Começou a tramitar ontem no Senado a PEC do Teto, já com parecer favorável, sem emendas, do relator Eunício Oliveira (PMDB-CE). Aprovada em dois turnos por ampla maioria na Câmara, essa proposta, considerada vital pelo governo, será votada agora, também em dois turnos, pelo Senado. O Palácio do Planalto confia em que a decisão da Câmara será tranquilamente confirmada pelos senadores, permitindo que a PEC seja promulgada até 13 de dezembro. Chama a atenção, contudo, o resultado colhido até o meio-dia de ontem pela consulta pública promovida pelo Senado na página e-Cidadania de seu site: cerca de 95% das quase 300 mil pessoas que haviam se manifestado são contra a PEC do Teto.
Das duas, uma: ou o Congresso está prestes a tomar uma decisão ao arrepio da vontade da maioria dos brasileiros ou essa pesquisa não reflete exatamente a realidade. A verdade, como de hábito em questões muito polêmicas, parece estar no meio. Há, efetivamente, no Senado, uma minoria oposicionista, integrada principalmente pelo finado PT e aliados, que perdem o pelo, mas não perdem o vício. Quem acompanhou o aguerrido desempenho dessa turma na comissão do Senado que aprovou o processo de impeachment sabe como ela atua: muito grito e pouco senso, porque quando a derrota é inevitável o que importa é marcar posição. E não se pode ignorar que o tipo de consulta feita pelo Senado se presta à manipulação por qualquer grupo militante.
Por outro lado, a proposta de estabelecer um teto para os gastos públicos é, por definição, impopular, principalmente num país em que o predomínio do patrimonialismo – que anda de braço dado com o populismo – habituou as pessoas, especialmente as mais humildes e desinformadas, a acreditar na ideia de que o governo é o Grande Provedor e que as pessoas não precisam conquistar nada por si mesmas. Basta votar nos seus protetores, que eles se encarregarão de “distribuir” a riqueza entre todos.
Contando com tão sedutor argumento, petistas – que agora se agarram a qualquer coisa para sobreviver – e “esquerdistas” em geral partiram para o ataque à PEC do Teto, com a mentira de que a medida “congela por 20 anos” os gastos, principalmente em educação e saúde. E imediatamente os estudantes passaram a ocupar as escolas – não necessariamente as suas – e as organizações sociais saudosas das benesses oficiais se prepararam para sair às ruas e deflagrar uma “greve geral”. Tudo para impedir que o governo dito golpista, com o apoio da mídia monopolizada, ouse subtrair “um direito sequer” dos trabalhadores.
A tropa de choque petista, ainda que lambendo as feridas da surra nas urnas, mantém-se mais ativa do que nunca no Senado. A Comissão de Direitos Humanos, sob a coordenação da senadora Fátima Bezerra (PT-RN), promoveu debates sobre os “cortes de recursos para educação e saúde”, para os quais foram escolhidos a dedo “debatedores” unanimemente contrários à ideia de reduzir os gastos. Não faltou nem mesmo a musa das ocupações de escola, a estudante secundarista paranaense elevada à condição de porta-voz dos fracos e oprimidos, que arrancou delirantes aplausos, e algumas lágrimas, ao declarar que os senadores que ousarem aprovar a PEC ficarão com “as mãos sujas de sangue”. Os pais dessa menor de idade, ao que parece, permitem gostosamente que a filha seja usada politicamente – e o mesmo ocorre com as autoridades, que deveriam resguardar a adolescente.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ré no STF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, apresentou emenda para que a PEC do Teto, se aprovada no Senado, seja submetida a referendo popular antes de ser promulgada. A justificativa é que a grande maioria dos brasileiros não sabe exatamente o que é a PEC do Teto e por isso, antes de entrar em vigor, a emenda precisa passar por uma ampla discussão e pela aprovação popular. Argumento que coloca em xeque a consulta pública promovida pelo Senado, pois, mais uma vez, das duas, uma: ou bem a população não conhece a proposta ou bem 95% dela conhece e está contra. Outra hipótese plausível é a de que o resultado dessa consulta pública não interessa apenas aos petistas, mas convém também ao presidente do Senado, Renan Calheiros, e outros senadores, na medida em que valoriza substancialmente o precioso bem que eles têm a oferecer ao governo: a aprovação da PEC do Teto.