Será uma surpresa se o novo governo aproveitar uma das melhores contribuições deixadas pela atual administração, um esboço de planejamento econômico e social para os 12 anos de 2019 a 2031. Esse período corresponde aos próximos três mandatos presidenciais. A estratégia apresentada inclui, entre seus pressupostos, a manutenção de compromissos com objetivos amplamente partilhados, como o desenvolvimento sustentável em termos ambientais. As bases desse trabalho foram expostas pelo ministro do Planejamento, Esteves Colnago, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), na presença do presidente Michel Temer e do coordenador do Gabinete de Transição, Onyx Lorenzoni. No mesmo dia, quarta-feira passada, o Itamaraty anunciou, atendendo o presidente eleito, a renúncia do Brasil a sediar em 2019 a conferência do clima da Organização das Nações Unidas, a COP-25. Esse contraste é mais uma indicação de um fosso muito largo entre duas concepções do Brasil e do mundo.
A do atual governo é favorável a uma diplomacia aberta à mais ampla cooperação, como foi afirmado muitas vezes. O Brasil está de volta, disse o presidente Michel Temer em Davos, numa sessão plenária do Fórum Econômico Mundial, no começo de 2018. Ele se referia à recuperação do País, depois de dois anos de recessão, e também à diplomacia econômica. Essa diplomacia, segundo Temer, valorizava maior abertura e maior integração no sistema global, depois do terceiro-mundismo dominante na fase petista. Qual será a mensagem do novo presidente, Jair Bolsonaro, se ele se juntar a milhares de participantes de todo o mundo, para assistir a uma das principais liturgias da globalização, a reunião anual do Fórum?
A estratégia de desenvolvimento apresentada pelo ministro Colnago contempla, “de forma complementar aos objetivos da República”, definidos na Constituição, novas pautas agora “refletidas nos acordos internacionais assinados pelo Brasil, como a Agenda 2030”. Essa agenda estabelece objetivos e metas para o desenvolvimento sustentável “em suas três dimensões: social, econômica e ambiental”. A ratificação do Acordo de Paris, em 2016, é lembrada como ilustração desses compromissos.
O presidente Donald Trump já denunciou esse acordo, classificando-o como prejudicial aos Estados Unidos. Seu discípulo Jair Bolsonaro tem criticado as teses sobre o aquecimento global, apontando-as como manobra conspiratória - os chineses são grandes suspeitos - contra o Ocidente.
O planejamento proposto pelo atual governo toma como referência, entre outros marcos, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Como outros indicadores internacionais, esse pode ser muito útil para a definição de caminhos e de metas. Não está claro, ainda, se o presidente eleito leva a sério o IDH ou se o considera tão ruim quanto os números do desemprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já criticados por ele.
Pelo menos num ponto, o mais óbvio, a estratégia apresentada pelo ministro Colnago deve ser bem vista pelo presidente eleito e por sua equipe. Não se irá muito longe, segundo os textos divulgados, sem um sólido programa de reformas. Sem reformas, os gastos crescerão, a dívida pública também e o crescimento ficará perto de zero, numa nova década perdida. Com reformas suficientes para promover o equilíbrio fiscal, o crescimento ficará perto de 2,2% ao ano, longe do necessário. Com reformas suficientes para equilibrar as contas e favorecer o investimento e ganhos de produtividade, o País poderá crescer em torno de 4% ao ano até 2031.
Ganhos de produtividade e melhoras sociais dependerão crucialmente da educação. A equipe econômica entenderá esse ponto, mas o presidente eleito e seu escolhido para o Ministério da Educação têm mostrado maior preocupação com aspectos ideológicos e morais (ou religiosos) do ensino. O ministro Colnago parece entender o planejamento econômico e social como atividade laica. Grave falha de formação, dirá o presidente eleito?