segunda-feira, 24 de julho de 2017

Justiça abre ação contra 11 por fraudes de meio bi no Carf e Procuradoria pede R$ 100 milhões de indenização

Fabio Fabrini - O Estado de São Paulo


Carf. Foto: André Dusek/Estadão
A Justiça Federal abriu nesta segunda-feira, 24, ação penal contra 11 pessoas por corrupção na Receita Federal e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão que julga as apelações contra multas aplicadas pelo Fisco. O grupo é acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) de envolvimento em esquema pagamento de propina para livrar o Bank Boston, atualmente Itaú-Unibanco, de autuações milionárias.

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O Itaú Unibanco esclareceu que ‘não é parte do processo e não teve acesso à decisão’. A instituição destacou que, em 2006, adquiriu as operações do BankBoston no Brasil. “O contrato de aquisição não abrangeu a transferência dos processos tributários do BankBoston, que continuaram sob inteira responsabilidade do vendedor, o Bank of America.”
Entre os réus estão o ex-diretor jurídico do Bank Boston Walcris Rosito, o auditor da Receita Eduardo Cerqueira Leite e os ex-conselheiros do Carf José Ricardo da Silva, Valmir Sandri e Paulo Cortez. Além de corrupção, os implicados vão responder por gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, apropriação de dinheiro de instituição financeira e organização criminosa. Na ação, os procuradores do caso, investigado na Operação Zelotes, pedem que os citados também sejam condenados a pagar uma indenização de R$ 100 milhões por “danos morais coletivos”.
A suposta atuação criminosa na Receita e no Carf teria feito com que o Fisco deixasse de recolher R$ 509 milhões. O Bank Boston foi adquirido pelo Itaú Unibanco durante a tramitação dos processos sob suspeita. Não há, contudo, executivos do Itaú Unibanco entre os denunciados.
Para obter o benefício milionário, o então diretor jurídico do Bank Boston teria feito pagamentos ao escritório Pagnozzi & Associados Consultoria Empresarial, de São Paulo. Conforme os investigadores, a empresa fez várias subcontratações para que o dinheiro chegasse aos julgadores da Receita Federal e do Carf. O próprio diretor jurídico do banco, segundo os investigadores, teria ficado com parte dos recursos do esquema.
Os investigadores sustentam que Cerqueira Leite, lotado na Delegacia da Receita em São Paulo, tinha acesso a informações relevantes referentes a processos administrativos e, ao longo do tempo, acumulou experiência sobre os trâmites da fiscalização tributária de instituições financeiras, tornando-se um “valioso ativo” para empresas que queriam driblar o Fisco. Conforme a denúncia, o servidor recebeu R$ 1 milhão para favorecer o Bank Boston.
“Ele não hesitou em mercanciar a coisa pública em detrimento dos princípios do órgão que o remunerava, vendendo por propina atos de ofício como o de informar sobre a interpretação e aplicação da legislação tributária”, descreve um dos trechos da denúncia.
A Procuradoria da República no Distrito Federal, responsável pela ação, diz que Cerqueira Leite concedeu, de ofício, uma revisão administrativa solicitada pelo banco. Só esse ato teria garantido o encerramento de um caso em que a instituição financeira sofria uma cobrança de R$ 20 milhões do Fisco.
Na denúncia, consta ainda um relatório da Receita Federal elaborado a partir da análise de demandas apresentadas pelo Bank Boston. Foram analisados cinco dos 31 procedimentos que passaram pela Divisão de Orientação e Análise Tributária, setor chefiado por Cerqueira Leite. Em todos, segundo o documento, há indícios de irregularidades e da concessão de benefícios indevidos ao contribuinte.
A denúncia diz que repasses autorizados por Walcris Rosito foram feitos a partir do uso de várias empresas e de sociedades em conta de participação (SCP). O diretor jurídico do Bank Boston teria ficado com R$ 880 mil.
Entre as provas incluídas no processo, constam trocas de mensagens entre os envolvidos, o que permitiu aos investigadores concluírem, por exemplo, que os contratos usados para dar aparência de legalidade aos pagamentos foram feitos posteriormente ao suposto “trabalho” prestado.
A estratégia da subcontratação se repetiu para garantir a remuneração de ex-conselheiros do Carf. A denúncia diz que em 2008, mesmo sendo contratado de forma indireta para atuar na defesa do Bank Boston, o então conselheiro José Ricardo da Silva votou a favor da empresa num processo. “Pelo ato, José Ricardo recebeu a promessa de vantagens indevidas da ordem de R$ 6 milhões. Ele teria atuado em outros recursos de interesse do banco.
Em 2012, segundo a ação, José Ricardo apresentou, como sendo de sua autoria, um voto favorável ao banco que, na realidade, foi elaborado com a participação de outros dois conselheiros, Paulo Cortez e Valmir Sandri, agora denunciados.
Valmir Sandri e um de seus sócios teriam recebido R$ 2,3 milhões.
Estado não localizou representantes da Pagnozzi & Associados Consultoria Empresarial, além de Walcris Rosito, Eduardo Cerqueira Leite e Valmir Sandri.
COM A PALAVRA, O ITAÚ-UNIBANCO
“O Itaú Unibanco esclarece que não é parte do processo e não teve acesso à decisão mencionada. O Itaú reafirma que, em 2006, adquiriu as operações do BankBoston no Brasil, sendo que o contrato de aquisição não abrangeu a transferência dos processos tributários do BankBoston, que continuaram sob inteira responsabilidade do vendedor, o Bank of America. O Itaú não tem e não teve qualquer ingerência na condução de tais processos nem tampouco qualquer benefício das respectivas decisões. O Itaú esclarece, ainda, que nenhum dos denunciados foi funcionário ou diretor desta instituição.”
COM A PALAVRA, JOSÉ RICARDO DA SILVA
O advogado de José Ricardo da Silva, Marlus Arns, disse que a defesa só vai de pronunciar depois de intimada da decisão.
COM A PALAVRA, PAULO CORTEZ
O advogado de Paulo Cortez, Ivan Morais, disse que não há elementos para justificar uma denúncia criminal contra seu cliente. Ele afirmou que acredita na inocência do ex-conselheiro do Carf e que os fatos serão esclarecidos durante a “instrução probatória”.