A separação dos Poderes, um dos princípios basilares da democracia,
já não existe na Venezuela há um bom tempo
A Venezuela caiu no abismo das incertezas, um dos piores males que podem acometer uma nação. Os cidadãos vivem o hoje sem saber o que será de seu país amanhã. Muitos nem sequer têm a chance deste amanhecer indeterminado, perecendo diante da feroz repressão encampada pela Guarda Nacional Bolivariana (GNB), a milícia leal ao governo do presidente Nicolás Maduro. Fatos de gravidade ascendente se sucedem sem que se vislumbre uma saída pacífica para o caos institucional.
É fato que nenhuma nação está a salvo de intempéries de quaisquer espécies – sejam naturais, políticas, econômicas ou sociais –, mas o que torna a crise venezuelana excepcionalmente dramática é o completo esfarelamento das instituições do Estado. São estas que compõem o norte para o qual toda a sociedade deve olhar quando o caos e o desalento parecem não lhe deixar opções. E são justamente elas que os venezuelanos imbuídos de boa-fé e do desejo genuíno de superar a crise por que passa seu país não conseguem mais enxergar.
A separação dos Poderes, um dos princípios basilares da democracia, já não existe na Venezuela há um bom tempo. Executivo, Legislativo e Judiciário se confundem, quando não se cindem, como é o caso do Legislativo, dividido entre a Assembleia Nacional, de maioria oposicionista, e um arremedo de Parlamento “paralelo” que Maduro pretende formar com poderes constituintes, contando com 250 membros “da classe trabalhadora, índios, estudantes e jovens”, um eufemismo para designar os títeres do caudilho.
Diante da vitória da oposição nas eleições legislativas, o Judiciário cassou o poder constitucional da Assembleia Nacional e também passou a legislar. Na cúpula do Poder está o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), de maioria chavista, que tem servido mais como uma corte fiadora dos desmandos de Maduro, atribuindo-lhes um verniz de legalidade, do que como guardião da Constituição.
Não há dia em que a população não se insurja pelas ruas do país, sobretudo na capital Caracas, seja para defender o governo de Nicolás Maduro, seja para opor-se a ele. A repressão a estes últimos chegou a tal grau de violência que a procuradora-geral da Venezuela, Luisa Ortega Díaz, uma fervorosa devota do chavismo, denunciou oficiais do governo e membros da GNB pelas arbitrariedades cometidas contra os manifestantes, o que a alçou à categoria de inimiga pública. Em represália ao que veem como uma “traição”, o governo e o TSJ se uniram para uma série de ações contra a procuradora, entre elas o bloqueio de suas contas bancárias, o confisco de seu passaporte e a limitação de seus poderes. A chefe do Ministério Público venezuelano acusou Maduro de praticar “terrorismo de Estado” e prometeu “defender a Constituição com a própria vida”.
Diante da falta de perspectivas para uma saída constitucional e negociada para o caos que tomou conta do país, a oposição também começa a lançar mão de ações tresloucadas para fazer valer sua pauta de reivindicações. Oscar Pérez, inspetor-chefe da divisão de apoio aéreo da polícia venezuelana, contrário ao governo Maduro, tomou um helicóptero da base aérea de La Carlota, no leste de Caracas, e sobrevoou pontos-chave da capital do país com uma mensagem de protesto presa à aeronave. A tomada da aeronave, que por si só já seria grave o bastante, ganhou contornos dramáticos porque Pérez e seus seguidores dispararam cerca de 15 tiros, segundo testemunhas, contra o prédio do Ministério do Interior. De lá, voaram para a área da sede do Poder Judiciário – que estava em sessão – e, além de efetuarem mais disparos, lançaram ao menos duas granadas contra o prédio do TSJ. Maduro classificou as ações como um “ataque terrorista” e mobilizou as tropas do governo para uma caçada aos “insurgentes”.
A triste rotina de violência e descontrole leva a crer que a Venezuela caminha a passos largos para uma guerra civil, com desdobramentos políticos, econômicos e humanitários imprevisíveis, para o país e para o continente.