Giuliana Miranda
LISBOA
Os vistos de residência para quem investe ao menos € 500 mil em Portugal estão na mira do Parlamento Europeu e de organizações internacionais para as quais o mecanismo pode ser usado em crimes financeiros e fiscais.
Os brasileiros são a segunda nacionalidade que mais recebe o chamado visto "gold", atrás dos chineses.
A autorização de residência, implementada no começo da década quando a crise econômica europeia estava no auge, foi objeto de contestação na última semana.
Relatório da organização não governamental Transparência e Integridade, o braço português da Transparência Internacional, pede a suspensão imediata da concessão do visto em Portugal alegando que a falta de transparência e de controle do processo.
"Há risco real de que sejam recursos oriundos de negócios ilícitos", afirma João Paulo Batalha, presidente da Transparência e Integridade.
Em Bruxelas, o Parlamento Europeu vai debater o programa na recém-criada Comissão Especial para Crimes Financeiros, que investigará, entre outras coisas, autorizações de residência por investimento nos países europeus.
A eurodeputada portuguesa Ana Gomes, crítica dos vistos "gold" em Portugal e outros lugares da Europa, é vice-presidente da comissão.
Com o nome oficial ARI (Autorização de Residência por Investimento), o visto "gold" foi criado em Portugal em outubro de 2012, quando o país sofria os piores efeitos da crise econômica global.
Obra do Executivo de centro-direita do ex-premiê Pedro Passos Coelho (PSD), o programa foi mantido e ampliado pela gestão do socialista António Costa, no poder desde novembro de 2015.
BRECHA
O visto garante autorização de residência em Portugal (e consequentemente, o livre trânsito nos 26 países que integram o chamado Espaço Schengen) a interessados em algumas modalidades de negócio, como transferência de ao menos € 1 milhão para Portugal ou a criação de um negócio com dez ou mais postos de trabalho no país.
O método mais popular, no entanto, é a compra de imóveis de alto padrão, responsável segundo dados do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) por mais de 90% dos vistos "gold" emitidos.
A exigência mínima para investimento em imóvel é de € 500 mil, mas esse valor pode cair para €350 mil caso a propriedade esteja em área de interesse de recuperação.
Inicialmente, havia a exigência de que os estrangeiros passassem pelo menos 30 dias por ano em Portugal, mas a regra foi flexibilizada. Hoje são necessários sete dias corridos ou 14 alternados.
Após cinco anos com o visto "gold", o estrangeiro pode pedir o visto definitivo, e após seis anos, pelas regras atuais, a cidadania portuguesa.
Por isso, o relatório da Transparência indica que o programa pode ter se tornado uma forma indireta de venda de cidadanias.
"Não são claros os mecanismos de controle da atribuição de vistos e a forma como os instrumentos de 'venda facilitada de cidadania' geram graves problemas de corrupção e segurança", diz o texto.
A ONG cita como exemplo um cidadão chinês procurado pela Interpol que recebeu um visto "gold" de Portugal.
A eurodeputada Ana Gomes chama o ocorrido de "escândalo" afirma ter apresentado pedidos a ministérios e ao Serviço de Estrangeiros e Fronteira sobre os beneficiários dos vistos "gold", mas não obteve acesso aos dados.
A Comissão Nacional da Proteção de Dados alega que fornecer as informações solicitadas violaria a lei.
Para o presidente da Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, os vistos "gold" contribuem para fomentar a corrupção entre as autoridades portuguesas.
Desde o início do programa, ao menos 11 pessoas, inclusive um ex-responsável pela concessão de vistos, foram indiciadas por fraude e corrupção no programa.
Batalha lembra que a China, onde o regime lançou uma campanha anticorrupção, é a campeã de pedidos.
"Há agora um limite de US$ 50 mil para os chineses enviarem anualmente para fora do país. Como então existem tantos chineses investindo € 500 mil ou mais em Portugal?", indaga.
PROGRAMA BENEFICIOU RÉUS DA LAVA JATO
Um vazamento de informações sobre movimentações de altas quantias na Europa acabou revelando que pelo menos três réus da Lava Jato pediram para ter um visto dourado em Portugal, segundo o jornal britânico "The Guardian" e o português "Expresso".
As transações teriam acontecido em 2014, mesmo ano em que a operação de combate à corrupção no Brasil começou.
Segundo os dados vazados, o hoje delator Otávio Azevedo, ex-presidente da construtora Andrade Gutierrez, teria comprado um imóvel de € 1,4 milhão.
Sérgio Lins Andrade, acionista da mesma empreiteira, teria comprado uma casa de € 665 mil em Lisboa também em 2014.
Ex-presidente da Odrebrecht, Pedro Novis é outro que supostamente comprou imóvel no país.