A extração de petróleo no Brasil vem crescendo nos últimos anos. E isso é uma benção para um País desigual como o nosso. Segundo dados da Petrobras, a produção brasileira em outubro de 2019 foi mais um recorde: cerca de 2.9 milhões de barris por dia. Os campos marítimos produziram 96,5% do petróleo e 81,1% do gás natural. Estes dados nos colocam em 17º no ranking mundial. Nada mau para quem, há menos de 20 anos, importava quase tudo que consumia. Felipe Kury, diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), disse à Agência Brasil, “que o Brasil caminha para ser um dos líderes na extração nos próximos 10 anos.”
Extração de petróleo no Brasil nos últimos dois anos: 72 blocos de exploração vendidos
Kury destacou que foi uma jornada muito intensa a dos últimos dois anos para retomar os leilões. Foram vendidos 72 blocos com arrecadação de R$ 28 bilhões em bônus de assinatura. “É uma demonstração significativa da retomada do processo exploratório de petróleo no Brasil.” Lembramos que o mais recente leilão da ANP, de outubro de 2019, rendeu nada menos que R$ 8,9 bilhões de reais aos cofres públicos. Mas foi um leilão polêmico. Contra parecer de técnicos do Ibama, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles insistiu em colocar sete blocos adjacentes ao santuário marinho de Abrolhos, no sul da Bahia. Felizmente, estes blocos não receberam qualquer lance.
Megaleilão do pré-sal em novembro
A revista Veja lembra que “no dia 6 de novembro em que serão ofertadas áreas do pré-sal na bacia de Santos. A expectativa é arrecadar 106 bilhões de reais. Já estão habilitadas para participar 14 empresas de 11 países. A lista inclui multinacionais como BP Energy, Chevron, ExxonMobil, Shell, Total, Petronas e as chinesas Cnodc e Cnooc, assim como a Petrobras.” O Mar Sem Fim torce para o sucesso do leilão de novembro. Mas, aproveitando a deixa, vamos recordar que muitas destas megaempresas estão entre as 20 mais poluídas do mundo, e que o Brasil já mostrou que não está preparado para lidar com os acidentes comuns na extração. Basta ver o que está acontecendo no Nordeste.
Os problemas do derramamento no Nordeste
Mais uma vez, a reação do governo foi tardia e atabalhoada. Como sempre, sobraram acusações sem provas. No início, o governo, por parte da Presidência, sugeriu uma ação deliberada da Venezuela. Muitos dias depois, e desta vez por parte do ministro do Meio Ambiente, as acusações se viraram contra uma ONG, o Greenpeace. E o bate-boca prossegue pela mídia e redes sociais. Enquanto isso, o Ministério Público diz que “União se mantém omissa, inerte, ineficiente e ineficaz” por não implementar até agora o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional. O governo nega. A briga está na Justiça. A opinião pública continua atônita, seja pelas acusações, seja porque o óleo continua atingindo os mais importantes ecossistemas marinhos do Brasil. E não há muito o que se possa fazer para retirá-lo. Quem sabe, no futuro, consigamos com avanços na tecnologia.
As dificuldades que se impõem com a extração de petróleo no Brasil
É fato que o que aconteceu no Nordeste é algo inédito no mundo. Nunca houve um derramamento desta envergadura, sem que se saiba os motivos imediatamente. E isso não é culpa do Governo. Mas mostra como estamos despreparados para lidar com o perigo que se avizinha. Quanto mais produção, maiores as possibilidades de derrames. Não houve informação centralizada pelo governo. E sua demora na reação provocou comoção popular. Milhares de pessoas comuns arregaçaram as magas e foram à luta, removendo o piche sem qualquer precaução. E sem informações do governo em tempo hábil para protegê-los.
Mas, de quem é a responsabilidade?
Como bem lembrou a BBC, “Em seu artigo 20, a Constituição cita entre os bens da União as “praias marítimas” e “os terrenos de marinha e seus acrescidos”. “Terrenos de marinha e acrescidos” são as áreas localizadas numa faixa de 33 metros contados a partir do mar em direção ao continente, assim como as margens de rios e lagoas que sofrem a influência de marés.” Portanto, não reta dúvida, a responsabilidade é do Governo Federal, não de municípios ou Estados atingidos. Mas foram eles que, ante a omissão e as cabeçadas, saíram à frente.
Quem paga a conta pelos derramamentos de petróleo?
Chegamos ao ‘x’ da questão. Os desastres com petróleo tem enorme potencial de danos, e as dificuldades em conter o óleo são ainda mais difíceis. Uma coisa entretanto é consenso. O custo, normalmente, é caríssimo. Quem paga a conta?
Discussão recente sobre a destinando dos royalties do petróleo
Recentemente esteve na pauta a redistribuição de royalties de petróleo. Estes recursos são uma compensação paga pela extração de recursos naturais, minerais e hídricos. Empresas exploradoras de petróleo, xisto e gás natural devem compensar 8% do valor dos produtos, sendo metade para estados e metade para municípios. Em 2018 os royalties atingiram o recorde de R$ 53 bilhões de reais. Mas uma questão importante ficou de fora nesta discussão, com lembrou apropriadamente, a Folha de S. Paulo.
‘O Brasil não destina royalties para prevenir desastres’
“Mesmo com o aumento da receita do petróleo e diante da projeção de crescimento das exportações, o Brasil não tem previsão obrigatória dos royalties para prevenção e remediação de desastres como que atinge as praias do Nordeste.” E este foi o grande furo da discussão da redistribuição acima mencionada. A Folha lembra que “até 2012, a lei que rege a distribuição dos royalties previa que parte dos recursos destinados aos ministérios do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia fossem investidos em prevenção e resposta a poluição e danos causados ao meio ambiente pela indústria do petróleo.” E prossegue o jornal: “especialista do escritório Trench, Rossi e Watanabe, a advogada Gabriela Bezerra Fisher lembra que a lei alterou as regras, criando o Fundo Social e destinando parte da receita para educação e saúde, eliminou essa obrigação.”
Receita de royalties para ministérios
Folha de S. Paulo: “Em 2018 o Ministério do Meio Ambiente fiou com R$551 milhões e o de Ciência e tecnologia com R$ 1,2 bilhão”. A Folha ouviu o economista Cláudio Porto, da consultoria Macroplan, especializada em royalties de petróleo. “Já passou da hora para estruturar um sistema sério, que envolva todos os estados, de resposta a este tipo de acidente”. Alguém duvida? Outro economista ouvido foi Adriano Pires, do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura). Ele lembrou que em uma década a produção nacional vai subir dos atuais 3 milhões para 5,5 milhões de barris por dia. “O Brasil vai produzir cada vez mais óleo e os navios venezuelanos vão continuar passando em frente ao Nordeste, então temos que criar uma política responsável para responder a acidentes. Este caso mostra claramente que não estamos preparados.”
‘Plano Nacional de Contingência não especifica origem dos recursos’
A Folha lembrou que o tão discutido plano “não especificou a origem dos recursos”. Segundo o jornal, o deputado federal Christino Áureo (PP-RJ) planeja um projeto sobre o tema. Para o deputado, “a receita dos royalties entra em contas totalmente distintas de suas finalidades.”
Desastres de navios
Ainda segundo a Folha de S. Paulo, “a preocupação maior se dá com desastres de navios, já que a legislação prevê estrutura de combate a vazamentos em plataformas de produção. Cada projeto de produção deve ter uma embarcação de contenção disponível de forma permanente. Especialista em emergências com experiência de 35 anos na Petrobras e professor da CopeUFRJ, Marcus Lisboa questiona a necessidade de manter tantas embarcações próximas a plataformas enquanto não há estrutura para atender emergências em regiões não produtoras.”
Extração de petróleo no Brasil e a convenção internacional CLC 92
Mas o especialista diz que “o Brasil é um dos poucos países costeiros não signatários de convenção internacional que funciona como uma espécie de seguro para poluição causada por vazamentos em navios, conhecida como CLC 92.” E explica: “Financiada por países importadores, a convenção antecipa recursos para contenção e remediação de desastres para depois cobrar ressarcimento dos responsáveis pela poluição. O país não precisa ficar procurando culpados, já teria sido ressarcido.”
Esperamos que o Governo Federal tire deste desastre as lições para minimizar os futuros. Nossa biodiversidade merece mais atenção. Que o próximo megaleilão previsto para novembro seja o gancho para que tenhamos uma diretriz clara não só sobre os custos de um eventual desastre, mas em como mobilizar os diversos agentes com mais precisão e menor perda de tempo. Se a atual administração fizer isso, já terá feito muito.
Fontes: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-07/brasil-pode-liderar-producao-global-de-petroleo-em-10-anos-diz-anp; https://veja.abril.com.br/economia/producao-de-petroleo-cresce-no-brasil-e-bate-recorde-em-agosto/; https://www.bbc.com/portuguese/geral-50191420; https://www.camara.leg.br/noticias/560227-proposta-estabelece-novos-parametros-na-distribuicao-de-royalties-para-estados-e-municipios/.
João Lara Mesquita, O Estado de São Paulo