O ditado acima, em latim diz que a corrupção das melhores coisas as transforma nas piores. Vale para a política, o crédito, a economia e as condições de bem-estar de um País. O Brasil tem os requisitos para ser um paraíso: é uma terra de oportunidades com recursos naturais abundantes, capacidade empresarial, clima bom, máquinas prontas para produzirem, estoques baixos e um comércio moderno. Mesmo assim se tornou um pesadelo para parte expressiva da sua população.
A imagem é assustadora. Colocando todos os 13,77 milhões de desocupados no Brasil lado a lado de braços abertos formariam uma linha de 22.928 km. É uma distância maior que o perímetro do País, que mede 22.670 km, 15.179 km de fronteiras com nove países mais 7.491 km de litoral, do Oiapoque ao Chuí.
Se incluirmos suas famílias e os subempregados, teremos mais de uma volta de cidadãos com problemas num País em que há tudo e onde milhões deles estão sofrendo danos irreparáveis, em sua quase totalidade das camadas mais pobres.
A falta de emprego tem consequências graves, como diminuição da autoestima, deterioração de laços familiares, destruição de lares, perdas patrimoniais – são dezenas de milhares de imóveis retomados por falta de pagamentos – e redução do padrão de vida, que em alguns casos é a porta da miséria.
A demora na retomada do emprego é cruel para as esperanças de uma vida em consonância com as possibilidades do País. Mais amedrontador é o consenso que se vem formando de que a economia está tendo o melhor desempenho possível, considerando as condições existentes, e o emprego virá a reboque do crescimento, devagar e defasado.
Essa concordância é perigosa, pois não é verdadeira. É possível acelerar a retomada do emprego e da economia. É fato, o Poder Executivo melhorou a condução da economia em alguns aspectos, mas também é fato que seu desempenho foi fraco até agora. O número de desempregados aumentou, o déficit primário subiu, a dívida pública se avolumou e duas empresas de rating mudaram a perspectivas do crédito soberano do País para negativa.
A prioridade da atual política econômica é manter a solvência do Estado. Que é importante e necessária. Entende-se que dessa forma o crescimento virá como consequência e a questão da desocupação é tratada como residual. Deve ser destacado que a saúde das contas públicas é um meio para o bem-estar da sociedade, não o contrário.
Para o saneamento das finanças do governo estão sendo usando dois instrumentos, o ajuste fiscal e a reforma da Previdência. A qualidade do aperto de gastos é baixa, houve um contingenciamento falho nas despesas discricionárias, como cortes para a emissão de passaportes e para a Polícia Rodoviária, a Previdência aumentou de peso, mas o inchaço da folha de pagamentos do governo é o que mais se agravou.
A reforma da Previdência é necessária, mas a apresentada até agora é tímida, trata apenas do setor privado, quando o problema principal é o público. Outro ponto é que, no curto prazo, diminui a oferta de novas vagas, pois os trabalhadores atuais vão ficar mais tempo na ativa até se aposentarem. Mais um agravante na questão do desemprego.
É fato, o País vai crescer neste ano e nos próximos, mas isso já era o projetado há mais de dois anos. A atual equipe econômica tem capacidade de execução, conseguiu aprovar todas as medidas que propôs, mas apresenta desacertos na formulação da estratégia de reativação do emprego e da atividade. Uma parte das falhas está em restrições institucionais e políticas e outra, na falta de um projeto Brasil.
A corrupção na política corrompeu a política econômica. A concentração de renda está entre as dez piores do mundo, que com a crise está aumentando, e o potencial de crescimento é cerceado por causa das distorções. A gestão desvirtuada deixa sequelas maiores ainda que os recursos desviados pela corrupção direta.
Um exemplo é quando simultaneamente ocorre o cancelamento do reajuste dos benefícios do Bolsa Família e a liberação de emendas para parlamentares por apoio em votações no Congresso. Outro, quando é anunciado que sem a reforma da Previdência “acabarão programas sociais”, em vez de se reduzirem verbas para o Congresso Nacional. Há dezenas mais que explicam bem por que o País cresce pouco e para poucos.
É fato que a crise em Brasília atrapalha, mas para avançar é necessário que a sociedade foque também na mudança da política econômica, e não só dos políticos. Não se pode cobrar do Planalto a execução de um projeto Brasil que não existe e com certeza não vai ser elaborado na capital federal.
A sociedade civil também se corrompeu, pela complacência em delegar a política econômica só aos políticos, não assumindo sua responsabilidade nata. Urge que a cidadania defina que políticas devem ser adotadas e cobrar dos políticos a sua execução.
Há medidas que podem ser exigidas para aprimorar a política econômica atual. No curto prazo, são necessárias ações para melhorar as condições operacionais das pequenas e médias empresas, que são as que geram mais empregos e as mais afetadas pela crise. O ajuste fiscal pode ser aperfeiçoado com medidas como o congelamento dos salários do funcionalismo, aumentando a tributação sobre rendimentos de aplicações de renda fixa e acompanhando o que acontece com os juros da dívida pública.
Para um crescimento vigoroso é imperante ter uma agenda de reformas mais ambiciosa, a apresentada até agora trata apenas parcialmente da previdenciária e da trabalhista. Além de aprimoramentos nessas duas, poder-se-ia avançar em outras, como a administrativa, a bancária, a cambial, a fiscal, a do Judiciário, a tributária e a política. É possível fazer mais na crise, sim. O País não pode mais ser apenas um espectador do que acontece na capital. É isso.
*Doutor em economia, foi economista-chefe da Febraban e professor da USP e da PUC-SP. e-mail: