sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O grito uníssono ‘não aceito corrupção!’, por Roberto Livianu

Não cabe suavizar punição de 

corruptos, mas, sim, agravá-la, 

para prevenir



Há um ano causou perplexidade geral a canetada presidencial que concedia indulto Black Friday natalino aos presos, por incluir liquidação de 80% das penas de corruptos - punir criminoso poderoso no Brasil sempre foi tarefa quase tão difícil como fazer elefante passar por buraco de agulha.
Alta subnotificação dos crimes, até por medo, obstáculos processuais, prescrição (a retroativa só há no Brasil), e por aí vai. Denunciado criminalmente por corrupção duas vezes, o presidente, hoje com a água chegando a ele no caso dos portos, quis indultar corruptos, o que implicaria perder todo o trabalho da Justiça Criminal nos poucos casos que chegam até ela.
O Supremo Tribunal Federal (STF) barrou a concessão em liminar e agora julga o mérito do caso, cujo desfecho certamente impactará a percepção geral em relação à impunidade, já expressiva, uma vez que o indulto existe para fins humanitários quando há excesso de encarceramento. Em matéria de crimes contra os colarinhos-brancos, temos o oposto, a exiguidade. Além disso, indultar multas pecuniárias, só mesmo se o condenado for muitíssimo pobre.
A verdade é que a luta contra a corrupção no Brasil lembra corrida de obstáculos, mas com eles parecendo infinitos. Quando alguns são transpostos, novos aparecem, como a questão da cláusula de barreira para os partidos, que surpreendente e positivamente foi aprovada pelo Congresso em 1995 para vigorar a partir de 2007. Mas eis que em dezembro de 2006 o STF negativamente a afastou e no ano passado, no praticamente único saldo positivo da reforma política, foi de novo aprovada no Congresso.
Em função disso, a partir do ano que vem 14 partidos poderão deixar de existir, eis que deixarão de receber seu repasse do Fundo Partidário, a única verdadeira razão da existência de 35 partidos, hoje, que nas eleições de 2018, conforme anunciou o Movimento Transparência Partidária no 6.º Congresso Nacional do Movimento do Ministério Público Democrático, repassaram recursos a candidatos à reeleição dez vezes mais que a candidatos sem mandato.
Isso ajuda a explicar o quadro de degradação dos partidos no Brasil, que segundo a Latinobarómetro 2018 são confiáveis para apenas 6% dos brasileiros ouvidos (o pior índice entre os 18 países pesquisados). Além disso, 73% dos brasileiros votam sem conexão com o partido do candidato (votam na pessoa), bem acima da média nos países latino-americanos pesquisados (58%), confiando mais na Igreja (73%) e nas Forças Armadas (58%), cada vez menos acreditando na democracia (34%), abaixo da média da região, que é de 48%, com o pior grau de satisfação nela - apenas 9% (no Uruguai é de 47%).
Talvez um dos números mais estarrecedores da pesquisa seja o que aponta que, para os brasileiros, apenas 7% dos detentores do poder o usam para o bem comum, bem ilustrado por fato revelado esta semana: deputados do PP - partido muito implicado na Lava Jato, mas que conservou a terceira maior bancada da Câmara - estariam pressionando o presidente da Casa para pautar o PL 9.054/17, quiçá uma nova versão da pretensão contida no indulto Black Friday de 2017. Pretende o projeto a suavização na execução das penas criminais, até mesmo para os corruptos.
Repito: não cabe suavização para punição de corruptos, mas, sim, agravamento para prevenir. Os deputados, conforme a notícia, condicionam o voto no presidente da Câmara, candidato à reeleição, à decisão dele de pautar o projeto. Enquanto ele prometeu pensar, no seu Rio de Janeiro o governador Pezão foi preso em pleno palácio, igualando-se à condição de seu antecessor e padrinho, Sérgio Cabral, na cadeia desde 2016 e já contando 180 anos de condenações, assim como seu antecessor no cargo de presidente da Câmara, Eduardo Cunha, todos agora na prisão.
Mas o índice de 93% dos que não servem, apenas se servem do poder, é impulsionado por múltiplos fatores, incluída a aprovação na Câmara do PL 6.621/16, mandado agora para o Senado, que desmonta a Lei das Estatais. Pretende-se o retrocesso e a instauração legal da cultura do compadrio, permitindo a escolha por coronéis de partidos de seus cupinchas políticos para dirigir estatais, o que foi proibido pela Lei 13.303/16.
Isso logo após se ter conseguido a vitória de arquivar projeto de senador ficha-suja que pretendia sintomaticamente enfraquecer a Lei da Ficha Limpa. Conseguiu-se também uma vitória importante com a aprovação na Comissão de Desenvolvimento Econômico do PL 10.044/18, que pretende dificultar a vida dos “sócios laranjas” criados em instrumentos particulares, bem como de corruptos e lavadores de dinheiro, revolucionando a sistemática jurídica de criação de empresas, com a formação de um banco de dados, sem custos para a sociedade, que permitirá ao Ministério Público, à magistratura e à Polícia Federal ter informações reunidas sobre os atos de constituição e encerramento de firmas.
Compreende-se, assim, olhando além da árvore, mirando a floresta toda, o teor das declarações do ex-todo-poderoso e hoje condenado a 40 anos de prisão, mas solto por enquanto, José Dirceu, divulgadas durante esta última campanha eleitoral, de que o Judiciário não é Poder e o Ministério Público não deve poder investigar.
O desmonte proposto da tripartição do poder de Montesquieu, pretendendo Executivo e Legislativo sem controle para valer e Ministério Público sem força para a defesa da coletividade, é o sonho dourado dos transgressores da lei, dos componentes da cleptocracia em que se transformou o Brasil.
Nosso caminho é a união da sociedade exigindo o fim do foro privilegiado, a reforma política para valer, a punição efetiva do caixa 2 eleitoral, a asfixia econômica das organizações criminosas, a pena da perda do controle acionário para empresários corruptos, visando à preservação da empresa, o grito uníssono: “Não aceito corrupção!”.
*PROMOTOR DE JUSTIÇA, DOUTOR EM DIREITO PELA USP, ROBERTO LIVIANU É O IDEALIZADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO

O Estado de São Paulo