sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

"O procurador que sabe demais", por Eliane Cantanhêde

O Estado de São Paulo


A história um tanto nebulosa das ameaças ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, confere ao ambiente político, já tão carregado de nuvens negras, um ar que oscila entre a dramaticidade e a incredulidade. Em qualquer caso, grave.
Tais ameaças teriam sido detectadas pela área de inteligência do governo e justificado ao menos um encontro do ministro da Justiça com o procurador, sem constar previamente da agenda e sem pauta específica. As circunstâncias e os personagens embaralham ainda mais o drama.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, já é protagonista desde que se enrolou para explicar um encontro fora da agenda com um advogado da UTC, empreiteira que está no centro da Operação Lava Jato. E o procurador-geral da República está para entregar, vejam vocês, a lista dos políticos envolvidos no maior escândalo da história, o da Petrobrás.
Uma dedução lógica, portanto, é que Cardozo pode muito bem ter ido até Janot para tratar de Lava Jato, quem sabe dar uma espiada na lista, quem sabe até demonstrar satisfação pela inclusão de uns, aborrecimento pela de outros. Mas tudo isso são ilações.
Na primeira versão, oficial, o encontro foi para tratar das medidas anticorrupção, aquelas que o governo anuncia de 15 em 15 dias, quando não tem muito a acrescentar ao script. Na segunda, extraoficial, foi para tratar da tal ameaça contra Janot, que estaria agora com o esquema de segurança reforçado. Mas... livre para conversar também com o vice-presidente Michel Temer, do PMDB, um dos partidos mais enrolados.
Cardozo e Janot são pivôs da queda de braço que ocorre nos bastidores entre o governo e empreiteiras envolvidas na Lava Jato. A estratégia do governo para a Lava Jato é tentar fechar uma confissão conjunta de cartel das empreiteiras, tanto nas delações premiadas na Justiça quanto nos acordos de leniência com a Controladoria-Geral da República.
Nessa hipótese, sonho do Planalto e do Instituto Lula, as investigações seriam encerradas com a incriminação das empreiteiras, sem atingir PT, PMDB, PP, as campanhas e os governos de Lula e Dilma. A corrupção seria das empresas, não de um esquema político para eternizar o PT no poder.
Até aqui, a versão de um (mais um...) cartel de empreiteiras vem sendo corroborada pelo site do Ministério Público e pelo trabalho do juiz Sérgio Moro, que exclui os políticos das delações para não entregar os desdobramentos para o foro privilegiado, o Supremo Tribunal Federal.
Resta saber, portanto, quais serão os próximos passos de Moro e do MP a partir da divulgação da lista de políticos do agora ameaçado Janot. E até que ponto os empreiteiros e os executivos trancafiados estão dispostos a ceder e o quanto vão resistir à pressão - inclusive, ou principalmente, das famílias. Essa pressão de mulheres e filhos é para que entreguem todo mundo, ponto final.
Nunca se deve menosprezar, porém, o "poder de convencimento" (com ironia, por favor) das canetas e dos governos. As empreiteiras reclamam que BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal fecharam as torneiras não apenas para elas, mas para seus conglomerados. Faz uma diferença fenomenal, ou melhor, bilionária. A construtora Odebrecht, por exemplo, é apenas um pedaço do Grupo Odebrecht. Se uma quebrar, sobrevive-se. Se for a outra, é o fim do mundo.
A pressão é para que os empresários e seus executivos assumam a tese de cartel e deixem os responsáveis políticos em paz. Mas não dá nem para apostar nisso e o governo dormir tranquilo, porque a qualquer hora alguém pode botar a boca no trombone e explodir toda a estratégia de Lula, Dilma, governo. Logo, há muito mais em jogo e muito mais gente sob ameaça do que apenas Janot. Se é que ele efetivamente está.