainda no primeiro turno, numa guerra que embaralha dados como talvez nunca tenha acontecido antes. Isso pode confundir o cenário de tal forma que dificulte a aplicação dos métodos tradicionais de aferição de intenções de voto e obrigue os institutos a aumentar as amostras e ampliar as margens de erro?
M – Nas eleições presidenciais anteriores não foi observado nenhum tipo de voto estratégico ou útil. Já vi isso acontecer em eleições municipais e estaduais, mas não em presidenciais. Normalmente, no primeiro turno das eleições, o eleitor vota no candidato em que ele acredita, que defende suas ideias, de que ele gosta. Já no segundo turno acaba sendo um voto do contra, vota em um para evitar que o outro, de que não gosta, ganhe. Não mudamos nossos questionários, amostras ou margem de erro por causa disso. Margem de erro amostral é consequência do tamanho da amostra utilizada, da distribuição dos votos dos candidatos e do nível de confiança que se espera, é uma fórmula matemática. A partir de determinado tamanho de amostra, a margem de erro amostral não diminui significativamente. Uma amostra bem maior é justificável quando se quer uma análise mais segmentada. Fizemos algumas perguntas sobre voto útil e cerca de 60% dizem que as probabilidades de deixar de votar no candidato de sua preferência, para votar em outro que tenha mais chances de ganhar, são baixas ou muito baixas. Entretanto, observa-se ainda que apenas 43% do eleitorado diz que a sua intenção de voto é definitiva e não muda mais, ou seja, há ainda espaço para muita movimentação, mesmo estando na última semana da eleição do primeiro turno. Temos observado que o eleitor define o seu voto cada vez mais tarde, ele espera até o último momento para tomar sua decisão, ele espera até o último debate, espera para ver se não vai aparecer nenhum escândalo envolvendo o candidato, etc… Nas eleições presidenciais de 2014, 34% dos eleitores decidiram o seu voto na última semana, nos últimos dias. Então, não será nenhuma surpresa se ocorrerem movimentações nas intenções de voto.
N – Outra consequência da polarização exacerbada, e a senhora, por favor, corrija se o repórter estiver exagerando seus efeitos, é uma antecipação do valor da rejeição já nesta fase da eleição. Sendo assim, os institutos de pesquisa não se preocupam com as diferenças que aparecem claramente nesse quesito em seus levantamentos publicados? Isso, de certa forma, não prejudicaria a própria credibilidade dos índices divulgados?
M – Não vejo nenhuma diferença nos índices de rejeição divulgados e por isso, não há prejuízo na credibilidade da informação. Bolsonaro e Haddad são os candidatos com maiores índices de rejeição, 46% e 30%, respectivamente, e são ao mesmo tempo os que apresentam as maiores intenções de voto. Diferenças entre os índices divulgados pelos institutos ocorrem em função da metodologia utilizada por cada um, pela forma de fazer a pergunta e pela data em que a pesquisa foi realizada. Por isso é preciso avaliar com cuidado para poder comparar. Também ocorrem oscilações amostrais de uma pesquisa para outra. As pesquisas fornecem estimativas!
N – Os primeiros levantamentos de Ibope e Datafolha, os dois institutos mais respeitados, vinham divulgando índices de preferência parelhos, ao contrário do que ocorria com os dados de rejeição. Mais recentemente, porém, apareceu uma discrepância, com o Ibope dando Ciro Gomes, do PDT, praticamente fora do jogo e o Datafolha registrando empate técnico dele, em terceiro lugar, com o segundo colocado, Fernando Haddad, do PT. Como saber quais dos dois tem razão agora, se a dúvida só vai ser dirimida daqui a mais de uma semana, quando os votos forem apurados?
M – Bom, como essa entrevista era para ter saído na semana passada e por falta de agenda não consegui enviá-la, entendo que essa pergunta perde o sentido, pois a pesquisa do Ibope Inteligência divulgada no dia 24/9 e a do Datafolha divulgada no dia 28/9 são idênticas. De toda forma, aproveito para esclarecer que os índices de rejeição divulgados pelos dois institutos sempre estiveram em patamar semelhante. O índice de rejeição de Bolsonaro hoje é de 44% e a nossa série histórica mostra variações de 41% a 46%, conforme o momento da campanha, ou seja, ela está perfeitamente coerente. A rejeição de Haddad está em 30% e veio crescendo à medida que foi se tornando mais conhecido, o que também é perfeitamente normal.
N – E ainda tem mais um porém: por mais que acertem, os institutos de pesquisa são sempre muito mais cobrados pelos enganos no percurso. Um exemplo: a boca de urna que deu vitória a Fernando Henrique, derrotado por Jânio Quadros na eleição municipal paulistana em 1985. Outro: a surpresa da vitória em primeiro turno de João Dória em 2016. A senhora acredita que este processo terminará com um “ufa!” de dever cumprido ou um “opa!” de resultado imprevisto? E por que acha isso?
M – O objetivo de uma pesquisa eleitoral não é antecipar os resultados da eleição, mas sim mostrar o cenário no momento em que foi realizada. A pesquisa é uma fotografia do momento e não tem o poder nem a intenção de prever o resultado de uma eleição. Por isso seus resultados não podem ser usados para prever o resultado das urnas. A opinião pública é dinâmica e responde aos estímulos que recebe das campanhas eleitorais, e a pesquisa retrata essa movimentação. Quando entrevistamos uma pessoa, não podemos pedir que ela não mude mais de opinião para que a pesquisa possa dar certo. Então, mudanças podem ocorrer até a hora em que o eleitor aperta o “confirma” na cabine eleitoral. O voto do eleitor é soberano! As pesquisas eleitorais medem suas intenções de voto e elas podem mudar até o último minuto.
N – O segredo de seu sucesso se baseia na antiquíssima lei matemática das probabilidades. E o risco de seu fiasco vem da implacável intervenção do inesperado, que Nelson Rodrigues chamou de “sobrenatural de Almeida”. Em que a ciência da estatística tem ajudado os profissionais de seu ramo nesta luta permanente contra os imprevistos da vida?
M – A ciência da estatística é fascinante e se aplica a quase todas as áreas do conhecimento humano. Ela se utiliza das teorias probabilísticas, por isso não é uma verdade absoluta. Sempre há uma probabilidade de que um evento aconteça, não há certeza absoluta! O mesmo se dá com as pesquisas eleitorais, que, por mais bem feitas que sejam elas, não são infalíveis. Elas apontam tendências, contam a história das eleições, mostram as movimentações da opinião pública em função das campanhas eleitorais. Elas ajudam a entender, interpretar e analisar o comportamento do eleitor, mesmo que haja os imprevistos da vida. É da vida!
N – O trabalho dos profissionais deste ramo complexo e traiçoeiro tem encontrado na campanha deste ano mais estímulos à fé no primado da estatística ou mais temores da intervenção do incerto e não sabido?
M – A complexidade do ambiente eleitoral deste ano não chega a diminuir a fé na matemática, porque essa é uma ciência exata, mas aumenta, sim, o temor das incertezas não matemáticas, aquelas que não podem ser controladas.
O Estado de São Paulo