Em 2014, de sua casa de dois andares na cidade de Carson, no estado americano da Virgínia, Olavo de Carvalho, hoje aos 71 anos, gastava parte de seu tempo tentando insuflar, nas redes sociais, a candidatura à Presidência da advogada Denise Abreu, ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil que ganhou fama ao dar declarações incendiárias durante o caos aéreo entre 2006 e 2007. A empreitada presidencial de Denise naufragou, mas o apoio de Olavo de Carvalho não esmoreceu: persistiu quando ela decidiu, no mesmo ano, sair candidata a deputada federal — outra tentativa fracassada. Quatro anos depois, o ex-astrólogo, jornalista e filósofo, autor de 27 livros e pai de oito filhos, fez a aposta política mais certeira. Apoiou, pediu votos, forneceu o lastro ideológico para a campanha de Jair Bolsonaro à Presidência e, após a vitória, emplacou dois ministros no governo: Ernesto Araújo, diplomata, e Ricardo Vélez Rodriguez, professor. Dispor de tamanha influência em um governo eleito com mais de 57 milhões de votos alça o filósofo — que jamais cursou ensino superior em filosofia — a uma posição singular no governo de Bolsonaro, apesar de nunca ter encontrado o presidente eleito ao vivo. Conhece pessoalmente só seus filhos Eduardo e Flavio, deputado federal e senador eleitos.
“Professor Olavo”, como o guru é conhecido nas redes, não desmerece o poderio recém-alcançado. A VEJA, explica a importância de sua contribuição intelectual, recorrendo a Alexander Soljenítsin (1918-2008), autor de Arquipélago Gulag, radiografia dos campos de concentração comunistas na Rússia soviética: “Essa influência que eu exerci está explicada em uma frase do Soljenítsin: ‘O grande escritor é como se fosse um segundo governo’. Entende por que eu não quero nenhum cargo público? Porque eu já sou esse segundo governo. A influência intelectual é uma coisa, assim, que transcende e engloba a política. E eu já estou neste posto e estou muito contente com ele. Era o que eu queria ser quando crescesse. Já cresci e já sou”.
O professor diz que, para chegar lá, não fez muito esforço. Segundo ele, a admiração por Bolsonaro veio a partir de seus discursos na Câmara, que circulavam no início dos anos 2010 em seletos rincões da internet. “Engraçado” e “sincero” são alguns dos adjetivos usados pelo filósofo para se referir ao presidente eleito. A aproximação com o clã só se deu em 2012, quando Flavio, entusiasta da produção literária do professor Olavo, foi até a Virgínia entregar-lhe a Medalha Tiradentes, honraria do governo do Rio de Janeiro a personalidades que prestaram serviços ao estado — onde o filósofo morou de 1991 a 1999. Daí por diante, os laços se estreitaram. Para convencer Eduardo a lançar-se pela primeira vez candidato a deputado, em 2014, Bolsonaro presenteou o filho com O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota, best-seller de Olavo, lançado em 2013, que vendeu mais de 300 000 exemplares (veja o quadro na pág. 52). Eduardo gostou tanto do que leu que se matriculou no curso on-line de Olavo, cujas aulas em formato live são ministradas por ele semanalmente da biblioteca de sua casa em Petersburg, cidade onde vive hoje, também na Virgínia. Nesse período, a prole organizou dois hangouts com Olavo com a presença do próprio Jair. “Bolsonaro teve a prudência de se apegar a mim porque sou um bom conselheiro”, diz o professor ao discorrer sobre seus méritos.
Das conversas virtuais à indicação de ministros, um imenso rio transcorreu. Um dos alunos mais devotos de Olavo e seu principal escudeiro nas redes sociais, Filipe Garcia Martins, de 30 anos, aproximou-se de Eduardo ainda em 2014 e desde então tornou-se não só amigo do deputado mas também o principal interlocutor do professor dentro do clã. Bacharel em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), Martins entrou oficialmente na campanha em 2018 para cuidar da área “internacional” do PSL, partido do presidente eleito. Uma de suas atribuições era colocar a campanha em contato com Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump e idealizador do grupo nacionalista Movimento, que tem se referido a Bolsonaro como “o tipo de líder que só aparece a cada duas gerações”. Martins também foi responsável por apresentar o diplomata Araújo e o professor Vélez Rodriguez aos Bolsonaro. Enquanto vivia em Washington, Araújo visitou Olavo, a quem mostrou textos de sua autoria. “Vi que é um homem de intelecto gigante, capaz de analisar as coisas da política externa em um nível filosófico que ninguém na mídia brasileira consegue”, diz Olavo. Araújo, pouco a pouco, vem revelando nuances da genialidade que o filósofo diz ver em seus escritos. Em artigo no jornal Gazeta do Povo, publicado no dia 26, escreveu que trabalhará contra o “alarmismo climático” — o nome que dá ao aquecimento global — e a adesão a “pautas abortistas e anticristãs”. Já Vélez, de quem Olavo conhece teses acadêmicas, mas com quem se encontrou poucas vezes no Brasil, é alguém que “vai colocar os interesses da nação acima de suas ideias”, avalia o guru.
As duas indicações foram formuladas, segundo Olavo, depois que ele ouviu rumores de que “um cidadão ligado a um governo globalista e ao George Soros (investidor húngaro radicado nos Estados Unidos)” chefiaria o Ministério da Educação. “Se entrasse um cara desses, estaria tudo acabado”, afirmou. Aproveitou a deixa para sugerir não só Vélez, mas também Araújo. As apresentações dos ministros aos Bolsonaro ficaram a cargo de Martins, que também cuidará para que cerca de vinte deputados do PSL viajem para a Virgínia para ter aulas de filosofia com o professor.
Até tornar-se conselheiro presidencial, Olavo teve uma vida irrequieta. Filho de um advogado e uma operária da indústria gráfica que se divorciaram quando ele ainda era criança, saiu de casa e da escola aos 15 anos para ganhar a vida. Diz ter desistido do ensino formal quando uma professora de português pediu que lesse Joaquim Manuel de Macedo e ele se recusou, afirmando estar muito ocupado lendo obras do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe. Tornou-se um leitor voraz, embora seja um crítico de qualquer método de educação convencional — tanto que a primogênita de seus oito filhos, Heloisa, se envolveu em uma briga pública com o pai ao alegar não ter sido escolarizada durante a infância. Sem aptidão para os esportes e inclinado a paixões platônicas, Olavo era conhecido por ser “bom de papo”. Na adolescência, tinha fascinação pela obra de Karl Marx e Antonio Gramsci, autores contra os quais hoje destila repulsa. “O Olavo era comunista. Tinha uma turminha de comunistas no colégio, e ele fazia parte. Ficava buzinando na minha orelha para eu virar comunista, mas eu só queria jogar bola”, lembra o amigo Valentino Bergamo Filho.
Depois de deixar a escola, Olavo recorreu ao jornalismo para sobreviver — primeiro trabalhou no jornal Notícias Populares, entrevistando “p… e delegado”, em suas palavras, e depois no Jornal da Tarde, no qual revisava textos dos repórteres. Desse período, colegas se recordam dele como alguém discreto e reservado, mas Olavo carrega lembranças de ter sido humilhado, como na ocasião em que, escalado para fazer a cobertura do palácio do governo de São Paulo, foi ignorado pelos setoristas mais experientes: quando havia entrevistas coletivas, ele não era avisado. Incomodava-o ainda o fato de, como copidesque do Jornal da Tarde, ter de corrigir textos de repórteres com diploma na profissão que eram considerados por ele intelectualmente inferiores.
Quando jornalista iniciante, também foi um militante de esquerda. Foi membro de um grupo de guerrilha urbana organizado nos tempos da ditadura militar. Na época, Olavo chegou a dividir o teto com os hoje petistas José Dirceu e Rui Falcão na Casa do Estudante, que abrigava alunos do curso de direito da USP. Mas decepcionou-se com a esquerda no início dos anos 1970. Diz ter se assustado quando integrantes da organização lhe pediram que ajudasse a colocar em cárcere privado um membro do grupo cuja namorada era suspeita de ser agente do Dops, o braço da ditadura que zelava pela “ordem política e social”. Olavo afastou-se do grupo, mas antes cumpriu a missão.
Nos anos 1970, ainda jornalista, interessou-se por astrologia, alquimia e esoterismo. Dedicou-se a esses assuntos anos a fio. Ministrou cursos sobre os temas em uma sala nos Jardins, em São Paulo, à qual deu o nome de Escola Júpiter. Nesse período, Olavo não costumava escrever suas opiniões na imprensa. Isso só passou a ocorrer em meados dos anos 1990, depois que publicou seu primeiro livro de repercussão, O Imbecil Coletivo, em que ataca uma obsessão: a classe intelectual “dominada pelo marxismo”. Jornalistas e acadêmicos, justamente aquelas categorias profissionais que não o acolheram como esperava, tornaram-se seu principal alvo. Sua tese era que, fracassado o socialismo, a esquerda teria adotado a estratégia gramsciana de “povoar a cultura” para depois infiltrar-se na política. Por isso, diz ele, “comunistas” começaram a ocupar espaços nas universidades, na imprensa e em todas as áreas do conhecimento. Quando O Imbecil Coletivo foi lançado, Olavo já havia publicado dez livros (de Aristóteles a astrologia), mas todos passaram em branco. Com O Imbecil, ganhou certa fama de polemista e começou a integrar o panteão dos escritores “de direita”. Colaborou com as revistas Bravo!, República,Primeira Leitura e Época e teve uma coluna no jornal O Globo, do qual foi demitido em 2005, ano em que se mudou para os Estados Unidos como correspondente do Diário do Comércio. Desde então, jamais voltou a pisar no Brasil.
Teve três mulheres: aos 21 anos, Eugênia, mãe de seus quatro primeiros filhos; Silvana, com quem teve dois; e Roxane, mãe dos dois mais jovens e com quem é casado até hoje. Católico praticante depois de passear pelo misticismo e pelo sufismo, Olavo é crítico fervoroso do aborto e não se diz entusiasta de métodos contraceptivos. Seu passatempo preferido é “dar uns tiros” no jardim de sua casa com uma Steyr-Mannlicher calibre .375 H&H, sua arma de caça favorita. Nutre aversão visceral aos filósofos brasileiros da USP, que ele classifica de “imbecis”, e é plenamente correspondido. Elogia poucos intelectuais, entre eles o poeta Bruno Tolentino, de quem foi amigo, o economista Roberto Campos e o escritor Ariano Suassuna — todos falecidos. Na Virgínia, criou um curso on-line de filosofia que até hoje, segundo suas contas, já lhe garantiu 20 000 alunos, que pagam até 640 reais por ano para baixar suas aulas. Olavo não diz quanto ganha com os cursos e a venda dos livros, mas afirma receber “mais que professor universitário e que a maioria dos jornalistas, exceto os que sobem na vida puxando o saco do patrão”. Recluso, não tira férias e só sai de casa se é estritamente necessário. O cineasta pernambucano Josias Teófilo, expelido do meio intelectual depois de tornar-se admirador de Olavo e lançar um documentário sobre sua vida, intitulado O Jardim das Aflições, conta que o filósofo carrega sempre um livro para onde vai e é capaz de sacá-lo no meio de um jantar e começar a ler enquanto os demais conversam.
Sua relação com os alunos mais devotos tende a ser mercurial. Quando obedecem a seus ensinamentos e lhe dão o devido crédito, são gênios. Quando os contestam, são expulsos dos grupos de estudo e, não raro, atacados nas redes sociais pelos fiéis, também chamados de “olavetes”. O economista Rodrigo Constantino, que não chegou a fazer o curso mas já foi alvo da fúria de Olavo na internet, afirma que a dificuldade do professor em lidar com o contraditório vem do medo de ser “ofuscado”. “Ele briga com qualquer pessoa que se destaca nesse meio liberal conservador e que represente algum risco de dividir a atenção. Só não briga com aqueles que se mantêm submissos e prestam referência de que ele é o seu guru”, diz Constantino, que, apesar de tudo, afirma respeitar a obra do filósofo. A persona de Olavo nas redes faz uso constante de termos vulgares, sob o pretexto de que “qualquer palavrão” dito por ele “é mais decente do que oração em latim recitada por padre comunista”. Mais do que as ideias persistentes de Olavo de Carvalho, foi o inimigo em comum com Bolsonaro que o aproximou do hoje presidente eleito. Será curioso ver de que lado Olavo ficará quando o novo mandatário sentir as dores reais do poder, muito mais nocivas que os fantasmas da Guerra Fria.
I’m in love with america
O governo de Jair Bolsonaro, antes mesmo da posse, está vivendo um intenso love affair com a Casa Branca. Na quinta-feira 29, o conselheiro para assuntos de segurança dos Estados Unidos, John Bolton, a caminho da reunião do G20 em Buenos Aires, aproveitou para se reunir com Jair Bolsonaro em sua casa no Rio de Janeiro. O presidente eleito disse que a conversa foi “producente e grata”. O assessor da Casa Branca informou apenas que foram discutidos “interesses bilaterais” — e transmitiu ao presidente eleito um convite de Donald Trump para visitar Washington. Tão conhecido pelas posições radicais e um tanto belicistas quanto pelo seu farto bigode de morsa, Bolton defende um ataque militar à Coreia do Norte e duras sanções contra a Venezuela. Em uma entrevista recente, disse que vai propor ao Brasil parceria para combater o terrorismo.
Enquanto Bolton estava no Brasil, o deputado Eduardo Bolsonaro, o terceiro filho do presidente eleito, visitava os Estados Unidos. Foi recebido na Casa Branca por Jared Kushner, genro de Trump e um de seus principais conselheiros (veja em Radar, na pág. 40). Na saída, posou para fotos usando o boné da reeleição de Trump em 2020. O motivo da visita é tentar “resgatar a credibilidade brasileira no país”, segundo ele. Também houve um encontro com senadores do Partido Republicano, conversas com investidores e visita ao presidente da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro.
Na terça-feira, o deputado foi um dos convidados para o jantar de aniversário de Steve Bannon, o ex-estrategista da campanha de Trump e líder de um movimento direitista internacional. Depois do encontro, o deputado postou nas redes sociais uma foto dos dois e classificou Bannon como “um ícone no combate ao marxismo cultural”. Ao postar a imagem em seu perfil no Twitter, Eduardo divulgou uma conta falsa de Bannon. Foi uma gafe com reciprocidade, digamos assim. Em recente entrevista ao jornal inglês The Guardian, Bannon chamou o presidente Bolsonaro de “Botolini”.
A próxima missão “diplomática” de Eduardo é impedir que a Cúpula Conservadora das Américas, um evento que pretende reunir na próxima semana em Foz do Iguaçu os expoentes da direita latino-americana, se transforme num fiasco. A ideia dos organizadores é fazer um contraponto ao Foro de São Paulo, entidade que agrega os partidos e organizações de esquerda da região. Até agora nenhum chefe de Estado confirmou participação. O próprio Jair Bolsonaro não sabe se comparecerá. Olavo de Carvalho, um dos palestrantes da Cúpula, também já disse que não estará fisicamente presente. Participará por videoconferência.
Gabriel Castro
Bolsonaro, o livreiro
Ao fazer uma transmissão ao vivo após a vitória, em 28 de outubro, Jair Bolsonaro exibiu duas obras de não ficção na mesa de sua casa: o livro O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota, reunião de artigos de Olavo de Carvalho organizados por Felipe Moura Brasil, e o segundo volume das memórias de Winston Churchill. A exposição alçou ambos às listas de mais vendidos, o que significa que pelo menos 1 000 unidades foram comercializadas em uma semana. Foi a primeira vez que o livro de Churchill atingiu tal patamar no país.
A produção literária de Olavo de Carvalho tem sentido mais intensamente as delícias de contar com um leitor como Bolsonaro. Ao ser relançado pela Editora Record no Brasil às vésperas da eleição, O Imbecil Coletivo foi comprado por 40 000 leitores — Homo Deus, best-seller de Yuval Harari, vendeu 49 000 cópias no país em 2018. Já O Mínimo, cuja primeira edição é de 2013, teve saída de mais de 18 000 unidades após a “live da vitória” — e mais de 300 000 no total, quase o mesmo patamar da autobiografia de Rita Lee, lançada em novembro de 2016 pela Globo Livros e que até o momento vendeu 350 000 exemplares.
A influência de Bolsonaro e a redescoberta da direita têm favorecido não só as obras de Olavo, mas também as de outros autores que abordam temas similares. Deputado eleito pelo mesmo partido do presidente, o príncipe Luiz Philippe Orleans e Bragança, em sua obra inaugural, Por que o Brasil É um País Atrasado?,lançada pela Novo Conceito, comercializou mais de 10 000 unidades apenas em 2018. Para a Câmara Brasileira do Livro, um título que vende um total de 15 000 exemplares pode ser chamado de best-seller.
Segundo dados da Record, que hoje edita os livros de Olavo no Brasil, independentemente do boom editorial atrelado a Bolsonaro, o filósofo é considerado um dos autores mais populares do selo, com vendas mensais de 2 000 unidades, em média. É um dos raros autores brasileiros capazes de viver de direitos autorais — ele recebe, em média, 10% do valor de capa. Nada mau para um escritor autodidata que nem concluiu o ensino médio.
João Batista Jr.
Ana Clara Costa e Edoardo Ghirotto, Veja