Em uma semana, mais de oito mil brasileiros se inscreveram no Mais Médicos. O problema não era falta de interesse, como alegava o PT. Era o PT que queria ajudar a aliada Cuba
Foi uma virada impressionante. Duas semanas depois de Cuba anunciar o rompimento com o Brasil do acordo do Programa Mais Médicos, mandando que oito mil profissionais deixassem seus postos no País, mais de mil médicos brasileiros já ocupavam os lugares dos colegas. Com o anúncio inesperado da ilha, previu-se o caos na assistência à saúde de 29 milhões de brasileiros, assistidos unicamente pelos cubanos. Na quarta-feira 28, no entanto, das 8.517 vagas abertas com a saída dos cubanos, 8.342 já tinham brasileiros interessados em ocupá-las. Alguns profissionais haviam inclusive começado a tomar posse dos cargos. Ao todo, cerca de 22,6 mil médicos tinham se inscrito.
Para completar o vazio deixado pelos cubanos, faltava o preenchimento de apenas 175 vagas distribuídas em 44 das 3.223 cidades integrantes do programa. Grande parte são distritos indígenas. “Não vamos demorar para preenchê-las”, disse Marcelo Mello, secretário de Gestão no Trabalho e na Educação na Saúde, do Ministério da Saúde. Há problemas pontuais, como profissionais que estão desistindo e outros que estão trocando o emprego nos postos municipais por um lugar no Mais Médicos, onde ganham mais e têm estabilidade. Dessa forma, cobre-se um doente e deixa-se outro sem atendimento. Ministério da Saúde e municípios conversam para equacionar o problema, ainda sem uma solução definida.
Como as inscrições vão até o dia 7 de dezembro e os contratados têm até o dia 14 para se apresentar em seus postos, espera-se que até lá todos os postos estejam guarnecidos. Filipe Pagianotto, 26 anos, por exemplo, já tomou posse de sua vaga. Ele acabou de se formar pelo Centro Universitário São Camilo, em São Paulo, passou trinta horas tentando se inscrever (a procura foi tanta que o sistema por vezes não aguentou), e conseguiu a vaga que tanto queria em Pilar do Sul, interior paulista. Foi lá que nasceu, é onde mora sua família e, agora, é onde iniciará sua carreira. Começará a atender na segunda-feira 3. “Nós, recém-formados, não temos muitas oportunidades de vagas com vínculos, férias. Vivia dando plantão. Queria voltar para o interior, perto da minha família, e ter um emprego”, diz.
Trabalho fixo
Também recém-formado, Pedro Henrique Zuba, 26 anos, começou no Mais Médicos na semana passada. Concluiu o curso em outubro na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, mas não conseguia trabalho. Voltou para Montes Claros, em Minas Gerais, onde nasceu e tem família, e estava vivendo de plantões nos quais ganhava em torno de R$ 650 por doze horas de trabalho, às vezes em cidades a mais de cem quilômetros de onde mora. Assim que soube da abertura de vagas, inscreveu-se, de olho na comodidade de ficar em sua cidade e receber o salário de R$ 11,8 mil. “Estou muito feliz. Além de ficar perto, também conheço a realidade de onde irei clinicar.”
A conclusão que se tira depois da adesão tão maciça ao programa é a de que, afinal, havia médicos dispostos a atender em localidades longe dos centros urbanos. Um dos argumentos usados pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff para lançar a iniciativa, em 2013, era o de que os brasileiros não queriam sair do conforto das metrópoles para enfrentar as limitações das pequenas cidades. Por isso a necessidade de trazer os cubanos e garantir atendimento nos rincões nacionais. Não era totalmente verdade. É certo que o programa provocou desconfiança entre a classe, que se sentiu insegura em relação à sua continuidade, garantia de pagamento e outras questões. “Ele carecia de credibilidade”, lembra o secretário Mello. Mas faltou vontade do governo petista de ouvir – algo característico das gestões do PT – as entidades representativas da classe e tentar aproveitar os médicos aqui formados. O mineiro Zuba, por exemplo, não está nem um pouco incomodado em atender em uma UBS na periferia de Montes Claros, com estrutura modesta, mal cuidada e construída em chão de terra batida.
A divulgação recente de telegramas despachados pela embaixada brasileira em Havana à época do convênio revela, na verdade, que o objetivo do programa não era assegurar atendimento aos mais pobres. Ao contrário, sempre foi o de aliviar a dívida que a aliada Cuba tinha com o Brasil por meio de um esquema que parecia nobre, mas que no fundo fez com que o contribuinte brasileiro ajudasse a amortizar o débito cubano com o tesouro nacional. Intermediado pela Organização Pan-Americana de Saúde, o acordo previa que somente R$ 3 mil dos R$ 11,5 mil recebidos ficassem com os médicos. O restante era repassado a Havana. “Tudo não passou de um acordo político para mandar dinheiro a Cuba, aliados ideológicos do PT”, afirma Lincoln Lopes Ferreira, presidente da Associação Médica Brasileira.
A nova fase do Mais Médicos, com os brasileiros à frente, tira o ranço ideológico do programa e foca no que realmente interessa: assistência à população e formação dos profissionais. Os médicos podem fazer residência em saúde da família ou saúde indígena, acumulando expertise em duas áreas importantes da realidade nacional que carecem de especialistas. Além disso, o trânsito de tantos jovens médicos em geral oriundos de famílias mais ricas permitirá a eles conhecer um Brasil que nunca viram de perto. Isso só vai enriquecer o profissional e também a medicina brasileira, ainda tão necessitada de médicos que de fato entendam o paciente que está à sua frente.
Cilene Pereira e Fernando Lavieri