Medida relatada por Onyx Lorenzoni prevê criminalizar a prática com base no Código Penal; texto pode livrar quem cometeu crime antes da aprovação da lei
O relatório do pacote das 10 medidas anticorrupção, que deverá ser entregue na próxima semana pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), reacendeu o debate sobre uma possível anistia para políticos e empresários que já praticaram caixa 2 em campanha eleitoral. Na avaliação de deputados e senadores, o texto da forma como está sendo costurado, em vez de endurecer as regras, abre uma brecha jurídica para perdoar quem já cometeu o crime antes da aprovação da lei.
Lorenzoni apresentou nesta terça-feira, 1.º, relatório que prevê pena de 2 a 5 anos de prisão para crime de caixa 2 com recursos de origem lícita. Ele negou a intenção de anistiar políticos e empresários. Parlamentares contrário à criminalização, porém, afirmam que será possível a interpretação de que antes da vigência da regra o caixa 2 não era punível, uma vez que o artigo 5.º da Constituição estabelece que uma lei penal não pode retroagir contra o réu, mas apenas para beneficiá-lo.
Não é a primeira vez que o Congresso Nacional busca anistiar políticos que praticaram caixa 2. Em setembro, líderes de diversos partidos, como PSDB, PP, PT e PCdoB, tentaram votar na Câmara projeto que previa a criminalização do caixa 2 e também a anistia para quem já tivesse adotado a prática antes. Após protestos do PSOL e da Rede, a matéria foi retirada da pauta. Nenhum parlamentar assumiu sua autoria.
Agora, o relatório de Lorenzoni considera caixa 2 o ato de “receber, manter, movimentar ou utilizar o candidato, o dirigente e o integrante de órgão de direção de partido político ou coligação, recursos, valores, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, de origem lícita, paralelamente à contabilidade exigida pela legislação”.
Se os recursos usados forem de origem ilícita – ou seja, ilegal –, Lorenzoni explicou que políticos e empresários deverão ser enquadrados na Lei de Lavagem de Dinheiro – nela, a prática do crime terá pena prevista de 3 a 10 anos de detenção. O projeto que será votado na Câmara já vai determinar a mudança nessa lei para aplicá-la para fins “eleitorais e partidários”.
Emenda. Embora a possibilidade de anistia para quem já cometeu o crime não esteja explícita no relatório, os deputados ainda poderão apresentar emendas em plenário com esse conteúdo. Mesmo que não seja aprovada o acréscimo para anistiar quem já praticou o crime, o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) disse que a nova lei vai abrir espaço para uma “autoanistia por via transversal”.
Segundo o parlamentar, quem for flagrado pela prática de caixa 2 após a aprovação da nova lei usará o argumento de que se o crime foi tipificado é porque não era ato criminoso anteriormente. Na avaliação de Miro, não há necessidade de tipificar a prática, pois ela já está prevista em outras legislações, embora não com esse termo. Ele cita como exemplo o artigo 350 do Código Eleitoral, que impõe pena de até 5 anos para quem omitir ou inserir declaração falsa para fins eleitorais. “Caixa 2 é um apelido de um mundo de infrações financeiras”, afirmou.
“Esse artigo existe há mais de uma década. Quantas condenações tiveram com base nele? Muito poucas”, afirmou Lorenzoni. Hoje, o caixa 2 não está descrito na legislação penal e, em razão disso, o Ministério Público Federal (MPF) já havia apresentado a proposta de criminalização no pacote anticorrupção, em análise na comissão da qual o deputado do DEM é relator.
Votação. Lorenzoni disse que tentará ler seu parecer na próxima semana, para que o projeto seja votado na semana seguinte no colegiado. Ele afirmou também que alterou alguns itens das medidas propostas pelo MPF como o que trata do chamado teste de integridade, ou seja, uma simulação de situações sem o conhecimento dos agentes públicos, com objetivo de testar sua conduta moral. Ele também vai retirar do texto a possibilidade de uso de provas obtidas de forma ilícita. / COLABOROU DAIENE CARDOSO
TRÊS PERGUNTAS PARA...
Miro Teixeira (Rede-RJ), deputado federal no 11.º mandato
1. Por que o senhor discorda dessa proposta de criminalização do caixa 2?
Porque, como disse a ministra Cármen Lúcia (presidente do Supremo Tribunal Federal), caixa 2 é crime. Não precisa ser tipificado como crime. Quando se cria uma nova espécie de tipo penal, cria-se a possibilidade de extinguir os processo existentes, com base nos tipos penais que o antecederam. A lei nova sempre retroage para beneficiar. Isso é disposição constitucional. Não parece útil que se faça qualquer tipo de anistia a políticos envolvidos em operações ilegais de campanha. Anistia de caixa 2 representa uma punição de todos políticos perante a população, porque todos ficarão sob a suspeita de estarem interessados nisso.
2. Por que, então, o próprio Ministério Público Federal pediu para criminalizar o caixa 2 no projeto enviado ao Congresso?
Desconfio que pedem a criminalização também das direções partidárias. Eles repetem expressões que já estão na lei de outros crimes financeiros. Além do mais, são projetos. Eu mesmo subscrevi esse projeto, antes de concluírem a coleta de assinaturas populares. Em nenhum momento se tratou de anistia ou de origem (do dinheiro) de caixa 2. Mesmo se tivesse, o projeto estaria aí para ser corrigido. Um projeto de lei é a ideia inicial a ser estudada.
3. O que acha da separação na tipificação entre origem lícita e ilícita?
Caixa 2 é crime. Ponto. Não existe origem lícita de caixa 2. O cheque roubado que é colocado em circulação é crime. Esse cheque foi roubado e não pode ser colocado em circulação. Não há caixa 2 de origem lícita. A origem de dinheiro pode representar um outro crime. Não existe crime de base lícita. É muito estranho que se tente fazer uma anistia de caixa 2 separando origem lícita de origem ilícita.