quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Decisão de facção STF sobre ordem de alegações finais pode beneficiar outras facções e milícias


Ministros do Supremo Tribunal Federal vão encerrar julgamento 


que pode anular condenação da Lava Jato e balizar outros processos.

| Foto: Nelson Júnior/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir nesta quarta-feira (2) um julgamento crucial para a operação Lava Jato. Os ministros devem terminar a análise de um habeas corpus que pede a anulação de uma sentença do ex-juiz federal Sergio Moro e modular a decisão para definir o que acontece com casos parecidos. Levantamento exclusivo da Gazeta do Povo mostra as 32 sentenças da Lava Jato que correm risco de serem anuladas, a depender da extensão da decisão do Supremo. O veredito dos ministros do STF também pode impactar em condenações de membros de organizações criminosas, facções prisionais como PCC e Comando Vermelho, e milícias.

O STF está julgando desde a última quarta-feira (25) o pedido do ex-gerente da Petrobras, Márcio de Almeida Ferreira, para anular a condenação em primeira instância imposta a ele por Moro. A questão de fundo analisada pelos ministros é se réus delatados devem apresentar as alegações finais – último argumento a favor de um réu antes da sentença – depois de réus que tenham feito delação premiada. Já há maioria para conceder o habeas corpus para Ferreira, mas os ministros ainda vão terminar o julgamento e definir parâmetros para que a decisão seja aplicada em outros casos.

A decisão importa para casos que vão muito além da Lava Jato. Investigações sobre organizações criminosas, facções prisionais e milícias podem ser impactadas e sentenças podem ser anuladas a depender da decisão do STF. Atualmente, o Código de Processo Penal (CPP) prevê que a ordem de entrega das alegações finais é a seguinte: primeiro entrega o documento o Ministério Público; em seguida, o assistente de acusação; e, por fim, os réus. O CPP não faz distinção entre réus colaboradores e réus delatados.

Pelo menos dois casos concretos envolvendo o PCC podem retroagir se os ministros entenderem que o prazo para entrega de alegações finais deve ser diferente se houver delatores.

O primeiro é o julgamento de membros do PCC pelo assassinato do agente penitenciário Alex Belarmino de Souza, em 2016. Ele foi morto em uma emboscada em Cascavel, no interior do Paraná, quando viajava para dar um curso de tiro na Penitenciária Federal de Catanduvas. O inquérito concluiu que a morte de Alex foi encomendada por integrantes do PCC, em represália às ações de combate à facção.

O segundo caso ocorreu no ano seguinte, também em Cascavel. A psicóloga Melissa Almeida, que trabalhava na Penitenciária de Catanduvas, também foi assassinada. O marido dela, que é policial civil, ficou gravemente ferido. As investigações apontam que o crime também foi encomendado pelo PCC.

Os dois casos foram solucionados com o auxílio de delatores, que também são réus nos processos. Ambos os casos já tiveram decisão de pronúncia, ou seja, quando o juiz entende que há provas suficientes para mandar o processo para júri popular, e aguardam recursos em instâncias superiores para irem a julgamento no Tribunal do Júri. A decisão do STF pode atrasar o andamento dos casos, fazendo, inclusive, com que alguns crimes prescrevam.


Milícias no Mato Grosso do Sul

A decisão do STF também pode impactar em processos referentes à investigação de milícias formadas para atacar índios no Mato Grosso do Sul. Uma investigação do Ministério Público Federal no estado mostrou que fazendeiros formaram uma milícia privada, que sequestrou e atirou com armas letais contra comunidades indígenas da etnia guarani-kaiowá.
No ano passado, a Justiça determinou o pagamento de multa de R$ 240 mil e fechamento de uma empresa de segurança envolvida na morte de indígenas do estado. O caso também contou com o auxílio de delatores.

Casos simples não precisam de delatores

Um procurador do MPF, que não quis se identificar, afirma que, assim como nos casos citados anteriormente, a delação premiada serve para o aprofundamento de investigações de crimes cometidos por organizações criminosas. “Você só vai usar um delator quando o caso for complexo. Você não vai dar um benefício a alguém para resolver um caso que é simples”, defende.
Entre os crimes que podem ser solucionados com a ajuda de delatores estão crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, além de casos envolvendo facções e milícias.

Impacto na Lava Jato 

A delação premiada é um dos instrumentos mais utilizados pela Lava Jato para o aprofundamento das investigações. De pouco mais de 50 sentenças em primeira instância no Paraná, 32 têm réus delatores e delatados respondendo juntos ao processo. O prazo para alegações finais foi o mesmo em todos os processos.
O HC que está sendo discutido no STF tem como base uma decisão da Segunda Turma da corte, que anulou pela primeira vez uma sentença de Moro em agosto. A turma anulou a condenação de 11 anos de prisão imposta ao ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, porque ele não pôde entregar as alegações finais depois dos delatores.
O STF ainda vai precisar modular a decisão que será tomada no caso que está sendo julgado. Os ministros podem entender que a ordem de entrega de alegações finais deve ser a que propõe a defesa, mas que isso só deve valer para casos a partir de agora, sem impactar no que já foi julgado.
Os ministros também podem entender que todos os casos devem ser anulados e retomados a partir da fase de entrega das alegações. Caso isso aconteça, muitos crimes podem prescrever.
O plenário pode decidir, ainda, que apenas casos em que as defesas pediram já em primeira instância para serem ouvidas depois dos delatores devem ser anuladas. Esse entendimento reduziria o estrago a apenas três sentenças anuladas – uma delas é do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do sítio em Atibaia.
Ou o Supremo pode, ainda, decidir julgar caso a caso e analisar se a defesa teve prejuízo causado pela ordem de entrega das alegações finais.

Kelli Kadanus, Gazeta do Povo