Preso por esfaquear Jair Bolsonaro (PSL), Adélio Bispo de Oliveira pediu à Justiça que seus atuais advogados sejam destituídos e que ele passe a ser representado pela DPU (Defensoria Pública da União).
Adélio é defendido desde a tentativa de assassinato, em setembro de 2018, pelo escritório do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que está na mira de investigação da Polícia Federal para apurar quem o contratou ou paga seus honorários.
As eventuais conexões dos advogados são a peça que falta no inquérito em que a PF busca responder se houve mandantes, comparsas ou financiadores do ataque ao então candidato a presidente da República, durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG).
Como a Folha mostrou em setembro, Adélio já vinha se queixando da falta de contato com Zanone. Em uma carta à família, que mora em Montes Claros (MG), o esfaqueador afirmou que pediria ajuda à Defensoria Pública da União para ser transferido para uma prisão mais perto dos parentes.
A Justiça ainda não decidiu se o autor do crime, que está na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), pode fazer a alteração na defesa. Os advogados foram notificados e terão que se pronunciar.
Zanone disse à reportagem que esteve com o cliente há "uns dois meses" e que, na ocasião, ele não relatou vontade de dispensar seus serviços. "Eu fiquei sabendo [do pedido], mas não me manifestei ainda. Eu sou o curador dele", afirmou o advogado.
Como curador, Zanone é o representante legal de Adélio, que foi considerado pela Justiça inimputável, por ter insanidade mental. O escritório dos advogados particulares, na região metropolitana de Belo Horizonte, foi alvo de buscas da PF em dezembro de 2018.
Em março, atendendo a uma reivindicação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a Justiça cancelou o pedido de quebra de sigilo de Zanone e mandou suspender a perícia que seria feita nos celulares, computadores e documentos recolhidos no local.
O caso ainda está pendente de decisão. O TRF-1 (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região começou a analisar o tema, mas o julgamento foi interrompido no início deste mês. A palavra final deverá ficar com o STF (Supremo Tribunal Federal).
Os magistrados debatem a legalidade de uma eventual inspeção nos materiais. Para a OAB, vasculhar as informações do advogado violaria o sigilo profissional dele, garantido pela Constituição.
Zanone sustenta que foi procurado por uma pessoa de uma igreja evangélica frequentada por Adélio que lhe entregou R$ 5.000 em dinheiro em seu escritório e lhe pediu para assumir a causa. Segundo o defensor, essa pessoa desapareceu e não fez mais pagamentos.
Agentes ligados à apuração dizem, reservadamente, que a hipótese mais provável é que o advogado tenha entrado no caso para aproveitar a visibilidade que a história lhe daria.
Adélio fez o pedido de mudança na defesa em uma carta de próprio punho datada de 23 de setembro. O documento em que solicita a assistência gratuita foi anexado ao processo em 17 de outubro.
Segundo a Justiça Federal, em 22 de outubro foi determinada a intimação dos advogados constituídos por Adélio, "para ciência dos termos da expressa manifestação de vontade do réu". No requerimento, ele pede a assistência da Defensoria Pública da União na ação penal originária, que corre em Juiz de Fora.
Adélio já é atendido pela Defensoria Pública da União desde junho, mas o órgão governamental não atua diretamente no processo judicial dele. O papel dos defensores é auxiliá-lo em questões relacionadas ao cumprimento da medida de segurança.
Eles têm encontros semanais ou quinzenais com o interno e são responsáveis por encaminhar, por exemplo, pedidos ligados ao dia a dia na cadeia, como troca de colchão ou reclamações sobre a comida.
Adélio tem recusado o tratamento psiquiátrico que deveria fazer no local. A rejeição a medicamentos e a sessões com psicólogos são características de quadros como o dele. O autor recebeu um diagnóstico de transtorno delirante persistente, mas não admite ter doença mental e, por isso, repele o auxílio.
O autor da facada fala ainda que a penitenciária federal foi construída pela maçonaria, organização que ele acredita persegui-lo, e descreve o espaço como "um lugar de maldições", onde há "satanismo maçom".
A saída dele do SPF (Sistema Penitenciário Federal) também é discutida, mas a Justiça e os atuais advogados consideram importante mantê-lo em um presídio de segurança máxima para proteger sua integridade física e também por seu grau de periculosidade.
O algoz de Bolsonaro ficará preso por tempo indeterminado, mas deve passar por uma nova avaliação de saúde mental três anos depois da sentença, ou seja, em junho de 2022. Sua permanência no sistema federal tem que ser renovada anualmente.
Na sentença do caso, o juiz Bruno Savino, da 3ª Vara da Justiça Federal em Juiz de Fora, determinou que Adélio cumpra medida de segurança, que tecnicamente não é uma pena. Ele recebeu a chamada absolvição imprópria (é comprovadamente autor do crime, mas não pode ser responsabilizado).
O processo foi encerrado em julho sem que houvesse contestação. A defesa de Bolsonaro decidiu não entrar com recurso, sob a justificativa de que Adélio foi apenas uma peça na realização do ataque. As investigações da PF, contudo, descartaram até agora a participação de terceiros e concluíram que o criminoso agiu sozinho.
O interno passa os dias em uma cela individual de cerca de 9 m². Ele nunca recebeu visitas dos parentes, que afirmam não ter condições financeiras para viajar de Montes Claros, no norte de Minas, a Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul.
Os familiares se queixam também de dificuldade na comunicação com os advogados do caso e afirmam que só sabem informações do preso pela televisão.
Desde a semana passada, eles enfrentavam dificuldade para avisar Adélio da morte de uma cunhada dele, Maria Inês. Na terça-feira (29), a notícia finalmente chegou ao preso, após a intervenção de um membro da Defensoria Pública da União, que transmitiu o recado a uma assistente social da penitenciária. Segundo relatos, Adélio ficou triste.