A concessionária Transnorte Energia, empresa formada pela estatal Eletronorte e a empresa Alupar, rejeitou a proposta financeira da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para que a companhia construa a linha de transmissão energia entre Manaus (AM) a Boa Vista (RR).
Em resposta encaminhada à agência, a concessionária declarou, por meio de seus advogados, que a proposta de reequilíbrio financeiro apresentada pela Aneel é um “verdadeiro absurdo”, por não reconhecer investimentos já feitos pela companhia, além dos prejuízos causados por uma obra que já acumula um atraso de mais de sete anos.
O Estado teve acesso ao “pedido de reconsideração” apresentado pela Transnorte Energia para que a Aneel reconheça o pleito da empresa e dê andamento às negociações para construção da linha de transmissão.
A linha é prioridade na agenda do presidente Jair Bolsonaro. Leiloada em setembro de 2011, a rede Manaus-Boa Vista tinha prazo de três anos para ficar pronta, com entrada em operação prevista para janeiro de 2015. O impasse sobre a questão indígena, no entanto, paralisou o empreendimento, que corta uma terra demarcada. Do total de 721 km do traçado previsto para ser erguido em área próxima da BR-174 que liga as duas capitais, 125 km passam por dentro da terra indígena, onde vivem 2,1 mil índios em 56 aldeias. O Ministério de Minas e Energia já tinha prometido que a licença de instalação da obra, que é emitida pelo Ibama, sairia até julho, com ou sem o aval da Funai, o que não ocorreu.
O pedido de reconsideração da concessionária é uma resposta à proposta da Aneel. A concessionária cobra uma taxa extra de R$ 966 milhões do governo, sob alegação de que foi prejudicada pelo atraso nas obras e que não teve culpa de nada. A Transnorte quer receber uma fatura anual de R$ 395,7 milhões pelos próximos 27 anos, para operar a linha que vai construir. A Aneel, no entanto, rejeitou a proposta, derrubou boa parte das justificativas da concessionária e fez uma contraoferta: pagamento anual de R$ 256,9 milhões, pelo prazo de 19 anos e meio.
Entre os prejuízos alegados pela empresa está a exigência para que a Transnorte faça hoje os investimentos estimados em 2012, com custo de capital daquele momento (5,59%), desconsiderando o custo de capital atual e reconhecido pela Aneel, de 8,23%. “Significa, no mínimo, impor a concessionária um prejuízo de partida de 2,69%. Verdadeiro absurdo”, declara a empresa, no pedido enviado à agência. “É inviável juridicamente o esforço de tentar impor unilateralmente à concessionária realizar o investimento de mais de R$ 2 bilhões (custo estimado da obra) com uma receita deficitária.”
Os valores solicitados pela empresa se baseiam em um parecer da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que, segundo a Transnorte, “não foram sequer analisadas, pela decisão recorrida”. “A Aneel deixou de considerar os custos decorrentes do atraso de mais de 7 anos”, informa a companhia. “Durante o período do atraso, a TNE (Transnorte) amargou custos administrativos que representam R$ 64.853.552,00. Será que a concessionária deve ser penalizada por um atraso causado por terceiros, um verdadeiro Fato da Administração? Não!”, afirma a empresa, no documento.
A companhia declara ainda que o atendimento das exigências feitos pela população indígena e o cumprimento das obrigações de consultas aos povos tradicionais (OIT 169) demandarão ainda custos extraordinários no valor de R$ 107,6 milhões. “Logo, a Aneel não pode impor a assinatura de um aditivo para forçar o concessionário a executar o contrato com uma receita deficitária, sem licença de instalação e diante da insegurança jurídica atualmente existente”, afirma a concessionária.
Na semana passada, reportagem publicada pelo Estado mostrou que a área técnica da Funai encontrou dezenas de problemas e falhas no plano básico ambiental (PBA) indígena apresentado pela concessionária. “A Funai tem claro que o projeto como apresentado não é exequível, devendo ser reestruturado conforme orientações já expostas, com os devidos reordenamento, reformulação e adequação dos programas”, concluem os técnicos que avaliaram o material entregue pela Transnorte. O parecer informa que, dos 23 programas de compensação e redução de impactos propostos no “Plano Básico Ambiental Componente Indígena”, quatro foram considerados inaptos para apresentação aos povos indígenas. Os demais 21 precisam de ajustes e têm falhas na elaboração, ou seja, nenhuma proposta foi considerada efetivamente pronta.
O material, tal como está, foi liberado para ser encaminhado para análise dos povos indígenas. Em julho, reportagem do Estado revelou que a Transnorte apresentou um pacote de indenizações ao povo kinja, como são conhecidos os indígenas da terra indígena Waimiri Atroari, no valor total de R$ 49,635 milhões. No estudo, a empresa afirma que identificou 37 impactos da obra nas terras indígenas. Outros 27 foram considerados irreversíveis, com reflexo constante para a população indígena.
Hoje, a expectativa do governo é que a Funai encaminhe ao Ibama uma posição final sobre o assunto até 14 de outubro. O parecer definitivo do presidente da Funai ao Ibama só ocorrerá depois da consulta às comunidades indígenas.
André Borges, O Estado de S.Paulo