sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A ditadura do politicamente correto chega às orquestras, escreve Joshua Nichols

 

Pintura de uma orquestra filarmônica | Ilustração: Mohamad Ferus bin Kassim/Shutterstockhutterstock


Um guia da Liga das Orquestras Americanas coloca a demagogia política acima da herança musical de um Beethoven


A Liga das Orquestras Americanas (LAO, na sigla em inglês) lançou recentemente um guia que incorpora os conceitos de diversidade, equidade e inclusão (ou DEI) na programação artística das orquestras. Ela afirma que o guia “propõe estratégias práticas para orquestras que querem diversificar seu repertório apresentado, lançando mão de entrevistas de orquestras com orçamentos de todos os tamanhos”. Enquanto muitas defendem concertos com mais diversidade e programação mais inclusiva, esse guia específico se envolve no planejamento artístico. O problema da publicação é que ela destrói a meritocracia no repertório e coloca um fardo pesado para que as organizações artísticas escolham a diversidade em vez do mérito composicional.

Foto: Tzido Sun/Shutterstock

“O ‘Catalyst Guide’ examina filosofias, desafios, fatores para o sucesso e os recursos relacionados à programação que surgiram até o momento na jornada das orquestras, para a equidade dos programas.” A linguagem parece inofensiva aqui, sem dúvida existem muitas filosofias, muitos desafios e fatores a serem considerados pelas orquestras, pequenas e grandes, para lhes trazer sucesso. No entanto, a postura moral da LAO é clara e um reflexo da esquerda moderna. Os comentários de Kerrien Suarez no prefácio confirmam isso:

“A maior parte do trabalho de diversidade, equidade e inclusão no planejamento artístico se concentrou na perspectiva de aumentar a representação por meio do comissionamento de novas obras e de trazer artistas convidados de comunidades historicamente pouco representadas. Essa é uma estratégia ‘de fora para dentro’ que pode ser executada com pouca ou nenhuma mudança nos valores internos, na liderança e nas operações da organização. O ‘Catalyst Guide’ desafia os regentes das orquestras a adotarem práticas de planejamento artístico que promovam transformações de ‘dentro para fora’, indo além da representação que vemos e ouvimos no palco”.

O que Kerrien está defendendo não é bom para o planejamento artístico das orquestras. Historicamente falando, orquestras planejavam um pouco de algo antigo com um pouco de algo novo em suas temporadas. Mas, mesmo assim, o que as orquestras planejavam eram as melhores composições do último meio século. Apesar de ser fato que Beethoven era um europeu branco, sua música não é. Sua música simplesmente não pode ser considerada “branca” de modo indistinto, em função das variadas influências de seu compositor: dança italiana, música de Corte barroca alemã, a França rococó e muitos, muitos outros fatores. Sua música sobreviveu simplesmente por ser excelente.

Ludwig van Beethoven | Foto: Reprodução Redes sociais

Mas o que a torna excelente? A música clássica chega à excelência não no contexto imediato de sua primeira, mas na sua ducentésima execução, 200 anos no futuro. Quanto mais distante uma composição está, do ponto de vista do tempo, de sua gênese cultural, mais abstrata ela se torna, e, assim, a única coisa que resta é o mérito. As plateias são diferentes, têm gostos culturais diferentes e observam valores morais e estéticos diferentes. Até mesmo os instrumentos das orquestras mudam, e então o som da música fica diferente. O compositor está morto, enquanto novos públicos estão sempre surgindo. No entanto, a música sobrevive. E sobrevive por seu mérito próprio.

Mas, no discurso messiânico da LAO, “temos um imperativo moral de trazer à tona vozes injustamente silenciadas pelo racismo e pela discriminação”. Essa atitude moral extirpa por completo a necessidade de uma peça musical perdurar por seu próprio mérito. É mais importante (por ser um imperativo moral) “trazer à tona vozes injustamente silenciadas”, porque o mérito da composição não importa mais; a identidade racial, sexual e de gênero, sim. Isso é claramente afirmado no capítulo 1 do guia da LAO: “O reportório será enriquecido pela descoberta de novas vozes e pela recuperação de legados importantes” (grifo meu). Normalmente, em uma meritocracia, um repertório de composições é enriquecedor, porque a música é profunda e significativa para múltiplas gerações de pessoas, não apenas porque ele atende a critérios importantes para uma época e uma cultura.

O guia quer tornar orquestras “relevantes” pelo enfrentamento da suposta injustiça nas orquestras, e não pela descoberta e pela execução das maiores obras da arte da música. Não vai funcionar, porque orquestras não podem ser morais. Elas reagem ao mercado de ideias e à descoberta de novas vozes musicais. E só podem ser veículos para encontrar o que, no fim das contas, é merecedor para sua época, mesmo enquanto relembram às novas gerações o que foi excelente no passado.

Concerto no Victoria Hall, em Genebra, Suíça | Foto: Martin Good/Shutterstock

A LAO trata da meritocracia dizendo que qualquer acusação de que um repertório não familiar tem qualidade inferior é racista: “O pressuposto subjacente de que compositores racializados são menos talentosos que compositores brancos é fundamentalmente falso e racista”. Mas, por uma questão matemática, se sua preferência por diversidade e inclusão ultrapassa o mérito ou o valor da composição, você necessariamente obtém um repertório de menor qualidade. Precisamos buscar os maiores compositores da nossa geração e nas gerações passadas e nos envolver com sua música com base em seus méritos musicais — a cor da pele, a preferência sexual ou o gênero que se danem.

Precisamos oferecer um mercado livre de ideias para decidir, por meio do processo confuso de ouvir uma peça musical repetidas vezes, com ouvidos diferentes e em momentos diferentes, o que deve resistir ao teste do tempo. Manipular o sistema para evitar os méritos de uma composição em troca de composições mais diversas vai arruinar o que as orquestras clássicas são capazes de fazer e o que devem fazer: tocar a melhor música de que temos notícias, sem consideração por raça, classe, gênero e orientação sexual.


Joshua Nichols é doutor em música, compositor profissional, professor de música e organista. Compõe para orquestras grandes e pequenas, para filmes e para a televisão. Leciona para estudantes de diversas gerações e nacionalidades, como a finlandesa. Nichols toca piano regularmente.

Artigo publicado originalmente no AIER — American Institute for Economic Research

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Revista Oeste