quinta-feira, 29 de novembro de 2018

"Inovação tecnológica sob risco", por Cláudia Morgado

O Brasil precisa formar mais engenheiros como os que construíram a Embraer, a tecnologia de exploração e produção de petróleo em águas profundas, as grandes obras como a Ponte Rio-Niterói, a Hidrelétrica de Itaipu, a Usina Nuclear de Angra. E isso só é possível com profundo conhecimento de ciências, matemática, de processos industriais e domínio de alta tecnologia – o que está sob ameaça.

Vamos aos fatos: no último dia 21, no Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro, ocorreu a única Audiência Pública do Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre a proposta de novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Engenharia – DCN Engenharia depois de muitas cartas dirigidas ao CNE solicitando mais discussão e que os especialistas pudessem ser ouvidos.
Estiveram presentes os dirigentes das mais conceituadas escolas de engenharia do país, o presidente do Confea, os representantes dos CREAs de diversos estados, associações científicas e profissionais, a Academia Nacional de Engenharia, o Clube de Engenharia etc. Todas essas entidades que representam a engenharia nacional ficaram estarrecidas com o pouco acolhimento das propostas e muito preocupadas com a perspectiva de aprovação das novas diretrizes, de forma açodada, nas próximas sessões da Câmara de Ensino Superior – CES/CNE programadas para ocorrer entre os dias 3 e 6 de dezembro.
A comunidade acadêmica presente e a maioria das entidades profissionais e científicas da Engenharia, de forma inédita, foram unânimes em criticar quatro pontos principais: a supressão dos conteúdos mínimos curriculares, a não fixação de uma carga horária mínima, o aumento do estágio obrigatório de 160 para 300 horas e a ingerência, ferindo a autonomia universitária, sobre a composição do corpo docente do curso.
O ponto mais grave é a supressão dos conteúdos mínimos. A atual Resolução do CES/CNE 11 de 2002, no seu Art. 6º, prevê o núcleo de conteúdos básicos que versará sobre Metodologia Científica e Tecnológicas, Comunicação e Expressão, Informática, Expressão Gráfica, Matemática, Física, Fenômenos de Transporte, Mecânica dos Sólidos, Eletricidade Aplicada, Química, Ciência e Tecnologia dos Materiais, Administração, Economia, Ciências do Ambiente, Humanidades, Ciências Sociais e Cidadania e obriga ainda que os conteúdos de Física, Química e Informática ofereçam atividades de laboratório, e também que em outros conteúdos referentes à modalidade do curso sejam previstas atividades práticas e de laboratórios.
A atual proposta não menciona nenhum conteúdo mínimo. Desta maneira, se dará base legal para a criação de cursos que não possuam conteúdos fundamentais à formação do engenheiro  – como Cálculo, Matemática e Física  – apenas utilizando o label Engenharia de maneira imprópria para atrair alunos desinformados e imputar danos irreparáveis à sociedade.
A ausência de referência aos conteúdos curriculares mínimos se configura num retrocesso da regulamentação dos cursos de Engenharia. E o próprio CNE,  no seu Parecer CES/CNE No. 583 de 2001, propõe que as Diretrizes Curriculares devem contemplar perfil do formando/egresso/profissional, competências/habilidades/ atitudes, habilitações e ênfases, conteúdos curriculares, organização do curso, estágios e atividades complementares e acompanhamento e avaliação.
Diante da incompreensível resistência do CNE em reconhecer a importância dessas questões, instituições de ensino de Engenharia fundaram o Fórum Nacional de Dirigentes de Instituições de Ensino de Engenharia – Fordirenge  – com o objetivo de defender a formação de excelência dos engenheiros no país.
A realização de outras audiências públicas para que a academia, as associações profissionais na área de Engenharia e o Sistema Crea/Confea possam contribuir para aperfeiçoar a proposta se faz imperiosa para que realmente as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Engenharia propiciem avanços ao desenvolvimento nacional através de gerações de engenheiros inovadores e líderes na construção de um nova etapa da indústria brasileira. 
Cláudia Morgado é  diretora da Escola Politécnica da UFRJ

O Globo