Silvio Navarro, Laryssa Borges e Marcela Mattos - Veja
Vitória do peemedebista é dura derrota para a presidente Dilma, que mobilizou ministros para angariar votos para Chinaglia mas viu desafeto levar a eleição
Candidato à presidência da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (Reuters)
Eram 18h47 da tarde deste domingo quando o deputado Eduardo Cunha (RJ), um rebelde na governista bancada do PMDB, encerrou seu discurso na tribuna da Câmara dos Deputados sob o coro de “presidente” e forte aplauso. “Temos que nos dar o respeito para ser respeitados”, discursou o peemedebista. No fundo do plenário, um grupo de deputados da oposição comentava animadamente: “Vai ser pior do que o governo pensava”. E foi. Com 267 votos – dez a mais do que o mínimo necessário –, Cunha foi eleito presidente da Câmara, o segundo cargo na sucessão da presidente Dilma Rousseff, atrás apenas do vice-presidente da República.
O resultado surpreendeu o Palácio do Planalto, cuja contabilidade indicava que a disputa terminaria em segundo turno, quando seu candidato, Arlindo Chinaglia (PT-SP), poderia virar o jogo herdando os votos do terceiro nome na disputa, Júlio Delgado (PSB-MG) – que recebeu 100 votos. O petista teve o apoio de 136 deputados, Chico Alencar, do Psol, recebeu 8 votos. Houve 2 votos em branco.
Com uma campanha feita boca a boca, recheada de promessas corporativistas e insuflada pelo discurso de independência do Palácio do Planalto, Cunha procurou um a um os parlamentares e cortejou na véspera da eleição os 198 novatos que desembarcaram em Brasília. Segundo aliados, não dormiu de sábado para domingo – mas não se trata de ansiedade, e sim de telefonemas e conversas que vararam a madrugada. Após a vitória, houve queima de fogos na frente do Congresso.
“Em nenhum momento falamos que seríamos oposição e não seremos. O governo sempre terá legitimidade, mas houve uma tentativa de ingerência do Poder Executivo e o Parlamento soube reagir. Não temos que fazer disso uma batalha nem qualquer tipo de sequela”, afirmou, depois de eleito.
Um dos mais hábeis negociadores políticos em atividade do Congresso Nacional, Cunha está no quarto mandato e liderou até a véspera a poderosa bancada do PMDB. Com ótimo trânsito no chamado “baixo clero” da Casa – deputados sem grande expressão --, ele capitaneou uma série de rebeliões na base governista durante o primeiro mandato dada a capacidade de aglutinar forças independentemente da coloração partidária. Não é exagero afirmar que nenhum projeto relevante foi aprovado no primeiro mandato de Dilma sem que ele estivesse na mesa de negociação. Agora, só seu cacife cresce ainda mais.
E por que o cargo de presidente da Câmara é tão relevante neste momento? A partir desta segunda-feira, será Eduardo Cunha quem terá a prerrogativa de pautar os projetos que serão votados na Casa num ano em que o governo precisará desesperadamente aprovar, por exemplo, o pacote de medidas econômicas. Também será ele quem poderá acelerar ou barrar textos que tratam das reformas política ou fiscal, chancelar a abertura de CPIs e até a instauração de processos de cassação de mandatos. Num cenário extremo, será ele o articulador – ou não – de um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
O discurso de independência do Legislativo ganhou tanta força nos minutos que antecederam a votação que o próprio candidato oficial tentou pegar carona. “O erro de imaginar que a Câmara possa ser um poder subordinado é não perceber que é a Câmara que decide as leis, que decide a regra. É a Câmara que decide aquilo que os outros poderes podem ou não fazer”, discursou Chinaglia. Mas era tarde. Às 20h30, Eduardo Cunha seria eleito e encerrava a mais acirrada eleição na Câmara desde a madrugada que o pernambucano Severino Cavalcanti (PP) derrotou o PT. Nos dois casos, as vitórias foram turbinadas pelo baixo clero. A diferença, porém, é que o folclórico Severino nunca teve a pretensão de peitar o governo.