Leio que os herdeiros de Ivan Lessa, escritor e jornalista morto em 2012, doarão seu acervo ao Instituto Moreira Salles. Ótimo. Espero que inclua sua biblioteca, cheia de primeiras edições, a incrível coleção de LPs, que ele começou em 1950 e da qual nunca se desfez, e a papelada, certamente copiosa. Quanto a esta, em minha opinião, não teremos originais inéditos, esboços de enredos ou versões alternativas de qualquer coisa. Ivan era um escritor notório por detestar escrever. Pelo menos, escrever a valer três pontos —romances, contos ou artigos para a imprensa.
Porque, no resto, Ivan escrevia, compulsiva, obsessivamente, o dia todo —cartas, recados, emails. Se seus computadores não se apagaram, lá estarão os milhares de mensagens que ele trocou com os amigos durante anos. E, se elas forem abertas, sai de baixo. Podemos esperar pelas opiniões mais pândegas e certeiras sobre todo mundo —inclusive nós, os amigos.
Às vezes, queremos acreditar que tal ou qual grupo de escritores era coeso, formado por amigos inseparáveis. Amigos, sim, e inseparáveis, sem dúvida, mas isso não os impedia de falar mal uns dos outros para quem quisesse ouvir. Vide os mineiros Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Helio Pellegrino. Eu próprio escutei Fernando se queixar de Otto, Otto se queixar de Paulo e, nunca ouvi, mas imagino que Paulo um dia tenha se queixado de Helio, e Helio, dos outros três.
Ivan Lessa, Paulo Francis e Telmo Martino formaram, por quase 50 anos, um grupo unido pelo humor mais cáustico e mortal de que já se teve notícia. Ninguém estava a salvo de suas frases —nem eles próprios. Em certa época, os três brigaram entre si e era hilariante ouvir Ivan demolindo a empáfia de Francis, Telmo, a de Ivan, e Francis, vociferando contra os dois. Depois voltaram às boas.
Eles se mandaram e nos deixaram aqui, fazendo asneiras.
Folha de São Paulo