O que se propõe é conferir à Petrobras não a obrigatoriedade, mas a preferência para ser operadora dos blocos a serem contratados sob o regime de partilha
Sadi Carnot (1796-1832) foi um engenheiro e militar francês que revolucionou a ciência ao apresentar os fundamentos da segunda lei da termodinâmica. A história conta que ele, filho de um ministro da Guerra, ficou obstinado em provar que a vitória inglesa nas batalhas napoleônicas estava ligada ao maior domínio da energia — mais especificamente, do motor a vapor. Com este intuito, publicou sua única obra em vida, que não só descrevia o funcionamento de um motor, mas reforçava a importância industrial, política e econômica dessa revolução tecnológica.
Dois séculos depois, a matriz da revolução descrita por Carnot — hidrocarbonetos — ainda representa 80% da energia consumida no mundo. É nesse contexto que o Congresso Nacional discute a reforma da lei de exploração e produção de petróleo no pré-sal. Aparte os discursos movidos por paixão, ideologia e corporativismo, o que se debate é qual o melhor modelo a ser adotado para os próximos anos. Tal qual um “Ciclo de Carnot”, buscamos a máxima otimização de um recurso estratégico sem grandes perdas durante o processo.
O PL 4567/16 , de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), ao qual apresentei parecer favorável em comissão especial da Câmara, não define uma resposta à questão. Melhor: torna-a flexível. Pela lei atual (nº 12.351/2010), cabe à Petrobras a obrigatoriedade de participar com no mínimo 30% do consórcio vencedor. É preciso resolver esse impasse que inviabiliza a produção, pois, em decorrência da crise que atinge a empresa, as sucessivas reduções de investimentos preocupam.
O que se propõe é conferir à estatal não a obrigatoriedade, mas a preferência para ser operadora dos blocos a serem contratados sob o regime de partilha. Fica estabelecido que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em caso de negativa, realizará a licitação, podendo ainda a Petrobras participar do certame. O projeto também preserva a competência do Executivo para ditar os rumos dos leilões das diferentes áreas e as políticas de conteúdo nacional de insumos para o setor.
Ou seja, em nada altera as regras de pagamento de participações governamentais, de tributos e de determinação do excedente em óleo da União, resguardando — e até ampliando — a arrecadação de royalties para a educação. Também estão preservados os poderes da ANP e da empresa pública Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA) para regular e fiscalizar o cumprimento dos contratos de partilha de produção, bem como a autonomia da União para controlar a velocidade do aproveitamento dos recursos petrolíferos. Em resumo: o projeto não altera em nada a soberania nacional, ao contrário do que dizem aqueles que tendem a encarar o debate menos pela razão e mais pela emoção ou posição política. “Pior do que o monopólio do petróleo é o monopólio do patriotismo”, disse um dos especialistas consultados.
Após oito audiências públicas na comissão e um seminário que promovi como presidente da Fundação Liberdade e Cidadania (instituição ligada ao Democratas), o que concluímos é que não existe melhor ou pior regime, existem regimes diferentes, mais ou menos adequados a cada situação particular. O regime mais inadequado é aquele que impede o aproveitamento das nossas riquezas petrolíferas.
No Plano de Negócios e Gestão 2015-2019 da Petrobras, apresentado em janeiro deste ano, o volume total de investimentos foi estimado em US$ 98,4 bilhões. Isso representa uma diminuição de 24,5% em relação ao valor previsto apenas seis meses antes e 42,1% a menos do que o Plano de Negócios 2011-2015. Mantidas as regras que limitam a participação da iniciativa privada, em 2019 estaremos produzindo menos petróleo que hoje.
O debate que fizemos na comissão foi amplo e contou com a participação de todas partes interessadas, desde o próprio autor José Serra, empresários do ramo, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Nacional de Brasília, além de representantes de associações, sindicatos, clubes de engenharia e prefeituras de municípios produtores. Saio convencido de que este marco legal carece de alterações ainda maiores, embora estejamos priorizando a celeridade no resgate de investimentos no setor.
A obstinação de Carnot em pesquisar e provar, por meio da ciência, os motivos pelos quais a França perdeu a guerra levou à teorização de uma revolução energética. Dois séculos depois, tomo a frase de um geólogo renomado para lembrar que “o petróleo é encontrado na mente dos homens”. Cabe ao debate franco, livre de preconceitos ideológicos e falsas premissas, encontrar a melhor forma de produzi-lo.