sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

'Aperto de cinto': Governo acena com corte de R$ 65,5 bilhões

MARTHA BECK, CRISTIANE JUNGBLUT E FERNANDA KRAKOVICS - O Globo

Decreto intensifica ajuste fiscal, enquanto Executiva do PT pressiona por mudanças

Em meio às intensas negociações com partidos da base aliada para a aprovação das medidas de ajuste fiscal, o governo deu mais mais um passo para reduzir suas despesas este ano: editou um decreto que limita os gastos de custeio e investimento dos ministérios em R$ 75,155 bilhões até abril. Se projetada até o fim do ano, a medida representa um corte de 22,5% no Orçamento de 2015, ainda não aprovado.


Dos gastos previstos até abril, R$ 59,980 bilhões são para despesas de custeio e R$ 15,175 bilhões, para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O valor total fixado para essas despesas na proposta Orçamentária de 2015 é de R$ 291 bilhões. Assim, pelos cálculos de técnicos da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, se o decreto relativo ao primeiro quadrimestre for aplicado durante todo o ano, os gastos autorizados chegarão a R$ 225,5 bilhões. Na prática, o governo está fazendo um contingenciamento de R$ 65,5 bilhões. Esse número é quase o total da meta de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) prevista para 2015, de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).
Enquanto a tesoura do governo cortava mais despesas e o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, em visita ao Congresso, afirmava que o ajuste “não tem nenhum excesso”, a Executiva Nacional do PT demonstrava que a aprovação das medidas do governo permanece um desafio. Em nota, a instância máxima do partido defendeu o “aperfeiçoamento” das medidas provisórias e a manutenção do reajuste da tabela do Imposto de Renda em 6,5%, vetado pela presidente Dilma Rousseff.

Como o Orçamento de 2015 ainda não foi aprovado pelo Congresso, a equipe econômica decidiu, com o decreto de ontem , dar um parâmetro para os gastos dos órgãos públicos e sinalizar que está comprometida com o ajuste fiscal. Em nota, o Ministério da Fazenda afirmou que a proposta “preserva a execução de atividades prioritárias” e também sinaliza o efetivo comprometimento do ajuste fiscal. O secretário do Tesouro, Marcelo Saintive, lembrou que a medida abrange os gastos discricionários (incluindo investimentos), mas não os obrigatórios. E destacou que a ideia do decreto é mostrar que, num momento de aperto, é preciso ajustar o ritmo dos gastos à entrada de receitas:

— Queremos dar previsibilidade aos pagamentos. É programar fluxo de caixa de acordo com a disponibilidade financeira. Ao dar previsibilidade ao caminho das contas públicas, você prepara as bases para um crescimento maior da economia.

BARBOSA SE REÚNE COM RENAN E CUNHA

No Congresso, o ministro Nelson Barbosa reagiu às pressões dos parlamentares e do próprio PT para que as medidas provisórias, que restringem direitos trabalhistas e previdenciários, sejam mudadas. Ele ressaltou que as ações definidas pelo governo estão “bem distribuídas” e ressaltou que o decreto suspendendo R$ 32,6 bilhões de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), revelado pelo GLOBO ontem, faz parte da estratégia fiscal do governo.

— A gente acha que o que a gente mandou não tem nenhum excesso. O que a gente mandou está na medida certa, na medida necessária para corrigir as distorções. Obviamente que as pessoas fazem as sugestões, e a gente está aqui para defender as nossas propostas — disse Barbosa, ao deixar o gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RJ).

Barbosa se reuniu ainda com o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O ministro foi ao Congresso para pedir apoio às MPs do ajuste fiscal e disse que os parlamentares entendem a necessidade das medidas e que tem sido “bom o apoio”. Na saída do encontro, o ministro admitiu que o ajuste fiscal pode causar “recessão no curto prazo”, mas que o objetivo futuro é a retomada do crescimento econômico.

— Essas MPs são parte de uma estratégia, de um ajuste fiscal gradual e bem distribuído, necessário neste momento e que pode ter um impacto recessivo na economia no curto prazo, mas que tem um impacto expansionista, porque viabiliza a recuperação do crescimento.

Enquanto o ministro defendia as medidas no Congresso, a Executiva Nacional do PT aprovava resolução política com críticas às decisões da equipe econômica. O partido reclama que o governo quer fazer o ajuste fiscal somente em cima dos trabalhadores — já que elas alteram regras de benefícios como o seguro-desemprego, auxílio-doença, abono salarial e pensão por morte — sem onerar as camadas mais ricas da sociedade. 

Parlamentares da legenda apresentaram emendas propondo alterações na essência das duas medidas provisórias, pois temem comprar uma briga com o movimento sindical, no momento em que a avaliação do governo Dilma despencou e em que setores da oposição defendem o impeachment da presidente.

Em jantar anteontem com senadores do PT, o ex-presidente Lula defendeu o ajuste fiscal. Apesar de não discutir o mérito das medidas, tentou convencer os senadores da necessidade de aprovar o ajuste. Porém, ele reclamou da comunicação de governo. Segundo participantes do encontro, Lula disse que falta explicar ao país por que as medidas são necessárias.

— Qual o país queremos entregar ao sucessor da Dilma? É isso que está faltando explicar por parte do governo e do PT — disse Lula.