Wilson Lima, IstoE
O capitão paraquedista Jair Bolsonaro deixou o Exército na década de 1980. Mas o Exército de fato nunca saiu dele. Sua trajetória política nos 28 anos como deputado federal sempre foi marcada pela declarada admiração ao tempo em que os militares estiveram à frente dos governos da ditadura. Em um de seus primeiros discursos em louvação ao regime militar, em 2005, quando o golpe de 1964 completou 41 anos, ele já dizia que foi graças aos militares que o Brasil entrou nos prumos. Em 64, segundo ele, o País vivia “um clima de corrupção, de greve generalizada, de insubordinação nas Forças Armadas, de caos absoluto”. Na sua visão, o quadro indicava “a perspectiva de iminente guerra civil” e foram os militares no poder que deram fim a tudo isso. “Sob os governos militares, o País passou da 49ª para a 8ª economia do mundo, dando um impressionante salto de qualidade”. Essas frases demonstram a convicção que Bolsonaro tem quanto à eficiência militar para resolver os problemas brasileiros.
Agora, como presidente eleito, ele pode colocar em prática as teorias sobre 1964, quando tinha apenas 9 anos de idade, escalando colegas de farda para colocar ordem no País. Para Bolsonaro, a presença em postos-chave de oficiais militares da reserva será a vacina para combater os males do presidencialismo de coalizão e suas conseqüências, como o loteamento político do poder, considerado por ele como a raiz da corrupção disseminada nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. Aos militares, de um modo geral, Bolsonaro vai entregando os cargos estratégicos de seu governo.
O poder dos generais
Até o momento, seis militares de alta patente fazem parte do núcleo duro do governo, à frente dos ministérios mais importantes. Com o próprio Bolsonaro, já são nove aqueles que no primeiro escalão têm origem militar. Seu vice, o general Hamilton Mourão, será uma espécie da gerente do governo. Também são generais o futuro ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz; o futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno; e o futuro ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. O astronauta Marcos Pontes, que assumirá o Ministério da Ciência e Tecnologia, é tenente-coronel da Aeronáutica.
Há ainda outros dois ministros que chegaram a fazer as academias militares, mas não a seguir carreira nas Forças Armadas.Tarcísio Gomes de Freitas, que será ministro da Infraestutura, é formado em Engenharia Civil pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e auxiliou a Companhia de Engenharia da Missão de Paz no Haiti. Wagner Rosário, que é hoje o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU) e continuará no cargo, é formado em Ciências Militares pela Academia das Agulhas Negras.
Militares ocupam 25% dos cargos
Num escalão intermediário, há ainda outros dois generais em posições estratégicas. Maynard Marques Santa Rosa deverá ser responsável pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que cuidará de futuras privatizações e parcerias com a iniciativa privada. E Floriano Peixoto Neto deverá atuar na área de comunicação, como responsável pela publicidade do futuro governo.
Proporcionalmente em relação ao tamanho da Esplanada dos Ministérios, o governo Bolsonaro terá um número de militares no poder só comparável ao período da ditadura militar. Como nem todos os ministros já foram anunciados, esse percentual ainda pode crescer. Hoje, em torno de 25% da alta cúpula de Bolsonaro é formada por militares, ao se tomar como base o número de ministérios estimados, 21. No governo Castello Branco, 10 dos 38 ministros em todo o período eram militares (26%). No governo Costa e Silva, oito em 25 (32%). No governo Médici, oito em 24 (33%). Com Ernesto Geisel, 12 de 26 (46%). E com João Figueiredo foram 12 de 41 (29%).
Durante os governos civis, no período da redemocratização, houve uma queda drástica do número de militares comandando pastas na Esplanada dos Ministérios. No governo Sarney apenas cinco militares comandaram ministérios de um total de 62 ministros (8%). No governo Fernando Collor, foram seis militares para 39 ministérios (15%). Com Itamar Franco, foram seis de 58 (10%). Na gestão Fernando Henrique Cardoso foram nove militares do total de 96 ministros, incluindo-se os dois governos (10%). Na era Lula, a participação dos militares caiu ainda mais. Apenas seis militares, de 118 ministros, nos dois mandatos (6%). E, com Dilma, o percentual foi menor: seis de 118 (5%).
Além disso, a partir de Fernando Henrique Cardoso, os presidentes fizeram uma mudança até hoje não perdoada pelos militares. Os comandantes militares deixaram de ser ministros da Defesa e um civil passou a chefiá-los. O presidente Michel Temer alterou esse quadro ao colocar o general Joaquim Silva e Luna no Ministério da Defesa.
Durante a própria campanha, o presidente eleito já defendia enfaticamente o nome de militares para compor a cúpula do seu governo, principalmente em ministérios historicamente reconhecidos pela ineficiência e símbolos de corrupção. Tanto que a ideia do vice-presidente, general Hamilton Mourão, de ser uma espécie de coordenador de ações ministeriais, é bem vista tanto pelo presidente Bolsonaro, quanto por outros integrantes do eixo militar que o apóiam. A indicação de Tarcísio de Freitas, para comandar o Ministério da Infraestrutura, também é uma alternativa para impor ordem em uma área considerada estratégia no novo governo, que é o acompanhamento de obras públicas, um setor geralmente impregnado por contratos superfaturados.
O problema nas primeiras escolhas, conforme parlamentares ouvidos por ISTOÉ, está na decisão de colocar um militar para cuidar da articulação política, o general Santos Cruz. Os deputados e senadores não são subordinados do governo, mas constituem um outro poder, consideram esses parlamentares. “Militar é bom para coordenar obras. Para a política, eles ainda são iniciantes”, disse um parlamentar. O tempo dirá se a expectativa de ordem e disciplina na Esplanada dos Ministérios desejada por Bolsonaro terá sucesso.