Das 12 capitais brasileiras que sediarão os jogos da Copa do Mundo, sete tiveram aumento dos assassinatos na última década. O quadro é apontado por cálculo feito com exclusividade para O GLOBO a partir dos dados de taxa de homicídio do Mapa da Violência 2014, lançado semana passada. Mesmo entre as outras cinco cidades-sede que tiveram redução no percentual de homicídios por cem mil habitantes, houve crescimento de outros tipos de crime, como roubo ou estupro, segundo outro levantamento feito também a pedido do GLOBO, este pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O cenário desafia o esquema montado para a Copa — cujo plano nacional de segurança, até um mês antes do início do Mundial, tinha menos de 12% pagos do total previsto para as cidades, segundo a Secretaria de Grandes Eventos. E não se trata apenas de problemas potenciais de segurança nas áreas centrais de cada cidade-sede. As periferias dessas capitais e suas regiões metropolitanas correm o risco de ver aumento da criminalidade, segundo pesquisadores da área, já que o policiamento estará concentrado nas regiões turísticas e nos locais onde público e participantes da Copa estarão.
SP e Rio entre as melhores
Autor do Mapa da Violência, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz calculou para O GLOBO as taxas de homicídio nas 12 cidades-sede do Mundial de 2002 a 2012, ano com os dados mais recentes. Aquela com taxa mais baixa, São Paulo, tinha em 2012 índice de 15,4%. Em segunda melhor colocação vem o Rio (21,5%). Os piores casos estão no Nordeste: Fortaleza (76,8%) e Salvador (60,6%).
Quando é vista a variação entre 2002 e 2012, cinco das 12 cidades-sede tiveram queda na taxa de homicídio, baseada no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde: Belo Horizonte, Cuiabá, Recife, Rio e São Paulo. Mas, de 2011 para 2012, as capitais mineira e paulista viram aumento nas taxas.
— Na última década, a violência no país, antes mais concentrada nos centros urbanos do Sudeste, espalhou-se por outras capitais, para o Nordeste, e também para cidades menos populosas próximas das capitais. Esse processo se deveu ao crescimento econômico em outras regiões; o aumento da riqueza não foi acompanhado de melhora das instituições de segurança — diz Jacobo.
“Epidemia” é como o vice-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, classifica a situação dos homicídios nas capitais do Mundial. Isso porque todas têm taxas de homicídio acima de 10 por cem mil habitantes, o patamar considerado tolerável pelos padrões internacionais.
“Assassinato virou rotina"
Em Salvador, mesmo morando a menos de dez quilômetros da Arena Fonte Nova, o estádio da Copa na capital baiana, a esteticista Anete Chagas, de 30 anos, não acredita que o reforço policial programado para os dias do Mundial vai conseguir diminuir a violência do seu bairro, o Iapi.
— Assassinato aqui virou rotina. Esta semana mataram um menino, e ninguém pode falar nada — diz Anete, chorando a morte do tio Ednilson Nunes, assassinado no dia do aniversário do filho. — Estava a família reunida, era aniversário do meu primo. Quando abrimos a porta, encontramos meu tio morto em casa. Havia um tiroteio, e um dos caras pulou o muro e o atingiu. O caso nunca foi resolvido.
Além dos homicídios, o levantamento do Fórum mostrou aumento nas taxas de registros de ocorrências policiais de outros crimes em parte das cidades-sede. Em São Paulo, apesar da queda nos homicídios, houve aumento de 75,7% em estupros e de 29,5% em roubos de veículos entre 2009 e 2013. Salvador, além do aumento de homicídios, teve crescimento de 332,6% em furtos de veículos de 2010 a 2013. Já Brasília teve aumento de 132,2% no tráfico de drogas de 2006 a 2011. O Rio viu um crescimento de 199,6% em estupros de 2009 a 2013. E Cuiabá teve aumento de 91,1% em roubos de veículos de 2011 a 2013.
— Em Recife, quando vemos os dados absolutos de 2006 a 2011, houve aumento de 72% em roubos de veículos e 411% em estupros — diz José Maria Nóbrega, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Federal de Campina Grande, ressaltando que no Nordeste têm crescido, ainda, os assaltos a bancos e caixas eletrônicos, muitas vezes com uso de explosivos.
O quadro de violência crônica nas capitais não é o único problema a ser levado em conta. Há a criminalidade nas periferias e regiões metropolitanas dessas capitais, que corre o risco de aumentar nos jogos — algo “muito provável”, segundo Julio Jacobo:
— A concentração de polícias estará nas zonas da Copa. E a criminalidade não vai para lá; estará nas cidades periféricas das capitais e em zonas menos protegidas das próprias capitais.
O alerta também é feito por André Zanetic, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Estudo feito por ele constatou esse fenômeno durante os Jogos Panamericanos no Rio em 2007: enquanto a criminalidade caiu nas áreas do Pan na capital, subiu na Baixada Fluminense.
Redução momentânea
Segundo Zanetic, a cidade do Rio teve queda em 13 de 20 tipos de crimes (na comparação entre junho a agosto de 2007 e os índices previstos para o período). Já na Baixada, houve aumento em seis tipos: por exemplo, o latrocínio aumentou 110,3% lá, enquanto caiu 32,5% na capital.
— Essa redução momentânea na capital foi principalmente entre os crimes patrimoniais, furtos e roubos, com maior risco de crescer em grandes eventos, pelo maior fluxo de turistas e de movimentação financeira, e que foram um dos principais alvos do reforço policial — diz Zanetic. — Mas, depois do Pan, os crimes patrimoniais voltaram a crescer.
Segundo a Secretaria de Grandes Eventos, apesar de o percentual pago para o plano de segurança ser de 11,4% até 12 de maio, os equipamentos para ele já foram entregues; as datas para os pagamentos do que já foi entregue, diz o órgão, variam por contrato. (Colaborou Maíra Azevedo, da Agência A Tarde)