Dyelle Menezes
O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) considerou regulares as contas da entidade “Obra Social Nossa Senhora de Fátima” mesmo ela tendo apresentado notas fiscais falsas na prestação de contas de convênio celebrado com o Governo do Distrito Federal. O valor do suposto prejuízo ao erário seria de mais de meio milhão de reais.
A entidade filantrópica recebeu recursos públicos, por meio do Fundo de Assistência Social do DF (FAS/DF), para atender crianças e adolescentes. A verba era repassada pela então Secretaria de Estado de Ação Social do DF (SEAS/DF).
De acordo com a equipe de auditoria do TCDF as notas fiscais apresentadas pela entidade possuíam diversas falhas. Entre os problemas estavam a emissão de notas fiscais sem autorização do GDF e sem conhecimento do responsável técnico pela escrita fiscal por parte da empresa, com dados cadastrais inexistentes ou iguais ao de outra empresa.
A notas fiscais também foram supostamente emitidas por mais de uma empresa que não coincidiam com os documentos fiscais originais. Além disso, empresas comunicaram à Secretaria de Fazenda que não emitiram as notas fiscais que foram utilizadas pela entidade para justificar os gastos realizados; outra afirmou que nunca cuidou da empresa em tela, ou seja, a própria empresa afirmou que as notas fiscais são falsas.
Ainda constam falhas como o fato das notas fiscais que não obedecerem à numeração sequencial, notas fiscais cujos sócios não foram localizados, com data retroativa, descrição de serviços genéricos e com a mesma grafia e notas fiscais nas quais o suposto objeto não faz parte do ramo de trabalho da empresa fornecedora, como, em um dos casos, em que trataria de material de papelaria, mas o ramo de atividade seria de fornecimento de tinta, cantoneira e vinho tinto.
Apesar das falhas apontadas pela equipe técnica, o TCDF defendeu a invocação de boa-fé da beneficiária e não considerou irregulares as contas. Para o relator, que teve o voto acompanhado pela maioria, não seria razoável exigir da beneficiária a verificação da validade dos documentos apresentados, tratando esses fatos como mera falha formal.
“Considerando os meios de checagem disponíveis à época e a ausência de conhecimento técnico e jurídico dos dirigentes, entendo que a aceitação das notas tidas posteriormente por inidôneas, não configuram tipicamente um erro de conduta praticado pelos dirigentes”, afirmou no voto o relator do processo, Manoel de Andrade.
De acordo com Andrade, o recebimento de boa-fé nas circunstâncias apresentadas, partira também do pressuposto da ausência de má-fé das empresas que apresentaram tais documentos que “retratavam a realidade dos serviços e mercadorias adquiridos”.
O conselheiro apontou ainda inexistirem evidências de que alguma das partes envolvidas tenha se favorecido pelas falhas incorridas. Outro ponto defendido por Andrade é que não há nos autos elementos que acarretem dúvidas acerca do cumprimento do objeto do convênio.
Para o secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castello Branco, deveria vigorar a inversão do ônus da prova. “Os Tribunais de Contas não têm que provar que os recursos públicos foram mal aplicados ou desviados, mas o gestor e o beneficiário é quem devem comprovar que foram utilizados os recursos de maneira adequada e eficiente, principalmente, diante de tão graves indícios de irregularidades”, afirmou.
Outro caso
Outra decisão do Tribunal de Contas do DF também chama a atenção por contrapor a análise da equipe técnica. Os conselheiros do Tribunal isentaram da responsabilidade de ressarcir aos cofres públicos um servidor que utilizou certidão de tempo de serviço falsa. A autenticidade do documento foi recusada pelo INSS, que apontou não existir em seus arquivos menção a processo ou qualquer outra documentação relativa ao servidor.
Sem a certidão, não haveria como comprovar o tempo de serviço declarado, não sendo possível imaginar que o próprio servidor não soubesse onde trabalhou e quando. O interessado ingressou com pelo menos três ações judiciais e não obteve ganho em nenhuma delas.
Para Castello Branco, o que as decisões têm em comum é o estranho conceito de boa-fé adotado pelo TCDF e a chocante realidade que envolve os julgamentos dessas Cortes de Contas, que não são revistos por nenhum outro órgão ou instância, a não ser por eles mesmos.
Posição da Contas Abertas
O Contas Abertas espera que o MPC/DF provoque, ainda assim, a revisão desses julgados, perante o próprio TCDF ou na Justiça, para que não criem precedentes perigosos, em que documentos falsos sejam utilizados em processos que tramitam por uma Corte de Contas, sem qualquer consequência.