domingo, 2 de julho de 2017

Fabio Barbosa: ‘A economia mudou de ritmo, mas não de direção’


Foto: Amanda Perobelli/Estadão
José Fucs - O Estado de São Paulo

O consultor Fabio Barbosa, de 62 anos, que comandou alguns dos maiores bancos do País, parece convencido de que a agenda de reformas proposta pelo governo Temer sobreviverá à atual crise política, qualquer que seja o seu desfecho. Nesta entrevista ao Estado, Barbosa diz que o Congresso apoia as reformas e que não acredita na adoção de medidas populistas pelo governo para ganhar popularidade.
 Diz, também, que é muito cedo para discutir o que poderá ocorrer nas eleições de 2018. Cogitado para ser o candidato à presidência pelo Partido Novo, ao qual é filiado, ele nega intenção de aceitar o desafio. “A chance de isso acontecer é zero.”
Qual é a sua visão sobre o atual cenário político do País, com essas denúncias todas de corrupção?
Vejo o que está acontecendo de maneira positiva. O que a gente está fazendo é mostrar os problemas que temos, tanto na conduta dos políticos como na dos empresários. A melhor maneira de lidar com as situações mais críticas é justamente mostrar como elas são.
Qual a sua posição em relação à renúncia do presidente Temer e à antecipação das eleições?
Não tenho opinião formada sobre o caminho a seguir. Agora, a melhor solução é sempre a do respeito ao Estado de Direito. Há regras estabelecidas, alguns passos a trilhar, defesas a constituir. Não há necessidade de se precipitar nessa questão.  O desenrolar dos acontecimentos é que vai determinar o resultado desse processo.
Até que ponto a crise política está afetando a economia? 
Nos últimos meses, os índices de confiança dos agentes econômicos registraram uma ligeira queda. Não voltaram aos níveis de dezembro de 2015, quando atingiram os pontos mais baixos, mas sofreram pequenas retrações. Quando há mais incerteza no horizonte, os consumidores e os investidores se retraem. Isso retarda um pouco a retomada.  Para a economia funcionar de forma adequada, é importante que o grau de confiança se restabeleça.
Mesmo com o aumento da incerteza, a economia não está sofrendo tanto quanto em outras crises.  O que explica isso?
O que justifica o fato de os mercados estarem calmos, apesar da indefinição política, é que a equipe econômica tem apontado o norte de forma muito clara. Em nenhum momento se repensou o caminho a seguir.  O País precisa endereçar alguns problemas: a Previdência, a reforma trabalhista, o equilíbrio fiscal, a reforma tributária, as microreformas que permitirão o aumento da produtividade e da competitividade, a mudança do papel do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Hoje, esses assuntos estão todos na mesa. O que estamos questionando é quando conseguiremos endereçá-los e resolvê-los. O ritmo em que as reformas serão feitas ou não dependerá muito da questão política, mas o diagnóstico está mais claro do que nunca.  Isso é que conquistou o mercado.
O senhor acredita que esse descolamento entre a economia e a política é sustentável?
Prefiro não usar a palavra descolamento.  A gente poderia falar em descolamento se a política fosse para um lado e a economia para outro – e isso não aconteceu. O que ocorreu, como disse há pouco, é que a crise política segurou o ritmo de retomada da economia, mas a agenda não mudou. A equipe econômica propôs uma agenda e as forças políticas que apoiam o governo a endossaram. Em nenhum momento se acenou com mudanças na agenda, seja a atual administração, sejam as alternativas consideradas em cenários de estresse – e é por isso que o mercado está mais tranquilo.
A percepção de que a atual equipe econômica será mantida, qualquer que seja o desfecho da crise política, também explica muito dessa calmaria, não? 
Obviamente, a manutenção da equipe econômica dá respaldo à agenda de reformas e contribui muito para impedir um aumento maior das incertezas. Agora, com o cenário político mais conturbado, a execução das reformas deverá demorar mais tempo. Demorando mais tempo, a economia vai se ressentir um pouco mais. O que a gente quer é que, no seu devido tempo, os problemas da economia possam ganhar prioridade, para permitir a retomada do crescimento — e só teremos uma retomada mais acelerada quando tivermos um horizonte de confiança mais longo.
Recentemente, num encontro de empresários e banqueiros em São Paulo para discutir o atual cenário do País, a conclusão teria sido que a permanência de Temer até 2018 talvez seja o “mal menor”. O senhor participou dessa reunião? O que pensa disso?
Não ouvi falar desse encontro. Mas, pelo que sei, o raciocínio que está por trás dessa ideia é que o mercado busca reduzir o grau de incerteza. Um grau de incerteza menor estimula comportamentos que podem levar a economia a crescer, para gerar emprego, reduzir os problemas sociais, melhorar as contas públicas. Esse é o objetivo. Agora, precisa ser uma redução de incerteza duradoura.
Surpreendentemente, uma boa parte do Congresso – talvez suficiente para aprovar as reformas propostas pelo governo – parece mostrar um comprometimento com as reformas. O senhor tem a mesma percepção?
O Congresso também está mudando o ritmo dos trabalhos. Algumas coisas que a gente achou que poderiam ser aprovadas com mais rapidez ficaram para depois, mas não se viu a rejeição dessas prioridades ou – o que seria ainda pior – uma pauta diferente da que foi proposta pelo atual governo. Os políticos que estão lá acreditam nessa pauta. Estão trabalhando por ela. Outros que virão, caso o cenário de estresse prevaleça, também acreditam nessa pauta. Os políticos não vivem em outro mundo. Vivem nesse mundo – e são eles que dão respaldo à equipe econômica.
Qualquer que seja o desfecho da crise, hoje está claro que a agenda de reformas terá de continuar no próximo governo.  Mas até agora não há uma candidatura claramente comprometida com essas propostas. Em que medida isso pode afetar mais a economia?
Isso também ajuda a aumentar a incerteza, também determina comportamentos mais prudentes de consumidores e investidores, que desaceleram o ritmo da economia.  Mas ainda falta mais de um ano para a eleição. Aconteceu tanta coisa nos últimos meses e tantas outras coisas acontecerão daqui para a frente que hoje é tudo muito incerto em relação a 2018. Em outros países, vimos situações que surpreenderam, como na França, na Inglaterra, com o Brexit, e o próprio Trump, nos Estados Unidos. Apenas na reta final é que os resultados se definiram. Então, acredito que é muito cedo para fazer qualquer previsão se o Brasil manterá a agenda atual ou se vai fazer algum ajuste nela. As pesquisas ainda mostram os nomes mais conhecidos na ponta, o que é algo normal nessa fase em que não há campanha. Nem as regras da eleição de 2018 estão definidas no momento.
Há um receio crescente de analistas, investidores e empresários de que o governo recorra a medidas populistas para tentar se manter no poder e aumentar a sua popularidade, em detrimento das reformas. Qual o efeito que isso pode ter na economia?
Acho bastante improvável que o governo lance mão de coisas totalmente distintas daquela orientação que balizou sua atuação até agora. A convicção demonstrada ao longo de mais de um ano de governo sempre foi no sentido de reforçar o compromisso com uma agenda de reformas. Apesar do desgaste que lhe causou, seja na opinião pública, seja em alguns setores do Congresso, o governo se manteve firme em relação a seus objetivos. O que há são ilações desprovidas de fundamento. Pode até haver pressão política, mas não creio que essa seria a solução, porque não vai trazer ganho de popularidade e ainda vai agravar a crise.
No Brasil, os empresários sempre dependeram muito de benesses do Estado. Como isso pode afetar a agenda de reformas?
A busca dos empresários por um caminho que lhes facilite a vida não é surpreendente. É da natureza humana buscar o caminho mais fácil. Se tiver uma porta aberta, seja subsídio, seja o protecionismo, seja uma política de crédito que lhes favoreça, os empresários certamente a buscarão. O surpreendente é que tenha havido uma receptividade, uma acomodação a essa expectativa do empresariado. É preciso dizer claramente que essas portas não estarão mais abertas daqui em diante, já que não há a alternativa de continuar com políticas públicas que subsidiem o desenvolvimento, seja por convicção ideológica, seja por escassez de recursos. Se essas portas se fecharem, como estão se fechando, você condiciona o empresário a buscar ganhos de produtividade, novas tecnologias, inovação, e toda a economia sai ganhando.
A esquerda sempre diz que o liberalismo econômico é um sistema que prejudica os mais pobres. O que o senhor pensa sobre isso? 
O objetivo de qualquer política econômica é criar melhores condições de vida e bem estar para todos os cidadãos, seja no presente, seja no futuro. Uma orientação econômica mais liberal permite criar melhores condições de geração de riqueza no País e oportunidades para todos. As evidências no mundo são muito claras de que você pode ter inclusão social, sim, criando mais oportunidades, mais empregos, mais empresas, mais inovação, produtos mais baratos, com a adoção de um sistema liberal na economia. O objetivo dos desenvolvimentistas é o mesmo, dar melhores condições para todos. O que estamos discutindo aqui é qual o melhor caminho. Não existe um mais bem intencionado, nem outro menos. É obvio que programas sociais de transferência de renda, como temos tido aqui no Brasil com muito sucesso, mesmo sofrendo ajustes aqui e acolá, atacam o problema de curto prazo. Mas o problema de longo prazo só vai se resolver com a geração de riqueza.
Em geral, os economistas de esquerda costumam defender mais gastos públicos para diminuir a desigualdade no País. O que o senhor pensa sobre essa questão?
Se fosse possível resolver o problema da desigualdade aumentando gasto público não existiria pobre no mundo, porque, para resolver a questão da pobreza, bastaria gastar mais. Não haveria pobreza na África, na Índia e até em muitos cinturões aqui no Brasil. O problema é que o gasto público é limitado à capacidade de geração de receita da sociedade. A gente não pode pensar em ter gasto público se não tiver antes a geração da riqueza – e ela acontece de forma mais eficiente, pelas evidências que temos, com o setor privado gerando condições de inclusão para toda a sociedade. Depois, o gasto público poderá fazer suas acomodações, cuidando de problemas de educação, saúde, segurança, Justiça, funções típicas do Estado. O debate acaba se perdendo um pouco na ideia de que a orientação econômica liberal não se preocupa com a inclusão. Não é verdade. Querer inclusão social não é monopólio da orientação econômica de esquerda. Na verdade, todos querem isso. A questão é qual o caminho que você escolhe e produz os melhores resultados.
Recentemente, o senhor trabalhou como executivo no setor de mídia, como presidente do Grupo Abril. Como vê o crescimento das mídias digitais? Isso representa uma ameaça para os veículos tradicionais de comunicação?
Sou otimista. Cada vez que surgem novas tecnologias, aparece a tese de que o mundo vai acabar. Mas a sociedade  a isso.  Hoje, está todo mundo conectado pelo smartphone, as informações chegam mais rápido do que nunca. Agora, ficou fácil publicar informações e dados em blogs sem a devida checagem – e o pessoal repassa adiante. Mas eu estou vendo um número cada vez maior de pessoas questionar “será que isso é verdade, será que não é?”. Então, embora haja uma proliferação muito grande de blogs e sites que não têm substância, a mídia estruturada tem o papel de garantir a fidelidade daquilo que está sendo propagado como notícia. Com o tempo, o mercado vai acabar por selecionar quais são as fontes confiáveis e quais não são. Hoje, a população está muito mais bem informada do que jamais esteve e isso é fruto de desenvolvimento tecnológico e das redes sociais, que criaram condições para uma disseminação de informações que nunca tivemos no mundo, que é pré-condição para uma boa democracia.