quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram nesta quinta-feira para legitimar o decreto que concedeu, no ano passado, o mais abrangenteindulto de Natal a presos dos últimos 30 anos. No entanto, um pedido de vista do ministro Luiz Fux interrompeu o julgamento, que não tem data para ser retomado. Ainda assim, o recado da maioria da Corte é que, se o presidente Michel Temer quiser editar um decreto com os mesmos parâmetros neste ano, não encontrará empecilho jurídico.

Na prática, até o julgamento ser retomado, ainda tem validade a liminar dada em março pelo ministro Luís Roberto Barroso, que restringiu o alcance do decreto, tirando o benefício de condenados por corrupção. Apenas Edson Fachin concordou com Barroso. Além de Fux, Cármen Lúcia e o presidente, Dias Toffoli, ainda não votaram.

Para a maioria dos ministros do STF, o presidente da República tem total liberdade para definir os parâmetros do indulto de Natal. Votaram dessa forma os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
Mesmo depois do pedido de vista, Gilmar sugeriu que, com a maioria, seria possível revogar a liminar de Barroso, mas não houve votos suficientes para isso. Isso porque o ministro Lewandowski já tinha deixado o plenário, e Rosa Weber não concordou com a medida antes do fim do julgamento. Há expectativa de que Toffoli volte a pautar a polêmica na próxima semana. Barroso demonstrou contrariedade com a votação da proposta de Gilmar, mesmo depois do pedido de vista de Fux, embora o presidente tenha dito que isso já aconteceu outras vezes na Corte.
— Todo mundo sabe o que está acontecendo aqui e sabe o que eu penso — disse Barroso.
O decreto do ano passado concedia o perdão judicial e a libertação a quem tivesse cumprido apenas um quinto da pena total, sem considerar o tempo total de condenação, para crimes cometidos sem violência. No governo de Dilma Rousseff, por exemplo, foi beneficiado quem tinha cumprido um terço da pena, para condenados por até 12 anos de prisão.
Como a liminar de Barroso ainda não foi revogada, condenados que cumpriam os requisitos para receber o indulto em dezembro do ano passado não poderão ser libertados. Segundo dados da Defensoria Pública da União (DPU), apenas um condenado na Lava-Jato receberia o benefício: o ex-deputado Luiz Argolo, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Se Temer editar neste ano um decreto com os mesmos parâmetros, outros investigados da Lava-Jato poderiam ser beneficiados.
— O ato político, que é o caso, ou de governo, é de amplíssima discricionariedade e, portanto, imune ao controle jurisdicional. A impugnação judicial do ato só está autorizada se houver clara ofensa às regras constitucionais o que a meu ver não ficou demonstrado no caso sob análise – disse Lewandowski, ao reafirmar o poder do presidente da República.
— O poder de perdão presidencial é um componente importante das prerrogativas do Executivo – concordou Rosa Weber.
Para Marco Aurélio, o texto do decreto de Temer caracteriza-se pela razoabilidade:
— O relator, recebendo o processo, acabou por fazer corte no próprio indulto. E aí, a meu ver, findou por substituir-se ao presidente da República, estabelecendo condições para ter-se o implemento do indulto. O indulto diz respeito a algo que eu posso enquadrar como ligado à soberania interna do chefe do Poder Executivo. É um ato discricionário – explicou o ministro.
Celso de Mello, o mais antigo do STF, destacou que o Estado é inerte em resolver as falhas do sistema carcerário brasileiros. Assim, a medida é na verdade uma forma de atenuar o problema. Ele também afirmou que votar a favor do indulto não significa ser leniente com o crime, e destacou que há no país a separação de poderes, não cabendo ao Judiciário interferir nesse tema.
— Eu destaco ao longo dessas considerações que entendo inaceitável que se estabeleça uma injuriosa vinculação dos votos que mantêm o decreto de indulto ora impugnado a uma suposta leniência em favor de grupos criminosos que assaltaram o Estado e que conspurcaram a ideia e os valores mais elevados da República – disse Celso, acrescentando: – A prática de indulto presidencial é uma atenuação das distorções gravíssimas que qualificam e deformam o sistema penitenciário brasileiros como um lastimável estado de coisas inconstitucional, tal qual esta Corte já teve o ensejo de observar e advertir.
Do outro lado, apenas Barroso e Fachin votaram para diminuir a extensão do indulto editado por Temer no ano passado. Para eles, a regra colabora para aumentar a sensação de impunidade no país.
— Não há na Constituição expressa regulamentação constitucional sobre o alcance desse poder presidencial. Isso não leva a compreender que esse poder seja ilimitado. Parece-me ser próprio de uma Constituição republicana que os poderes públicos sejam limitados – ponderou Fachin.
À primeira vista, ao revogar a liminar de Barroso, o STF contraria o presidente eleito, Jair Bolsonaro. Durante a campanha, ele não cansou de dizer que “tem que prender e deixar preso”. E que pouco se importa com a superlotação carcerária. O indulto mais abrangente permitiria a libertação de condenados com apenas um quinto da pena cumprida.
Mas há um recado menos óbvio na eventual decisão da Corte. No julgamento, ministros afirmaram que o presidente da República tem total liberdade para indultar quem quiser, desde que o decreto siga os parâmetros constitucionais – ou seja, não beneficiar condenados por crimes de terrorismo, tortura, tráfico de drogas e crimes hediondos de um modo geral.
No julgamento, Celso de Mello, ressaltou que o presidente pode inclusive não conceder indulto a ninguém – como já disse que vai fazer Bolsonaro. Marco Aurélio se manifestou no mesmo sentido. Portanto, a decisão do STF é uma carta branca a Bolsonaro para manter todo mundo preso no próximo Natal. Se fizer isso, será o primeiro presidente desde promulgada a Constituição de 1988, a não conceder o indulto de dezembro.


Carolina Brígido e André de Souza, O Globo