Na entrevista que deu para Miriam Leitão, na Globonews, o ministro da Defesa Raul Jungmann acertou ao afirmar que o Rio mudou, o Brasil mudou, e a Constituição de 1988 está velha e precisa ser alterada para redefinir os papéis das instâncias da Federação no combate ao crime. Verdade, a segurança pública não pode ser responsabilidade apenas dos Estados. A União tem que assumir a sua parte.
Neste caso, se as polícias devem ser reestruturadas com urgência, o papel das Forças Armadas precisa ser redefinido com ainda mais urgência. Concordo com Verissimo que defendeu na sua coluna do GLOBO o emprego destas forças no combate ao crime.
Na cidade de Nova York, 286 pessoas foram assassinadas no ano passado. No Rio, a cada dia sete pessoas são mortas de forma violenta, o que dá 210 por mês, ou um pouco menos do que o número anual de NY. Como isso é possível? A primeira e apressada resposta culpará a má distribuição de renda, a pobreza, a falta de oportunidades no Brasil e no Rio em particular.
Guardadas todas as proporções, dá para dizer que muitos dos pobres americanos vivem tão precariamente quanto os cariocas. Os condomínios de welfare de Nova York não são muito diferentes da Cruzada de São Sebastião, por exemplo. Vai ver como vivem os americanos que moram na esquina da Timpson Place com a Avenue Saint John, no Bronx.
O que falta no Rio, e no Brasil de um modo geral, é respeito à lei e à autoridade policial.
Com 14 policiais mortos, vivemos uma epidemia de segurança comparável àquela dos anos dos sequestros em série e das chacinas. Mais de 200 policiais foram assassinados aqui no ano passado. E mais de 4 mil civis inocentes foram mortos a troco de um celular, de um punhado de reais, de um carro, uma moto, uma bicicleta. Ou vítimas de uma bala perdida na guerra entre polícia e tráfico.
Se esta é a hora de empregar as Forças Armada, e elas estão sendo empregadas, ainda que de maneira lateral, como apoio, o problema agora, nas palavras do ministro, é de recursos. Jungmann disse à Míriam que a segurança precisa ter um piso no Orçamento da União, como já têm a Saúde e a Educação, por exemplo.
De fato, é urgente melhorar os salários e pagar em dia os policiais militares e civis. É mais do urgente reequipar as unidades policiais, as delegacias. Mas se o caminho for pela via do cofre, não vamos muito longe. Se falta dinheiro para as polícias, vale analisar com mais rigor para onde vai o dinheiro das Forças Armadas. Trabalho para a reportagem do GLOBO.
Os custos das operações militares realizadas no Rio no ano passado não fazem sentido. O ministro Jungmann, disse em dezembro que nas 14 operações realizadas no segundo semestre foram gastos R$ 47 milhões. Foram mobilizados ao longo de seis meses 42 mil militares. Um contingente gigantesco, nenhuma dúvida. Mas é preciso levar uma porção de coisas em consideração antes de aceitar que este aparato custou mesmo R$ 47 milhões.
O que não se pode somar nesta conta? Primeiro, o soldo. Os salários dos militares seriam pagos de qualquer forma, com eles patrulhando as ruas da cidade ou permanecendo nos quartéis, fazendo ordem unida ou jogando vôlei. O rancho também seria consumido de toda forma, no refeitório da unidade militar ou na sombra de um caminhão estacionado na subida da Rocinha.
Uniformes e armamentos também não se pode contar. Estes são equipamentos de uso permanente do soldado. Quer somar as poucas balas disparadas? Pode somar, mas mesmo estas acabariam sendo detonadas nos estandes de tiros dos quartéis. Então o que sobra? Combustível para a locomoção dos soldados? Algumas obras no terreno para a adaptação e segurança das tropas? Ok, isso conta.
Cada um dos 42 mil homens empregados nas operações de 2017 custou R$ 1.2 mil. Obras no terreno gastam porcaria. Movimentação de containers e manilhas para levantar barreiras são mixarias e não vale a pena gastar tempo calculando isso. Mas combustível, esse sim, esse merece uma contabilidade própria.
Se todos viessem de avião de SP para o Rio, gastariam num voo Avianca de ida e volta, R$ 13,6 milhões, sobrariam R$ 33,4 milhões. Ou cada um poderia fazer a viagem SP/RIO/SP três vezes e ainda sobrava pouco mais de 40 reais por cabeça. Mas como todos circularam de caminhões e jipes e empregaram alguns tanques...
Para esses veículos, os R$ 47 milhões dariam para comprar 11.7 milhões de litros de gasolina ou 17.4 milhões de litros de óleo diesel. Se um veículo for bem regulado, ele pode rodar até 10 quilômetros com cada litro de gasolina. Esse carro consumiria, portanto, 4 mil litros de gasolina para dar uma volta completa nos 40 mil quilômetros da circunferência terrestre. Quer saber? Com os R$ 47 milhões dava para dar quase 3 mil voltas na terra.