O governador Fernando Pimentel (PT) quer privatizar uma empresa pública de seu estado obedecendo ao mais tradicional ordenamento do liberalismo tucano. Ele dividiu em duas a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig) para vender a parte saudável e lucrativa e manter sob a guarda do estado a parte podre, deficitária. Como estratégia para engordar os cofres do estado e quitar dívidas acumuladas em anos de má gestão, dele e de seus antecessores, faz todo sentido. Mas atinge o coração do petismo, que faz severas e constantes críticas ao modelo de privatizações iniciado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Segundo apuração das repórteres Angélica Diniz e Ludmila Pizarro, do jornal “O Tempo”, se a Codemig fosse vendida integralmente, o estado poderia embolsar R$ 6 bilhões. Ao separar a parte lucrativa da porção deficitária, a apuração sobe para R$ 8 bilhões. A parte que será vendida explora nióbio em sociedade com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). A outra metade, extraída da Codemig e criada com o nome de Codemge, cuida de aeroportos, explora minas de água mineral e incentiva economia criativa de Minas Gerais. Não dá dinheiro.
Nióbio é um mineral altamente estratégico. Tem propriedades químicas e físicas que servem para dar dureza e densidade ao aço. Misturado a ligas de aço, confere uma enorme resistência mecânica, que dá durabilidade e eficiência a todos os produtos dali derivados. A CBMM pertence majoritariamente à família Moreira Salles, que detém 70% do seu controle.
Os outros 30% são de um grupo de empresas chinesas e de um consórcio nipo-coreano. A Codemig representa o estado, dona da concessão da mina, que fica na cidade de Araxá, no Triângulo Mineiro, e recebe 25% do seu lucro líquido. A mina produz cerca de 70% do nióbio consumido em todo o mundo
Os principais interessados na compra da Codemig são a família Moreira Salles e os seus sócios no Banco Itaú. Legalmente, qualquer ente da Federação pode vender empresas estatais. Cabe ao estado, naturalmente, regular a atividade econômica e fazer concessões.
No caso da Codemig, sua privatização é prevista na lei que a criou. Porque, teoricamente, não é papel do estado produzir minério, mesmo que o estado seja o de Minas Gerais, e o minério seja estratégico. De qualquer forma, nada impede o estado de também explorar atividades, ao invés de concedê-las. E é isso o que o PT de Pimentel sempre defendeu.
A venda da Companhia Vale do Rio Doce, em 1997, foi um marco na história antiprivatista do PT. Primeiro, com as enormes manifestações de rua ao redor da Bolsa de Valores do Rio, onde foi realizado o leilão da Vale. E, dez anos depois, no segundo mandato do presidente Lula, quando o III Congresso Nacional do PT aprovou, por unanimidade, o apoio a um plebiscito em favor da reestatização da Vale. Que não deu em nada. O manual liberal das privatizações fez o PT se opor com enormes debates, teses acadêmicas, e até mesmo um livro foi especialmente elaborado para atacar o que apelidou de “Privataria tucana”.
Em Minas, Pimentel também tentou privatizar a cidade administrativa construída na gestão de Aécio Neves por R$ 1 bilhão, e que rendeu ao ex-governador um dos oito inquéritos que o investigam por corrupção. O conjunto administrativo do governo estadual, projetado por Oscar Niemeyer, foi parcialmente desmobilizado por Pimentel, que não despacha ali, mas no Palácio da Liberdade, no centro de Belo Horizonte. Sua ideia era vender os prédios do conjunto e alugar uma parte para acomodar a administração. No ano passado, ele chegou a iniciar negociações com um fundo coreano, que não prosperou.
A saga privatista de Fernando Pimentel encontrou forte oposição na Central Única dos Trabalhadores (CUT), aliada histórica do PT, quando chegou à educação. Em julho do ano passado, o governador mandou para a Assembleia Legislativa do estado um projeto de lei autorizando Parcerias Público-Privadas para gerir as escolas públicas estaduais. O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE), filiado à CUT, atacou a iniciativa do governador, por levar ao ensino público “a lógica do mercado”.
Certo ou errado, Pimentel vai em frente. Precisa arrecadar para pagar contas, não importa o que digam PT e CUT. E é assim, enfim, que as coisas caminham e se confundem.
Ascânio Seleme é jornalista