sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

'A ladeira abaixo da Globo e o meio do caminho das startups', por Bruno Meyer

 

Gisele Bündchen causa alvoroço na Sapucaí | Foto: Divulgação


O recorde negativo da Rede Globo no Carnaval, os próximos unicórnios brasileiros e a "única profissão que vai sempre funcionar"


O Carnaval brasileiro viveu uma controvérsia neste ano. Com ruas e arquibancadas cheias, camarotes abarrotados de gente e Gisele Bündchen no centro de um deles, a Rede Globo — detentora das transmissões dos desfiles das escolas de samba — vendeu uma mísera cota de publicidade de cinco disponíveis no mercado. É um recorde negativo que choca até mesmo a ala um tanto otimista da área comercial da emissora, que acreditava que, na semana anterior aos desfiles, mais marcas poderiam entrar. Não entraram — e o estrago acende um sinal amarelo nas próprias escolas de samba cariocas e paulistas, que recebem dinheiro da emissora pelas transmissões.

Gisele Bündchen | Foto: Reprodução

O Carnaval encalhado

A área comercial da Globo já viveu esse sufoco em 2022. Em maio, meses antes da Copa do Mundo, a emissora penava para vender as cotas de patrocínio — a ponto de um importante anunciante dizer à coluna que, em anos anteriores, a emissora já teria nesse período vendido 90%. Em 2023, mesmo com um evento de menor proporção que uma Copa, a situação foi pior: só a Ambev fechou. O que pode ter acontecido? “O consumo de imagens mudou: não há mais a hegemonia de um único meio para exibi-las, a audiência se divide em diversas plataformas, e, claro, as verbas publicitárias são cada vez mais fatiadas entre os meios”, diz o empresário e estrategista de imagem Luciéllio Guimarães. “Nunca mais será como antes. Se apegar às velhas fórmulas é nostalgia, e não estratégia.”

Imperatriz Leopoldinense, campeã do Carnaval do RJ em 2023 | Foto: Ismar Ingber/RioTur

* * *

Entre a glória e a escassez

O Brasil deve viver um 2023 no “meio do caminho” nos investimentos em startups do país, se comparar o ano glorioso de 2021 e a queda de 2022. Essa é a opinião de João Ventura, investidor de empresas como o QuintoAndar e CEO da plataforma Sling Hub, focada em startups da América Latina. Em 2021, as startups brasileiras receberam US$ 10,5 bilhões em investimentos. No ano passado, o volume investido teve uma queda de 50%: US$ 5,2 bilhões, um valor considerado bom, maior que 2020, mas longe do ápice vivido antes.

Frente da sede do banco digital Nubank, em São Paulo | Foto: Shutterstock

Os unicórnios brasileiros

Os unicórnios — empresas que passam a valer mais de US$ 1 bilhão — também reduziram em 2022: foram apenas dois cases brasileiros, as fintechs Neon e Dock. Para efeitos de comparação, em 2021, esse número chegou a dez. O freio dos investimentos em startups se deve sobretudo a um fator econômico: a escalada de juros no mundo diminuiu o apetite por ativos de risco, como a renda variável. Mesmo assim, as startups ainda devem atrair bons investimentos em 2023. “Há muitas que receberam aportes nos últimos seis a nove meses e devem fazer rodadas maiores neste ano”, analisa Ventura.

Os Nubanks genéricos

Qual é o “próximo Nubank”, a mais famosa fintech brasileira? Eis uma pergunta que circula no ecossistema das startups. Para Ventura, as fintechs — startups do ramo financeiro — seguem dominantes na preferência de muitos investidores, mas há uma segunda onda que surgiu recente: bancos digitais que se especializam em produtos específicos

* * *

“O empreendedorismo sempre vai funcionar”

Fernando Dolabela: mais de 350 mil exemplares com livro sobre empreender | Foto: Divulgação

A Sextante vai colocar nos próximos dias nas livrarias brasileiras uma nova edição de O Segredo de Luísa, de Fernando Dolabela, título que já vendeu 350 mil exemplares desde o lançamento, em 1998. É uma obra precursora de uma avalanche de livros que apareceu nas estantes do mercado editorial nos últimos anos. Dolabela, uma das vozes pioneiras do empreendedorismo nacional, falou à coluna.

Quais as maiores mudanças no perfil do empreendedor brasileiro e sobretudo no interesse dos brasileiros em empreender? 

Quando comecei, as pessoas não conheciam essa palavra: empreendedorismo. A crença, não só no Brasil, mas também em outros países, era de que a pessoa tinha de ter um dom. Mas não é isso. O que há de novo no mundo, do século passado para este, é que se descobriu que qualquer pessoa é capaz de criar um modelo mental empreendedor. Nos lugares onde o empreendedorismo é ativo e forte são geradas inúmeras startups e empresas de alto crescimento, e tudo porque existe uma cultura empreendedora. As pessoas valorizam positivamente o empreendedorismo, e isso é fundamental.

Qual dica funciona nos dias atuais e que funcionou também em 1999?

De todas as profissões, a única que sempre vai funcionar é o empreendedorismo. Seja na era do conhecimento, da velocidade, seja na era digital: ele vai funcionar. Nós estamos na era da inovação, e o papel do empreendedor é criar o futuro. Não estamos falando de uma atividade que vai se submeter a outras. O empreendedor não se submete. Não por rebeldia, mas porque ele quer expandir a sua criatividade e transformar o mundo.

Qual é o empreendedor brasileiro que mais admira? E por quê?

Eu admiro a Rosanira. Ela mora em São Luís do Maranhão, o avô era escravo. Ela é negra, tem seus 45 anos e há mais de 20 anos comanda uma empresa que gera empregos para outras famílias. Essa é a minha heroína, uma heroína brasileira que, apesar da sua origem e da dificuldade que encontra, é capaz de gerar renda. Há grandes empreendedores que eu admiro profundamente, mas eu estou falando do que o Brasil precisa: de empreendedores da base da pirâmide, que sejam incentivados, apoiados, porque deles depende o Brasil. Para mim, a Rosanira é a grande empreendedora do país.

bruno@revistaoeste.com 

Revista Oeste